A decisão do Copom desta quarta-feira, 7 de maio, de aumentar a taxa de juros em 0,5 ponto percentual, para 14,75%, pode ajudar a reduzir a inflação. Mas, se depender do governo, nada será feito para baixar a inflação - e, por tabela, os juros.

É o que afirma o economista Marcos Mendes, pesquisador do Insper e especialista em política fiscal. Nesta entrevista ao NeoFeed, Mendes afirma que o erro do governo é insistir com uma concepção de crescimento econômico que, segundo ele, é equivocada, com estímulo ao consumo.

“Esse é um modelo esgotado, que nos faz vítima da maior taxa de juro real do mundo e de uma dívida pública enorme, que não é consistente”, afirma o especialista.

Mendes também adverte que o governo há muito deixou de se preocupar em cumprir o arcabouço fiscal. E o mercado, sabendo que o governo não tende a mudar sua política econômica, parou de cobrar medidas, à espera de uma reforma fiscal só em 2027.

“O que me chama a atenção é que toda essa turbulência internacional fez com que o mercado aqui ficasse mais leniente com a situação interna”, diz. “Mesmo porque desse governo ninguém espera mais nada. O problema é que não tem nada garantido se um próximo governo fará alguma reforma ou se a reforma que fizer será relevante.”

Sobre a situação externa, Mendes faz um alerta: a política de tarifas do presidente americano Donald Trump reproduz décadas de protecionismo de governos brasileiros.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista de Mendes ao NeoFeed:

Apesar da decisão do Copom de aumentar a taxa Selic em 0,5 ponto percentual, para 14,75%, o mercado prevê o fim do ciclo de alta de juros, com a Selic chegando em dezembro em 14,75%. Ainda é cedo para apostar num controle maior da inflação?
A palavra de ordem é incerteza. Temos vários fatores que podem levar à redução da inflação e da taxa de juros, mas nenhum deles resultantes de política econômica propriamente dita. Esta turbulência internacional pode gerar oportunidade de redirecionamento importante de produtos da China, o que aumentaria oferta de produtos industrializados no Brasil, que seriam redirecionados do mercado dos Estados Unidos, e uma redução da atividade econômica do mundo, o que ocorreria aqui também.

"Temos vários fatores que podem levar à redução da inflação e da taxa de juros, mas nenhum deles resultantes de política econômica"

Por que o governo não ajudaria nesse controle da inflação?
Porque, internamente, continua bombando a despesa, criando novos programas de estímulo à economia e pressionando a demanda agregada. O discurso dos diretores e do presidente do Banco Central tem sido bastante cauteloso e, na minha opinião, correto. Eles ainda estão para ver a desaceleração da demanda e uma desaceleração consistente da inflação, que ainda não se mostrou claramente.

E como os mercados reagem?
Os mercados já tentam enxergar lá na frente, apostando nesse cenário de que um esfriamento vindo da economia internacional vai facilitar a vida do Banco Central aqui internamente. Mesmo com esse cenário de esfriamento internacional, tem uma leitura de que o Banco Central, por um bom tempo, não vai mirar a meta de 3% porque isso sugeriria um juro muito forte.

Qual é sua expectativa para a gestão do Gabriel Galípolo à frente do Banco Central, já que ele foi indicado pelo presidente Lula? Ele deverá ser pressionado para baixar os juros?
Acredito que a pressão não vai ser pública, como foi feita contra o Roberto Campos Neto, para fins de proselitismo político. Mas, conhecendo o perfil do PT, imagino que haja uma pressão forte nos bastidores. Vamos ver como o Banco Central vai atuar em termos de institucionalidade.

Até aqui essa nova gestão do BC tem atuado bem?
O Banco Central ganhou tempo ao usar uma estratégia interessante lá atrás, em dezembro, quando pré-fixou os aumentos da Selic para duas reuniões seguidas. Como já estava anunciado o que seria feito, não houve espaço para a pressão. E como foi ainda na gestão do Roberto Campos, a “culpa” ficou nas costas do antecessor. Daqui para frente vamos ver como isso vai ficar. Até agora, o BC tem se posicionado de forma muito coerente e com uma leitura correta da situação da economia nacional e internacional.

