Nos anos 1960, a banda The Velvet Underground foi um marco na música alternativa, abrindo caminho para o glam rock, o punk rock, o indie rock e outros gêneros. A história do rock’n’roll não seria a mesma sem o seu estilo experimental, responsável por mudar a atitude com relação à música.
A importância do grupo liderado por Lou Reed (1942-2013) e produzido por Andy Warhol (1928-1987) fica ainda mais evidente no documentário “The Velvet Underground”. O filme foi apresentado esta semana na 74ª edição do Festival de Cinema de Cannes, que segue até dia 17 de julho, na Riviera Francesa.
“The Velvet Underground inspirou gêneros musicais que não conseguimos imaginar hoje sem que a banda tivesse existido”, disse o californiano Todd Haynes, o diretor do filme. Seu lançamento mundial está previsto para outubro, na plataforma Apple TV.
“O glam rock veio daí, com David Bowie fazendo versões de músicas do The Velvet”, contou o cineasta, referindo-se ao gênero marcado por estilo andrógino e roupas extravagantes dos cantores e músicos.
“Na época, havia uma atração entre as cidades de Londres e Nova York, o que resultou no glam rock”, disse Haynes, lembrando que o padrinho da banda nova-iorquina era Andy Warhol.
O aval do chamado “pai da arte pop”, que se encantou com a música de vanguarda do The Velvet, foi fundamental para fazê-la cruzar fronteiras. Afinal, Warhol já era cultuado pela elite cultural e artística de Nova York, sendo uma referência de pós-modernidade nos EUA e no mundo.
“Depois veio o punk rock, que chegou para desafiar os artifícios do glam, espalhando-se por cidades como Londres, Nova York, Detroit, Cleveland e outras”, afirmou Haynes, em Cannes, durante encontro com a imprensa, do qual o NeoFeed participou.
“E as ramificações não pararam por aí. Outro exemplo foi a new wave, concebida a partir de uma atitude mais irônica e distante em relação ao rock. É difícil exagerar quando falamos da influência do The Velvet”, disse o cineasta, de 60 anos.
Haynes descobriu a banda na época da faculdade, ao estudar arte e semiótica na Brown University. Inicialmente, o que ele buscava era conhecer as fontes inspiradoras de seus cantores e grupos preferidos, como David Bowie, Roxy Music e T. Rex, entre outros.
Brian Eno, projetado como músico do Roxy Music, disse certa vez que quase ninguém comprou os discos do The Velvet Underground na época. Mas todos os que compraram acabaram montando uma banda.
Por não fazer concessões comerciais, o grupo não teve mesmo o reconhecimento que merecia por parte do público. Lançado em 1967, o disco “The Velvet Underground and Nico”, com o desenho de uma banana na capa, assinada por Warhol, só vendeu 30 mil cópias.
Mas a crítica especializada até hoje reverencia a inventividade do The Velvet, sempre citado como uma das bandas mais influentes na história do rock. Suas letras também destoavam do que se fazia no período, por descrever a sensação de estar drogado (como em “Heroin”) e por abordar orgias (em “Sister Ray’’), sadomasoquismo (em “Venus in Furs”) e outros temas considerados tabus.
Exibido fora de competição em Cannes, um dos primeiros grandes festivais de cinema presenciais em tempos de Covid-19, “The Velvet Underground” traz imagens raras do grupo. Algumas delas capturadas por Warhol e cedidas pela viúva de Reed, Laurie Anderson, pelo Museu de Arte Moderna e também pela Biblioteca Pública de Nova York.
Esses trechos de performances inéditas dão corpo ao filme, que é pontuado também por entrevistas em áudio e vídeo, incluindo com John Cale, atualmente com 79 anos. A banda ficou mais conhecida pela formação com Reed na voz e na guitarra, com Cale como instrumentalista, Sterling Morrison na guitarra e Moe Tucker na bateria, além da cantora alemã Nico.
O que surpreende no documentário é a ausência dos depoimentos mais tradicionais, falando do que a banda representou ou contando curiosidades, o que sempre dá um ar mais de passado.
“A ideia nunca foi fazer um filme de fofoca sobre sexo, drogas e rock 'n' roll. Seria até divertido se alguém abordasse o The Velvet Underground assim”, contou Haynes.
O que o cineasta priorizou foi recriar com o material de arquivo e com os testemunhos a cena vanguardista de Nova York dos anos 1960. É como se o filme estivesse no presente, dando ao espectador a impressão de que ele acompanha a banda em ação, como em uma viagem no tempo.
“Queríamos realmente abraçar a vida cultural da cidade de Nova York e sua integridade e complexidade artística”, disse o diretor, nos momentos finais do encontro. “E para isso usamos o que tínhamos de imagens de vanguarda, no sentido de visualizar aquele momento histórico na tela.”