O Tesouro drenou R$ 918,2 bilhões do caixa para pagar juros da dívida pública em 12 meses até novembro, informa o Banco Central. A cifra – equivalente a cinco anos do Bolsa Família que repassou R$ 168,3 bilhões em 2024 – será turbinada pela alta da Selic em mais dois pontos percentuais em duas parcelas, janeiro e março, como decidiu o Copom.

O primeiro trimestre terminará com taxa básica de juros a 14,25% que poderá, contudo, ultrapassar 15% ao final do atual ciclo monetário mais adiante, preveem grandes bancos que defendem o juro salgado para reduzir a inflação de quase 5% em 12 meses para a meta de 3%.

A torcida é grande para que a meta de inflação seja cumprida. Mas o quanto ela é realista, se o juro exigido para alcançar o alvo joga a dívida pública ao espaço elevando prêmios de risco?

As projeções de queda do PIB em 2025 carregam, entre as premissas para o cálculo, a percepção de que a Selic permanecerá nas alturas o ano todo. Se de um lado, há consenso de que o juro real de quase 9% provocará estrago na atividade e até na imagem do governo; de outro, não dá para dizer que será suficiente para conter a inflação ou as expectativas.

Na prática, inflação e expectativas pressionadas, inclusive pelo vigor da taxa de câmbio, fortalecem a avaliação de que a estrutura da economia brasileira não comporta meta de 3%. E a persistir a drenagem bilionária de recursos do caixa do Tesouro para quitar os juros da dívida pública, o debate sobre a necessidade de elevar a meta de inflação tende a ser retomado.

O mercado financeiro resiste à possibilidade de mudança da meta por acreditar que uma alteração seria favorável à prática de inflação mais alta. Entretanto, não é prudente descartar a possibilidade de o governo – em algum momento e ante a escalada da dívida que castiga o câmbio – apelar ao princípio do “mal menor”.

Isto é, tomar uma decisão de impacto negativo num primeiro momento para evitar consequências piores. Nesse caso, o descumprimento da meta que, repetido ao longo do tempo, mina a credibilidade do próprio regime.

No início do Lula 3, economistas, inclusive de mercado, alertavam para o custo de cumprir a meta de 3%. Em outubro passado, economistas ligados à academia foram além. Divulgaram uma carta aberta ao Conselho Monetário Nacional (CMN), avaliando que a meta estava se tornando disfuncional.

O texto, publicado na Folha de S.Paulo, provocou reação negativa no mercado. O tema caiu à “segunda divisão”, mas não foi abortado e volta a ganhar relevância ante a estupenda conta de juros que mira R$ 1 trilhão para alegria de rentistas que o presidente Lula tanto combate.

Na carta ao CMN, Luiz Gonzaga Belluzzo (Unicamp), Carmem Feijó (UFF), Demian Fiocca (USP), Fernando Ferrari Filho (UFRGS), Gilberto Tadeu Lima (USP), Leda Paulani (USP), Lena Lavinas (UFRJ), Luiz Fernando de Paula (UFRJ) e Nelson Marconi (FGV) alertaram para a rigidez de um conjunto de preços na economia e para a forte indexação que prevalece no Brasil – fatores que, entre outros, justificaram a proposta de elevação da meta a 4%.

Dominância fiscal à espreita

Incertezas fiscais e externas ofuscaram a proposta de mudança da meta que impõe um desafio particular. Em junho passado, o CMN adotou a “meta contínua” de inflação, manteve a variação em 3% até 2027 e determinou que qualquer alteração deve ser anunciada com 36 meses de antecedência. Portanto, mudanças antes do prazo teriam um custo e tanto para o governo.

“Mas a elevação da meta seria mais realista e incorreria em menores custos para a economia brasileira e para a sociedade”, avalia Nelson Marconi, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP) e coordenador do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimento, que, recentemente, voltou ao tema em artigo publicado na revista Conjuntura Econômica, da FGV Ibre.

Em conversa com o NeoFeed, Marconi, que também subscreveu a carta aberta ao CMN, defende a meta de 4% por considerar que 3% “está impedindo um crescimento maior da economia, pressionando o cenário fiscal e, a médio prazo, pressionará também a própria inflação”.

O professor entende que é melhor corrigir agora que posteriormente remediar os custos do descasamento entre a meta e a realidade da inflação brasileira. “Meta de 4%”, observa, “é compatível com a realidade da estrutura de preços no Brasil, em que a inflação de serviços é bastante rígida para baixo e contempla regras de indexação, formais e informais, que dificultam a redução do índice a 3% - patamar pouquíssimas vezes atingido no País.”

No atual cenário, calcula, a distância entre a meta e a inflação observada permanecerá em torno de 1 ponto percentual. E a tentativa de levar a inflação a 3% reduz o espaço para queda do juro. Resultado: o custo da rolagem da dívida pública seguirá aumentando, pressionando o câmbio como já vem ocorrendo e a inflação via preços de produtos comercializáveis.

Especialista em preços, Marconi avalia que a política fiscal, ainda que pressione a demanda, não parece ter sido preponderante para determinar a inflação que se mantém elevada. Já o câmbio, diz, mantém correlação com a inflação. É afetado por fluxos comerciais e financeiros que são influenciados pela evolução dívida pressionada pela despesa com juros. Um círculo vicioso.

Ele descreve que “a meta de inflação irrealista obriga o BC a manter o juro alto, o resultado fiscal nominal se deteriora e pressiona a dívida pública, mesmo que o resultado primário (que exclui a conta de juros) seja positivo”.

Nesse contexto, diz, perseguir meta de 3% será um tiro no pé porque a inflação subirá, os juros idem, bem como a taxa de câmbio. “Chegaremos assim a uma situação de dominância fiscal, mas não devido ao resultado primário das contas públicas. E, sim, em função das despesas com juros.”

Para Marconi, elevar a meta não significa que ela não poderá ser reduzida no futuro para 3,5% ou 3%. “A meta pode cair, a depender de uma bem-sucedida desindexação e aprimoramento da infraestrutura, com investimento em fontes alternativas de energia, retomada dos estoques reguladores de alimentos e aumento da produtividade via expansão do investimento privado”, pontua.