"O BC ganhou tempo ao usar uma estratégia interessante lá atrás quando pré-fixou os aumentos da Selic para duas reuniões seguidas"

Quais as maiores ameaças ao controle da inflação?
Tem muita gente também olhando as oportunidades de exportação do Brasil com esse cenário de tarifas elevadas dos EUA. Eles seriam o substituto de exportações americanas e, nesse caso, poderiam até ter um impacto inflacionário porque você exporta produtos que seriam vendidos internamente. Como disse, tudo é quadro de incerteza. O que me chama a atenção é que toda essa turbulência internacional fez com que o mercado aqui ficasse mais leniente com a situação interna.

Em que sentido?
Nós tivemos um anúncio do PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias), que colocou a nu a inconsistência do arcabouço fiscal, mostrando claramente que em 2027 o arcabouço não funcionará mais e que em 2026 estará sob forte risco. E o governo, ao mesmo tempo, não toma nenhuma providência minimamente razoável para lidar com esse problema. Está todo mundo tolerando isso, porque as antenas estão voltadas lá para fora. O risco é que essa preocupação volte de uma vez, e de forma abrupta.

Teríamos um problema muito maior?
Sabemos que o mercado não funciona de forma suave. É o velho problema com o chamado comportamento de manada. No final do ano passado, por exemplo, houve grande desconfiança com relação ao fiscal quando teve o pacote adiado, com disparada do dólar, uma preocupação enorme. Isso, de certa forma, se acalmou sem que nenhum daqueles problemas tenha sido resolvido.

Quais são os riscos de isso se repetir?
Podemos voltar a ter uma perturbação interna a depender de algum fator como, por exemplo, se esse projeto de isentar imposto de renda de quem ganha até R$ 5 mil der ruim ou se só sair com uma compensação. A aprovação de pautas ruins também preocupa.

"A aprovação de pautas ruins também preocupa"

Tem alguma em especial que deve ser destacada?
Tem uma que está tendo muita força: a PEC que garante 2% do PIB, no mínimo, para o orçamento das Forças Armadas. Trata-se de uma proposta inadequada, que insiste em todos os erros básicos de política fiscal que cometemos no passado, que é vincular recursos e associar despesa a crescimento do PIB, que engessa a despesa. Neste caso da PEC, a proposta estabelece uma prioridade congelada no tempo - além do que o orçamento das Forças Armadas é brutalmente sobrecarregado de privilégios e benefícios remuneratórios, em especial de aposentadoria.

No fim tudo é um problema fiscal.
Uma pauta negativa como essa ou uma piora do controle do governo sobre a pauta do Congresso pode precipitar novamente a angústia com o nosso problema fiscal, que é um encontro marcado - a expectativa de que em 2027 vai ser feita uma grande reforma fiscal.

Isso é uma ilusão?
Está todo mundo tolerando, esperando até 2027, mesmo porque desse governo ninguém espera mais nada. O problema é que não tem nada garantido se um próximo governo fará alguma reforma ou se a reforma que fizer será relevante. Se continuarmos a manter as antenas voltadas para questões externas, podemos voltar a ter turbulências significativas.

O governo Lula já está no terceiro ano de gestão. Qual é a sua avaliação da política econômica adotada, incluindo erros e onde acertou?
O principal erro foi ter adotado uma concepção de crescimento econômico que é equivocada. O governo acredita que crescimento econômico é feito através de estímulo ao consumo dado pelo próprio governo. A ideia é que o governo tem de colocar o dinheiro no bolso das pessoas para elas gastarem, e isso faz a economia crescer. Quem conhece um pouco de economia sabe que crescimento econômico consistente vem de aumento de investimento e, sobretudo, de aumento de produtividade – e não de estímulos governamentais.

"Crescimento econômico consistente vem de aumento de investimento e, sobretudo, de aumento de produtividade – e não de estímulos governamentais"

E faltam investimentos.
O aumento de investimento, por sua vez, não vem de estímulo do governo ao investimento privado, como o governo muitas vezes tentou fazer. Vem de segurança jurídica, de oportunidades de negócios, de abertura econômica, da expectativa de se ganhar dinheiro com a atividade produtiva.

