O arcabouço fiscal não perde Ibope, mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva elegeu um concorrente de peso ao antecipar que pretende discutir uma política de crédito para o país assim que retornar da visita à China. A delegação brasileira retorna no domingo, 16 de abril.
A sinalização não surpreende. Com a âncora fiscal encaminhada e devendo chegar ao Congresso na segunda-feira, 17 de abril, Lula tem pressa em estrear uma nova fase na economia – a do crescimento.
E não é de hoje que tanto o presidente quanto o PT têm o crédito como relevante indutor de expansão da atividade.
Os dois primeiros mandatos de Lula (2003-2010) foram marcados pelo crescimento do mercado interno de consumo embalado por forte disponibilidade de recursos. E temperada por uma inovação.
Em setembro de 2003, o governo Lula lançou o crédito consignado. Um instrumento bem-sucedido e de grande popularidade mesmo duas décadas depois.
Inovador e seguro para os bancos pela garantia de pagamento com desconto em folhas de salário e benefícios previdenciários, o consignado potencializou o consumo. E, ao longo dos anos, tirou muitas famílias do buraco.
Mas o crédito não foi ator solitário nos dois primeiros mandatos de Lula. Entre 2003 e 2006, teve seu efeito multiplicado pela bancarização da população de baixa renda e pela valorização real do salário mínimo. Entre 2007 e 2010, o crédito oferecido pelos bancos públicos foi decisivo para blindar o Brasil da crise financeira global.
A bancarização é fato consumado. Outra parte da equação avança com uma nova política de aumento real do mínimo no pipeline para avaliação e aprovação da área econômica e do presidente como indicou, na quarta-feira, 12 de abril, o ministro do Trabalho Luiz Marinho.
Já a ampliação da oferta de crédito será impulsionada pelo pacote de medidas acenado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a ser apresentado ainda em abril.
O teto de juro do consignado já está definido, mas o programa poderá passar por uma revisão quanto ao comprometimento da renda dos tomadores que está em 45%, mas era de 30%. Lula pediu à Fazenda uma avaliação sobre o nível mais adequado.
Como conseguir crédito
Embora os bancos privados estejam arredios neste início de ano, após as perdas contabilizadas com a Americanas, a aprovação do marco legal de garantias, que aguarda votação no Senado, pode trazer alento e novo impulso a futuras operações.
A inadimplência elevada, que estrangula famílias e empresas, pode ser administrada com programas de renegociação de dívidas promovidos isoladamente por grandes bancos privados, em conjunto pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e pelo “Desenrola” – iniciativa pública.
O governo tem cartas na manga. E a mobilização dos bancos estatais é uma delas. Se agressiva, essa mobilização enfrentará resistência, sobretudo, se calcada em operações que impliquem em concessão de subsídios por sua repercussão fiscal e monetária.
O governo tem cartas na manga. E a mobilização dos bancos estatais é uma delas
Mas uma mobilização controlada de instituições públicas não é desprezada. Afinal, três bancos no Brasil dispõem de carteiras de crédito da ordem de R$ 1 trilhão: Itaú Unibanco, Banco do Brasil e Caixa.
E a Caixa já se mexe. Na terça-feira, 11 de abril, a instituição informou que reduzirá juros para 2,1 milhões de micro e pequenas empresas ligadas à Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil.
A medida, em convênio com a entidade, prevê que essas empresas tenham acesso a capital de giro, a partir de 1,21% ao mês. Elas também vão dispor de linha para compra de máquinas e equipamentos a partir de 1,34% ao mês.
Na quarta-feira, 12 de abril, a Caixa anunciou R$ 3,9 bilhões para microempreendedores individuais, micro, pequenas e médias empresas. Em operações com 12 meses de carência e pagamento em até 60 meses.
A Caixa é particularmente relevante num cenário de impulso ao crédito por ter se transformado na maior fintech do Brasil, avaliam especialistas ouvidos pela Coluna. O aplicativo Caixa Tem ampliou absurdamente o escopo da instituição nos últimos anos.
Utilizado para o pagamento de auxílio emergencial, o Caixa Tem chegou ao final de 2020 com 100 milhões de cadernetas de poupança digitais abertas – um “ativo” sem concorrentes no sistema bancário e à disposição do governo.
Um sinal público da urgência do Executivo em instalar a economia em nova fase, que certamente ajudará a melhorar a imagem do governo, despontou na reunião ministerial realizada segunda-feira, 10 de abril, para o balanço de 100 dias de governo.
Durante o encontro com os 37 ministros, Lula provocou Haddad para que apresse o programa de renegociação de dívida “Desenrola”.
Renegociação das dívidas
O “Desenrola” já está pronto e aprovado, informou Haddad mais de uma vez nas últimas semanas. E estará no ar, assim que concluída a estrutura tecnológica necessária para o cruzamento de dados de devedores e credores.
O programa é vital para proporcionar algum alívio a pelo menos parte dos 70 milhões de brasileiros endividados em mais de R$ 300 bilhões – um contingente que, sem um empurrão para a limpeza de orçamentos, não ajudará a deslanchar um novo ciclo de crédito.
O programa "Desenrola" é vital para proporcionar algum alívio a pelo menos parte dos 70 milhões de brasileiros endividados
Mas esse novo ciclo também depende de condições que, para além do endividamento, pesam contra. E, neste quesito, a redução do juro é crucial. E ainda não dá para dizer que o Banco Central está “fechado” com o governo e sua ala política que, dia sim e no outro também, defende Selic menor.
Na terça-feira, 11, o Instituto de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou a inflação oficial de março que surpreendeu positivamente, mas não fez cócegas no BC.
A taxa anualizada, de 4,65%, abaixo do teto da meta para este ano, de 4,75%, foi comemorada em bloco no mercado financeiro que promoveu forte ajuste nos preços de todos os ativos e acelerou a redução dos juros de longo prazo.
Em Washington para participar da reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial, durante encontro organizado pela XP, Campos Neto disse que “a inflação caiu, mas as pressões permanecem”.
Ele voltou a alertar para a desancoragem das expectativas e acrescentou que “o componente de demanda da inflação no Brasil é relativamente forte” – visão contrária à propagada pelo Executivo.
Em 100 dias de governo, Lula declarou inúmeras vezes que o Brasil não tem problema de demanda. Razão pela qual, segundo ele, o BC não deve manter a taxa básica nas alturas.
Com o crédito na mira, o governo deverá, sim, empurrar a economia à nova fase. Mas a já “velha” briga com o BC continua.