Rei morto rei posto. No embalo do ditado popular, o mercado financeiro abraçou o resultado das urnas. A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência não semeou uma catástrofe como uma ala do mercado chegou a cogitar. E sem contestação institucional a transição de governo começa nesta sexta-feira, 4 de novembro.

Com o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin na coordenação, o foco da equipe de transição está no Orçamento de 2023 que deverá contemplar o aumento real do salário mínimo, o Auxílio Brasil de R$ 600 e o waiver – licença para gastar acima do teto de gastos.

O day after do 2º turno das eleições foi memorável pela atração de investidores ao mercado, sobretudo estrangeiros, que imprimiram nos preços dos ativos a agenda que deve predominar no 3º governo Lula em defesa da distribuição de renda, expansão do crédito e maior controle sobre as estatais.

Em outubro, estrangeiros aportaram no Brasil mais de R$ 14 bilhões, informa a B3, elevando as aplicações desse segmento a R$ 84 bilhões no ano. Não é pouco dinheiro.

Nesse contexto positivo de investimentos financeiros, os protestos dos caminhoneiros bolsonaristas surpreenderam, mas foram relativizados porque não chegaram instaurar um clima de convulsão social – este sim temido pelos investidores.

Na contagem regressiva para o governo de transição, o teto de gastos foi pontualmente destronado do alto das preocupações de gestores que consideram a composição do Congresso – notadamente de centro-direita – um fator limitante a eventuais propostas de gastos desenfreados do futuro governo.

Na mesma linha, a expectativa com a nomeação do ministro da Fazenda ou Economia, foi atropelada, também pontualmente, pelos efeitos econômicos concretos e potenciais dos bloqueios das rodovias.

A retenção nas entregas de combustíveis, insumos, carga viva, produtos perecíveis e medicinais disparou alertas quanto a aumento de preços por desabastecimento ou interrupções de cadeias industriais neste momento de declínio da inflação.

Prejuízos ainda serão contabilizados, mas essa combinação de eventos não retraiu investidores e, por ora, não há expectativa de recrudescimento das manifestações que não guardaram semelhança à invasão do Capitólio, nos EUA, em janeiro – um risco que estava no radar dos estrangeiros.

Os protestos aqui observados partiram de uma categoria profissional, despertaram uma rápida atuação da Justiça e justificaram o apelo tardio – mas oportuno – do presidente Jair Bolsonaro, divulgado em suas redes sociais na quarta-feira, 2 de novembro, pela desobstrução das rodovias.

Na condição de anonimato, dois interlocutores da coluna que integram o atual governo avaliam que os riscos de ampliação das manifestações antidemocráticas foram reduzidos pelo pedido de Bolsonaro e pelo pronto reconhecimento da vitória de Lula por todas as instituições do país.

“Do ponto de vista institucional esse reconhecimento, inclusive dos governos dos EUA e China que são as maiores economias do mundo, delimita qualquer aventura”, afirma Paulo Clini, diretor de investimentos da Western Capital, que vê os agentes econômicos atentos a questões que envolvem a política fiscal e a relação entre os poderes Executivo e Legislativo, a partir de janeiro, quando o país estará sob nova direção.

Para além do teto de gastos, explica Clini, a questão que deverá pautar o mercado, possivelmente até a posse do futuro governo, trata do risco de implementação de uma agenda petista em sua integralidade.

“Esse é um grande receio do mercado porque a agenda do PT é absolutamente expansionista. Mas a leitura que está sendo construída e que deve prevalecer é a de que o fato de o país estar politicamente dividido, como demonstraram as urnas em placar tão apertado, diminui a capacidade de o PT impor uma agenda gastadora”, diz Clini.

Adicionalmente, observa, o Congresso também é um freio à prática de uma agenda expansionista sobretudo porque Lula terá que fazer concessões aos parlamentares – conservadores em sua maioria na próxima legislatura – para emplacar programas do seu governo.