Qual é o efeito dessa concepção errada do governo?
Como o governo tem uma percepção de que sempre vai fazer a economia crescer fazendo uma despesa a mais, acaba criando mais programas e casando isso com a sua conveniência eleitoral. Isso é um modelo esgotado, que nos faz vítima da maior taxa de juro real do mundo e de uma dívida pública enorme, que não é consistente. Estamos pagando 7% de juros em títulos de 30 anos. Como vamos pagar 7% de juros anuais ao longo de 30 anos? Isso é impraticável em qualquer país.

Mesmo com um PIB em expansão?
Esse crescimento que tivemos foi muito decorrente desses estímulos fiscais. Isso gera uma conta a ser paga, que vai nos jogar numa crise mais para frente. Esse é o modelo que o Brasil tem seguido nos últimos anos: tem-se algum crescimento e daí a pouco o País desaba numa recessão porque o crescimento foi inconsistente, estimulado pelo governo, feito à base de gasto público.

Onde o governo acertou?
É preciso elogiar, embora não tenha acompanhado de perto, a política de infraestrutura, de leilões, tocada pelo Ministério de Transportes, na minha opinião uma política cuidadosa. A parte de melhoria de eficiência no mercado de capitais tocado no Ministério da Fazenda também me parece uma coisa bastante razoável. Mas não mais do que isso.

O estímulo à indústria não entra nesse campo?
Preocupa muito a insistência em política industrial, o fechamento da economia, protecionismo, subsídio a empresas, crédito subsidiado, crescimento da carteira do BNDES de crédito subsidiado, exigência de conteúdo local nos investimentos. Tudo isso é uma agenda fracassada que está sendo repetida, ainda que esteja sendo repetida numa dose menor do que no governo Dilma, é suficiente para criar embaraços ao crescimento de longo prazo da economia.

"O arcabouço é inconsistente desde o primeiro dia. Ao mesmo tempo é muito frouxo para controlar a despesa"

O arcabouço fiscal, como âncora para evitar descontrole de gastos, já se esgotou?
O arcabouço é inconsistente desde o primeiro dia. Ao mesmo tempo é muito frouxo para controlar a despesa e não consegue controlar o crescimento da dívida pública. Mesmo sendo frouxo, é pressionado pelo crescimento da despesa porque o governo não para de criar novas obrigações. Foi um tremendo tiro no pé e tem a volta dos aumentos reais do salário-mínimo, a indexação de despesa mínima de saúde e educação à receita. Foram vários incentivos do governo que decretaram a inviabilidade do arcabouço.

Há tempo ou utilidade em fazer alterações nessa regra fiscal para ajudar o governo a evitar descontrole da política econômica?
Acho que não, o Brasil já perdeu a oportunidade de ter uma regra fiscal séria. Tentamos o teto de gastos, que foi destruído. Depois veio o arcabouço e, mesmo frouxo, foi destruído pelo próprio governo, contornado por uma série de manobras fiscais. Vamos gastar mais tempo no Congresso discutindo uma nova regra fiscal que no dia seguinte vai começar a se desobedecida. Já mostramos que a sociedade brasileira não tem maturidade para fazer um acordo social em torno de uma regra fiscal. No dia seguinte, as pessoas já começam a procurar caminhos para burlar a regra. Por outro lado, o tempo de discussão de medidas no Congresso é muito escasso. Seria melhor usar esse tempo de uma forma mais eficiente.

Qual seria a melhor atitude?
Em vez de tentar fazer uma regra de contenção geral de despesa seria melhor já começar a discutir reformas que seriam necessárias. Nunca passamos para essa segunda etapa. Precisamos discutir já a regra do salário-mínimo, vinculação de receitas, extinção de programas e ter uma estratégia clara para fazer isso, para efetivamente trabalhar sobre a despesa obrigatória - e não ficar criando uma regra que, ao fim e ao cabo, vai comprimir despesas discricionárias e vai ser furada por várias manobras criativas.

