Renda e crédito é o binômio que alavanca o crescimento, reza a “cartilha” do governo Lula. Não à toa, o crédito consignado com garantia em folha de pagamento de servidores públicos, já existente nos anos 1960, foi repaginado e regulamentado em 2003, no primeiro mandato de Lula quando o crédito sequer alcançava 25% do PIB. Ao final do segundo mandato, em 2010 e quando o PIB saltou 7,5%, a carteira total – também alimentada pelo consignado – atingiu 45% do PIB e, dois anos depois, 50%, transformando em compromisso o flerte de Lula com o crédito.

Passe para a inserção do brasileiro no sistema financeiro mais recentemente exposto à crise no INSS e, agora, à “quebra” do Banco Master, o consignado original – inspiração para o consignado privado lançado neste ano – ganhou tração num contexto de política monetária restritiva como a atual, mas com a política fiscal a léguas de distância pautada, nos anos 2000, por superávits primários. Uma escolha política que amparou a confiança de agentes econômicos e incrementou a demanda por crédito em geral e com efeitos positivos sobre a atividade e os investimentos.

Entretanto, o crédito bancário vem desacelerando. Juros elevados colaboram para essa evolução, assim como a vigência de uma política fiscal excessivamente expansionista que mina os esforços do BC para levar a inflação a 3% e a confiança do setor privado – contexto em que o crédito parece “fora de moda”.

“Na prática, o crédito exige é uma leitura por outras lentes. O mercado evoluiu. Outras fontes de financiamento surgiram, ganharam expressão e tornaram os financiamentos mais baratos às empresas”, observa Alex Agostini, da Austin Rating, que chama atenção para o saldo das operações ampliadas que somam crédito convencional e outros instrumentos.

Ao NeoFeed, o economista-chefe da Austin, agência brasileira de classificação de risco de crédito, lembra que o mercado vem passando por uma mudança estrutural com diversificação de “funding”, uso de instrumentos sofisticados ante os canais tradicionais como emissão de títulos de dívidas privadas de crédito e operações securitizadas, que oferecem volume de recursos e custo de capital em condições mais favoráveis às companhias.

“As mudanças são graduais, mas são irreversíveis”, avalia Agostini, que alerta para o fato de economias desenvolvidas terem passado por processo semelhante que viabiliza financiamentos a custos menores e produtos mais adaptados à demanda que geram ganhos de eficiência e competitividade.

Numa semana carregada de decisões no Congresso e em que o presidente Lula deve sancionar o projeto que isenta de IR quem ganha até R$ 5 mil, o BC atualizará balanços de operações externas a contas públicas. Na quarta, 26 de novembro, publicará dados de crédito de outubro que pouco devem se alterar ante setembro, quando operações convencionais alcançaram 54,8% do PIB.

Esse resultado que, de um lado, parece empacado ante o histórico; de outro, é revelador porque no conceito de crédito ampliado – soma das operações contratadas no Sistema Financeiro Nacional e as realizadas no Mercado de Capitais – o saldo totalizou R$ 19,8 trilhões ou 158,7% do PIB.

Fôlego do crédito ampliado

Em 12 meses até setembro, mostra o BC, o crédito ampliado cresceu 12,2%, com expansão de 17,9% nos títulos de dívida e 9,6% nos empréstimos bancários. Para 2025 e 2026, a Austin estima avanço de, respectivamente, 11,5% e 10,0% no crédito ampliado. E, para o crédito convencional, cerca de 7% e 6%, com o saldo superando a marca de R$ 7,2 trilhões em 2026.

A exemplo da trajetória declinante calculada pela Austin, o departamento de Pesquisa Econômica do Bradesco, que acaba de atualizar suas projeções de longo prazo, prevê expansão de 9% do crédito geral neste ano; 7,1% em 2026; 4,9% em 2027; e 5,2% em 2028. Como plano de fundo, o Bradesco trabalha com a perspectiva de um saudável declínio do juro real nesse período com 9,39% em 2025; 8,92% em 2026; 6,81% em 2027; e 5,39% em 2028.

“O crédito tradicional desacelera, mas o mercado é resiliente, ante a restritiva taxa básica de 15%”, pondera Agostini para quem o movimento tem sido “lento e controlado”, permitindo que o setor bancário mantenha papel relevante no suporte da atividade econômica.

Na prática, porém, o mercado é caixa de ressonância do BC que vem reduzindo suas projeções para o crédito trimestre a trimestre em reação à política monetária e seus efeitos defasados sobre a economia. O Relatório de Política Monetária mostra que a estimativa inicial de crescimento da carteira de 9,6% para este ano caiu a 7,7% em março. Em junho avançou a 8,5% e, em setembro, subiu a 8,8%. Apesar da oscilação, é certo que em 2025 o crédito crescerá menos que 11,5% registrados em 2024. Para 2026, o BC prevê 8%.

Lançado em 21 de março, o crédito consignado para trabalhadores do setor privado – aposta do governo em popularizar e disseminar o crédito como alavanca de consumo – reforça a tendência de consolidação dessa modalidade como a de expansão mais dinâmica do mercado, por oferecer menor risco e menor inadimplência às instituições, observa a Austin Rating.

A expansão parte de uma base baixa, uma vez que as operações estão engrenando. Mas o crescimento é robusto, avalia a agência. Neste ano, o consignado privado avançou 410%. A evolução mensal passou de R$ 1,25 bilhão em dezembro de 2024 para R$ 6,4 bilhões em setembro deste ano, enquanto o estoque das operações avançou de R$ 40,17 bilhões para R$ 59,46 bilhões – alta de 48%

Quando lançado no primeiro trimestre deste ano, dirigentes de grandes bancos privados estimaram que o consignado privado também denominado Crédito do Trabalhador tem potencial para comportar saldo superior a R$ 200 bilhões. A marca está distante, mas será perseguida por ser um estímulo à troca de dívida cara por dívida mais barata e um tentador “convite” ao consumo.