Não há indicador econômico que resista à concorrência imposta por negociações tarifárias entre EUA e parceiros comerciais marcadas pelo pontapé inicial com o Reino Unido e abertura de diálogo com a China.
A escalação dos dois países fortalece a expectativa de que futuros acordos poderão ser mais flexíveis e as tarifas comerciais menos punitivas. Uma possibilidade ou torcida que injeta otimismo no mercado internacional onde, no plano de fundo, o dólar parou de perder valor, juros e bolsas estão menos voláteis e dados de atividade, embora declinantes, não anunciam recessão.
Replicado no mercado local, esse cenário tem impacto favorecido pela agenda externa do presidente Lula que, em visita à Rússia e China, amplia a visibilidade de acordos comerciais e de cooperação nas áreas de fertilizantes, mineração, combustíveis e energia. Pendengas domésticas ficam para depois.
De viés positivo, a agenda compartilhada com empresários afasta Lula, temporariamente, de dois temas com elevado potencial para afetar sua popularidade para o bem e para o mal: a tramitação da proposta de isenção de IR para quem recebe até R$ 5 mil a exigir compensação e o ressarcimento de recursos desviados de aposentados e pensionistas do INSS. Enrosco que mobiliza a Polícia Federal e o Tribunal de Contas da União – e, no limite, o caixa da União.
Teste para os nervos de Trump e Lula que defendem juros menores, a manutenção da taxa básica pelo Fed no intervalo de 4,25% a 4,50% e a alta da Selic a 14,75% pelo Copom – anunciadas na quarta-feira 7 de maio – confirmaram projeções amplamente esperadas e sob um diagnóstico similar. Lá e cá, a atividade desacelera, mas segue resiliente. A inflação, idem.
Resultado: as taxas básicas não devem cair tão cedo e nem tanto quanto o desejável e as condições financeiras ficarão apertadas por um bom tempo. Ainda assim, a atividade não deverá desabar. Nem lá, nem cá.
A decisão do Copom de elevar a Selic ao maior nível em vinte anos será detalhada na Ata que sai na terça, 13 de maio. É improvável, porém, que o documento altere estimativas de inflação que resistem em à repercussão do tarifaço e já afetam a confiança de empresários e consumidores.
A confiança em geral fechou o primeiro trimestre em queda no Brasil. E os dados de abril, recém-divulgados, não esboçam reversão consistente – à exceção da Confiança do Comércio que subiu 4,4 pontos percentuais (p.p), para 87,5 p.p, após quedas consecutivas, informa o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre FGV).
Os demais indicadores de confiança (Consumidor, Construção, Indústria, Serviços e Empresarial) fecharam abril entre discreta estabilidade ou declínio pela insegurança semeada pelas políticas de Trump. E pela percepção corporativa de que a demanda por bens e serviços no País estará efetivamente comprometida no segundo semestre. A ver.
Também monitorado pelo Ibre FGV, o Indicador de Incerteza da Economia subiu 4,6 p.p., para 115,5 p.p. em abril sob forte influência do componente Mídia que atingiu o maior nível em três anos – também reflexo de inquietação quanto às consequências de temida escalada da guerra comercial.
Preço da gasolina é “escape” midiático para Lula
Para pontuar as principais questões que estão “sobre a mesa” no mercado atualmente, o NeoFeed conversou com Eduardo Velho sócio e economista-chefe da Equador Investimentos que destaca a perspectiva para a economia americana como principal ponto em avaliação pela capacidade de afetar câmbio e juros, sobretudo, em mercados emergentes. O Brasil entre eles.
Velho observa que parte do mercado vê um cenário recessivo à frente, parte vê desaceleração. Ele está no segundo grupo e reforça sua posição ao citar o fôlego do mercado de trabalho em criação de vagas e ganho salarial dos norte-americanos, a despeito da queda forte na confiança dos consumidores.
Outra questão importante em pauta, diz ele, trata da recuperação da atividade na China que adotou estímulos fiscais e monetários (liquidez) ainda em 2024. E acabou de anunciar que volta à carga com a mesma receita. “Iniciativa que apenas confirma que a China encara um problema de demanda espelhada em uma persistente deflação”, pontua Velho.
Mas é a economia americana alvo primário de atenção do economista que alerta para o fato de que informações mais claras sobre atividade e inflação nos EUA chegarão com dados de abril, maio e junho - verão no hemisfério norte -, quando a demanda, inclusive por combustíveis, faz diferença.
“Uma queda da inflação e da atividade poderá alavancar a precificação de corte de juro pelo Fed. Mas um impacto maior ocorrerá, de fato, caso Trump adote uma postura mais flexível em negociações sobre as tarifas”, afirma o economista.
No Brasil, a grande questão em pauta, observa Velho, é até quando o Copom elevará a Selic e por quanto tempo manterá o juro real nos níveis atuais que levam o Tesouro a vender títulos longos, inclusive, com juros de 7% a 7,50% acima da inflação – uma condição que agrava a dívida pública.
Eduardo Velho vê o mercado brasileiro sob pressão da incerteza global derivada do tarifaço americano. Entretanto, pontua que a questão de fundo, no Brasil, é a política fiscal. Ele reconhece que as tarifas de Trump atropelaram o debate que voltará e alimentará expectativas com futuras reformas.
“A reforma da Previdência será protagonista nas discussões e num cenário que poderá levar o dólar a um rebalanceamento”, diz Velho que reconhece, porém, que o governo Lula tem, em contraponto, um escape de poder midiático para atenuar pressões: a redução do preço da gasolina.
“O preço doméstico supera em cerca de 9% a cotação internacional. Uma correção é possível com efeito positivo sobre a inflação. E sem interferir na perspectiva da Selic. O Copom, afinal, já toma decisões com foco em 2026.”