O desenvolvimento saudável de crianças adolescentes é fundamental para garantir o bem-estar da sociedade. Como parte integrante de uma família e da própria comunidade, possuem direitos e responsabilidades que se modificam conforme a idade. O que inclui cuidados e supervisão em todas as esferas de convívio, sobretudo no ambiente digital.
Isso porque as crianças já estão presentes no mundo online, onde ficam constantemente expostas a riscos que podem ferir sua integridade física e psicológica. Uma pesquisa realizada pelo Google entre os meses de junho e julho deste ano apontou que 78% das crianças possuem seu próprio celular, mas somente dois em cada dez pais utilizam mecanismos de controle parental para monitorar a navegação dos filhos.
Seja bullying ou assédio virtual, phishing, download não intencional de malwares ou golpes que oferecem prêmios, como acesso gratuito a jogos on-line, são usuários mais vulneráveis a ameaças e fraudes de cibercriminosos e até quadrilhas de pedofilia. Ao criar perfis infantis e publicar detalhes de sua vida íntima, os pequenos ficam mais suscetíveis a pessoas mal-intencionadas.
Crianças que navegam sozinhas na internet, sem qualquer supervisão de um adulto ou responsável legal, são menores abandonados digitais. O dever de vigilância é dos pais ou responsáveis, conforme determina o artigo 932 do Código Civil. É preciso que saibam da vida digital dos filhos, acompanhem os canais acessados, leiam os termos de uso e verifiquem se os conteúdos são condizentes com os perfis dos filhos, até porque cada um tem temperamento e maturidade diferentes.
Os pais sempre devem conferir as regras de utilização das plataformas e redes sociais, e verificar a idade mínima. Muitos serviços digitais exigem que o usuário tenha ao menos 13 anos, pois não são adequados para serem usados por crianças sozinhas, e precisam ser assistidos ou supervisionados – ainda mais com as novas regras trazidas pelo artigo 14 da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
Para melhor entender o cenário existente no Estado de São Paulo, o Peck Advogados conduziu um levantamento realizado perante os casos disponíveis para consulta no Tribunal de Justiça de São Paulo. Foram identificados 33 julgados no período compreendido entre 2016 e 2023, todos envolvendo práticas relacionadas aos crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90.
A maior parte dos casos mapeados foi julgada em decorrência de crimes relacionados à pornografia infantojuvenil. A dinâmica envolvia desde ameaças de morte aos pais das crianças, com a exigência de envio de fotos e vídeos, passando por interações despretensiosas em redes sociais, e interações envolvendo grupos de jogos online.
São números que revelam um cenário preocupante em relação à presença de crianças e adolescentes na internet. Hoje em dia, diante de uma realidade digital e interconectada, ser cidadão é estar presente tanto na vida real, quanto no mundo online. Mas assim como existe a responsabilidade pela segurança pública nas ruas e nas cidades, quem responde pela segurança pública digital?
A quem cabe zelar pela segurança da internet? Seria uma função do Estado ou das empresas? Ou ainda das próprias plataformas? Quem deve ficar de olho na criança que navega sozinha nessa grande rua digital? Quem deve agir para que o ambiente digital seja um local seguro para as crianças brincarem?
Como mudar esse cenário?
Toda tecnologia, até uma tesoura, tem algum risco. E ainda estamos distantes de ter uma cultura de privacidade e segurança que garanta a proteção da criança e do adolescente. Faz parte de uma grande jornada para educar as novas gerações, formar cidadãos digitais responsáveis e que saibam se proteger.
Pais e educadores devem ter em mente que o aprendizado sem supervisão e crítica não contribui para um uso ético, seguro e sustentável dos recursos. Devemos orientar a nova geração a realizar melhores escolhas, valorizando transparência, verdade, diversidade, tolerância e inovação sustentável.
Além de manter um diálogo franco e direto com os filhos sobre os riscos existentes na internet, também é fundamental avaliar os aplicativos utilizados, supervisionar suas conexões, estreitar o tempo de uso e intensidade da navegação na internet e redes sociais em geral, equilibrando a atividade digital com a privacidade e segurança das crianças e adolescentes.
Por isso também cabe ao Estado promover a educação digital em nosso país, por meio de ações de incentivo à iniciativa privada, instituições de ensino e representantes da sociedade civil, para a realização de campanhas de conscientização voltadas para a educação e capacitação para uso seguro da internet para a população.
O que é possível ser feito do ponto de vista regulatório
Os dispositivos, sobretudo que utilizam Inteligência Artificial, devem vir de fábrica com mecanismos obrigatórios que possam combater e coibir o mau uso que coloque em risco os menores de idade. As empresas têm de manter seus canais de contato e políticas atualizadas, observar o rigor no estabelecimento de camadas de segurança digital e de governança em suas operações para que, ao identificar uso incorreto de suas soluções, tenham a contramedida apta para imediata interrupção das atividades e identificação dos agentes maliciosos.
Do ponto de vista técnico, é possível pensar em medidas e recomendações para garantir esse ambiente mais seguro, tais como:
- Acionar protocolos de segurança logo que sejam identificados riscos para crianças e adolescentes naquele ambiente, em ações ensinadas inclusive nas escolas;
- Ter um canal de denúncia obrigatório, com uma comunicação direta com unidades especiais que tratam de exposição e riscos relacionados à criança e adolescente na internet;
- Utilizar recursos que garantam um controle maior do acesso, para evitar que menores de idade naveguem em ambientes restritos para maiores;
- Exemplo: ter um modelo de “chip kids” para o celular, que restringe determinados acessos e já identifica que se trata de um menor de idade. Vai muito além de uma simples informação declaratória de data de nascimento num formulário - facilmente burlável.
Patricia Peck é CEO e sócia-fundadora do Peck Advogados
Artigo escrito em conjunto com Henrique Rocha, sócio do Peck Advogados