“Haverá limitação de gastos, mas não em decorrência de um Congresso fiscalista, mas porque não interessa às forças de centro-direita sancionar na íntegra um projeto petista. Caso isso aconteça, o que sobrará como moeda de troca ao longo do 3º mandato do Lula? Não sobra nada”, diz Clini.

Em conversa com a coluna, o diretor da Western afirma que do ponto de vista negocial há disposição a impor limites ao Executivo. E do ponto de vista político há condições para isso, inclusive, porque não ocorreu uma “onda vermelha” na última eleição, como em outros momentos da história brasileira.

“Algum gasto fiscal é esperado e essa também era a perspectiva acenada pelo governo Bolsonaro em caso de reeleição. A questão que se coloca, portanto, é o tamanho dessa expansão”, comenta.

Neste sentido, o futuro ministro da Economia ou da Fazenda será visto como fiel da balança. Mas, independentemente de nomes que possam ocupar o cargo, há um incentivo à moderação na aplicação da agenda econômica porque as forças políticas a favor de Lula não estão todas alinhadas na mesma direção. Lula tem dito reiteradamente que o governo não será do PT, mas do povo brasileiro.

Independentemente de quem possa ocupar o cargo na economia, há um incentivo à moderação porque as forças políticas a favor de Lula não estão todas alinhadas na mesma direção

“O nome do futuro ministro da Economia levará a mais ou menos estresse, maior ou menos volatilidade dos ativos, sobretudo quanto à perspectiva do waiver em 2023”, reconhece o diretor da Western. “Mas seja Henrique Meirelles ou Wellington Dias, as forças políticas continuarão atuando pela moderação”, pondera Clini, que destaca o fato de o Brasil ser atraente e relevante para os estrangeiros.

Ele afirma que tem dinheiro novo entrando no país e não só realocação de recursos. “E há motivo para isso. A percepção dos estrangeiros é de que o governo Lula é menos disruptivo do que avalia uma parte dos investidores locais”.

O especialista em investimentos acrescenta que o Brasil está numa fase adiantada do ciclo econômico, tem juro acima da média de outros países e o retorno da bolsa também supera a média de mercados desenvolvidos e emergentes. “É natural, portanto, que o Brasil seja atraente”, afirma.

Sinal de que o Brasil está em um ponto mais avançado no combate à inflação, enquanto o Copom afirmou em sua ata, na terça-feira, 1º de novembro, que impactos da política monetária no crédito e na atividade já são perceptíveis e reiterou a manutenção da Selic a 13,75% por tempo prolongado, o Federal Reserve (Fed), elevou sua taxa em mais 0,75 ponto percentual, para a faixa de 3,75% a 4%, na quarta-feira, 2 de novembro.

O movimento do BC americano foi seguido pelo Banco da Inglaterra que, na quinta-feira, 3 de novembro, subiu o juro em 0,75 ponto, para 3%.

Também a favor do Brasil em tempos de adoção global de exigentes critérios ESG na gestão de portfólios, investidores estão atentos à relação que o governo Lula estabelecerá com o exterior em pautas de interesse global.

A determinação de Lula de colocar o Brasil como protagonista na luta contra a crise climática, como frisou no discurso da vitória, não passou despercebida de gestores globais e produziu dividendo imediato.

A Noruega anunciou prontamente que voltará a financiar o Fundo da Amazônia que está parado desde abril de 2019, quando o Governo Bolsonaro extinguiu colegiados que formavam a base do Fundo – decisão que levou à interrupção de financiamento pela Noruega e Alemanha.

Lula também foi convidado a integrar a comitiva de autoridades ligadas ao Consórcio de Governadores da Amazônia Legal e participará da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – COP 27 – que ocorrerá no Egito entre 6 e 18 de novembro.

A ex-senadora e ex-ministra Marina Silva e a ex-senadora Simone Tebet – ambas com atuação decisiva na campanha presidencial – acompanharão o presidente eleito. E a expectativa é de que Marina Silva retorne da COP 27 como futura ministra do Meio Ambiente. E não falta prestígio internacional para que retorne ao cargo que ocupou entre 2003 e 2008 – durante o 1º e o 2º governo Lula.