Há uma expectativa no mercado de crescimento do PIB de 2% este ano. Isso é reflexo mesmo da política econômica do governo, que continua apostando no estímulo à economia, ou você vê algum outro fator influenciando essa previsão?
Parte desse crescimento é o chamado efeito de carrego estatístico do ano passado. Representa uma desaceleração que é uma convergência para o potencial de crescimento da economia brasileira, que está um pouco abaixo de 2%, puxada por aqueles setores da economia que dando um pouco mais certo, como o agronegócio. Mas esse crescimento de 2% está muito longe do que precisamos para tirar as pessoas da pobreza, para deixar de ser um país de renda média.

Ou seja, não é um crescimento sustentável?
Não, sobretudo porque daqui a pouco pode vir uma recessão e levar embora esses anos de crescimento. Não conseguimos ainda criar uma estrutura econômica com concorrência, com abertura, com equilíbrio fiscal, que torne o País efetivamente capaz de atrair investimentos e capaz de desenvolver novos negócios, capaz de ter uma taxa de crescimento acima de 3%, para fazer aproximação em relação à renda per capita dos países mais ricos.

"Não conseguimos ainda criar uma estrutura econômica com concorrência, com abertura, com equilíbrio fiscal"

A relação do governo com o Congresso tem sido bem ruim. A tendência é piorar até o fim do atual mandato?
Precisamos analisar dois fatores. Um deles é estrutural, que é a perda de poder do Executivo em relação ao Legislativo ao longo dos anos. O Executivo perdeu instrumentos muito importantes, como, por exemplo, o enfraquecimento das medidas provisórias, que tinham mais potência no passado. O poder de veto do presidente da República foi diminuído porque o Congresso conseguiu se organizar para derrubar vetos. O governo perdeu controle sobre o Orçamento, com as emendas parlamentares e os aumentos de transferências obrigatórias para estados e municípios. Ao longo do tempo, independentemente de qual governo, temos uma tendência de o Executivo perder poder.

Qual o outro fator?
É o conjuntural, a dificuldade do partido que está agora no governo, o PT, de governar nesse nosso presidencialismo de coalizão. O PT coloca o núcleo de poder todo na mão do próprio partido e distribui para os supostos aliados apenas as franjas do poder. Ou seja, não dá protagonismo aos membros da coalizão. Não é só dar dinheiro, mas dar relatoria de um projeto importante, ouvir e ter participação nas principais discussões. O partido é muito fechado em si mesmo e aí dificulta ainda mais a governabilidade – tanto por esse fator estrutural como por esse fator conjuntural. Soma-se isso a uma queda de popularidade do presidente Lula e a uma perspectiva de alternância de poder, o Congresso sente o cheiro antecipadamente e a vida do govenro fica difícil.

A política tarifária do Donald Trump continua errática. Até aqui causou efeitos relativamente positivos para o País, com a queda do dólar e a possibilidade de ampliar exportações. No médio prazo, o Brasil tem chance de escapar dos principais efeitos negativos desse tarifaço?
Persistir nessa política errática, inconsistente, errada, vai prejudicar todos os países, porque a economia mundial vai crescer menos, com menos oportunidades de negócios para todo mundo. Dito isso, o Brasil pode se sair melhor com algumas brechas, com a exportação de commodities e a possibilidade de importar coisas mais baratas. Mas é difícil imaginar que haja um salto positivo para o Brasil ou para qualquer outro país.

Esse tarifaço do Trump deixa alguma lição?
Um aspecto importante dessa política alucinada do Trump é jogar luz sobre a incorreção da nossa política interna. Porque o que Trump está fazendo é muito parecido com o que nós fizemos ao longo de muitos anos: é botar barreiras tarifárias enormes, querer achar que a gente vai industrializar o País reprimindo o comércio e acreditar que a única forma de ter crescimento econômico é estimulando a indústria de transformação. Todos esses mitos e equívocos que todo mundo está criticando no Trump são cometidos há décadas no Brasil, sob o manto de política nacional que, na verdade, nos jogou na estagnação econômica.