O novo governo não teve lua de mel com o mercado financeiro, o comportamento dos ativos indica que a possibilidade é remota e a insegurança lançada pelo primeiro escalão – incluindo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva – exigirá “bombeiros” de plantão.
Discursos de ministros prevendo revisão das reformas previdenciária e trabalhista, desmentidos em menos de 24 horas, elevaram em muitos graus o clima de instabilidade.
Em dois dias de negócios, o Ibovespa perdeu 5% e neutralizou o ganho de 2022. O dólar saltou a R$ 5,45, maior nível em seis meses. Os juros dispararam em todos os prazos para além de 13%.
Os piores movimentos foram contornados, na quarta-feira, 4 de janeiro. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, apagou o incêndio. Garantiu que o governo não está avaliando a revisão das reformas.
Também ajudou a evitar maior deterioração dos ativos a afirmação do futuro presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, de que não ocorrerá desvinculação do preço internacional do petróleo na formação de preços domésticos dos combustíveis.
Esclarecimento bem-vindo na área que inflamou o mercado e desgastou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pela prorrogação da isenção tributária de combustíveis por 60 dias.
A expectativa era de reoneração dos preços, a partir de 1º de janeiro como previsto, em defesa das contas públicas. O ministro, contra a prorrogação, perdeu para a ala política.
Ainda é cedo para apostar na recuperação segura dos ativos, mas o discurso de posse da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, na quinta-feira, 5 de janeiro, diminuiu a tensão e precipitou, de imediato, um alívio no câmbio que caiu abaixo de R$ 5,40.
Em seu discurso, Tebet afirmou que o Estado precisa avaliar o impacto de seus gastos, evitar desperdício, diminuir a dívida pública e aprovar, com urgência, a reforma tributária.
Até que o governo afine o discurso, impera a instabilidade. Não por acaso, o presidente Lula convocou sua primeira reunião ministerial para esta sexta-feira, 6 de janeiro. É urgente a necessidade de afinar o discurso.
É evidente que o pós-eleição frustrou aqueles que esperavam declarações do novo governo que aumentassem a previsibilidade para decisões futuras. A semana de estreia ampliou incertezas.
É evidente que o pós-eleição frustrou aqueles que esperavam declarações do novo governo que aumentassem a previsibilidade para decisões futuras. A semana de estreia ampliou incertezas
Rapidamente ficou claro que a “estupidez” do teto de gastos, citada por Lula no discurso de posse, no domingo, 1º de janeiro, foi um aperitivo do que viria a seguir na escalada de cerimônias de posse e entrevistas.
Ficaram em segundo plano – temporariamente – declarações do ministro da Fazenda Fernando Haddad.
Em entrevista ao portal Brasil 247, na terça-feira, 3 de janeiro, o ministro demonstrou desconhecer a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) – órgão criado há quase 50 anos, subordinado ao Ministério da Fazenda, equivalente a um Banco Central voltado ao mercado de capitais que o governo pretende fomentar.
Para Haddad, a CVM é outra coisa. É o CMN (Conselho Monetário Nacional), instância máxima de decisões de política monetária e crédito do país representado pelo Ministério da Fazenda, Ministério do Planejamento e Banco Central.
Haddad, ainda ao Brasil 247, tocou no vespeiro de juro e câmbio. Vespeiro porque juro e câmbio, junto com o crédito, são a essência da atividade do BC. E o BC não está subordinado à Fazenda desde fevereiro de 2021, quando se tornou independente por lei.
O ministro também afirmou que uma meta para o câmbio não está em discussão, mas acrescentou que “é possível atuar no âmbito das finanças públicas para estabilizar o real e evitar tanta volatilidade”.
O ministro não disse, mas, no âmbito das finanças públicas, é a definição da âncora fiscal que evitará pressões sobre o real.
Haddad considerou que o juro real no Brasil está “fora de propósito” porque a inflação está baixa e o juro muito alto, o que é fato. Afinal, esse é o efeito da política monetária contracionista no processo de combate à inflação.
Mas a política monetária apertada estará, em breve, no centro das discussões sobre o ritmo da atividade que já está por ela sendo afetado. Mantido o atual discurso, será inevitável um embate entre o BC e a Fazenda.
Para o ministro, a “ficha caiu” para o mercado ante a surpresa com a herança do governo Bolsonaro que teria deixado um rombo de R$ 300 bilhões em gastos por objetivos eleitoreiros.
No mercado, a “ficha caiu” porque o governo Lula começou com o pé esquerdo. E há um temor crescente de ações intervencionistas na economia, especialmente, a partir da mobilização de três estatais: Petrobras, Banco do Brasil (BB) e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
No mercado, a “ficha caiu” porque o governo Lula começou com o pé esquerdo. E há um temor crescente de ações intervencionistas na economia
O alcance de decisões da Petrobras não é pequeno ou óbvio. E mexe com as contas públicas. Mais objetivamente pela política de dividendos da estatal – receita para o governo e acionistas.
Em 2021, sob a relatoria do senador Jean Paul Prates (PT-RN), indicado por Lula para a presidência da Petrobras, foi apresentado, no Senado, o projeto de lei 1.472.
O projeto prevê a criação de um fundo de estabilização de preços de combustíveis, a ser financiado pelo governo e pela distribuição de dividendos da estatal.
Entretanto, há exatamente um ano, em fevereiro de 2022, surgiu a discussão sobre a criação de uma Conta de Estabilização de Preços (CEP) de combustíveis incluída em um substitutivo ao projeto de Prates.
E por que isso importa?
Se for criado um fundo de estabilização de preços de combustíveis, o gestor deve ser a Petrobras. No caso da conta de estabilização, o Executivo ou um banco público poderá administrar e os recursos advindos de receitas de exportação de petróleo também poderão compor essa conta.
O próprio senador Jean Paul Prates informou à época que o Congresso não pode criar fundos a serem geridos pelo Executivo.
O Banco do Brasil (BB) e o BNDES preocupam pela eventual adoção de programas de crédito com taxas subsidiadas que acabam batendo na conta do Tesouro Nacional.
E, especificamente o BB, pela possibilidade de vir a liderar programas de renegociação de dívidas a serem compartilhados pelos bancos privados.
Importante lembrar que o BB também tem relevância no mercado cambial. É o segundo maior fechador de contratos de câmbio de exportação do país, perdendo a liderança para o Itaú Unibanco.
De janeiro a novembro de 2022, informa o BC, o Itaú fechou US$ 44,8 bilhões em contratos; o BB, US$ 43,1 bilhões. De importações, o Itaú contratou US$ 46,3 bilhões e o BB US$ 31,4 bilhões.
Essa posição do BB no câmbio sugere a relevância de outro tema comentado na semana de estreia do 3º mandato de Lula.
O embaixador da Argentina no Brasil, Daniel Scioli afirmou, na terça-feira, 3 de janeiro, que Haddad assumiu compromisso com uma moeda comum no Mercosul.
Haddad foi a campo, na quinta-feira, e negou a existência de proposta sobre a moeda comum. Mais um tema controverso a ser administrado pelo ministro que, tendo as chaves do Tesouro, é o mais poderoso da Esplanada e terá em Simone Tebet uma colega – ou concorrente – de peso.