PARIS - Em algumas vinícolas francesas, nem mesmo a fama ou o dinheiro garantem acesso. Para ser recebido por um produtor renomado é preciso conhecê-lo bem ou estar acompanhado da pessoa certa. A sommelière capixaba Marina Giuberti é uma das poucas figuras brasileiras que consegue abrir essas portas.

Radicada na França desde 2006, Giuberti passou os últimos 17 anos construindo uma reputação invejável no mundo dos vinhos. Ela é dona da Divvino, uma das 100 melhores lojas de vinho da França pelo ranking francês Le Point de 2021 一 dentre 5.500 lojas 一, mas seu divisor de água foi conquistar o título de única estrangeira mestra cavista do país, em 2021.

Historicamente, as caves francesas são comércios tradicionais onde se compra vinho com a ajuda dos cavistas, responsáveis por garimpar os melhores rótulos junto aos produtores e trazê-los para a mesa dos clientes.

Atualmente, existem 6 mil caves no território francês. Para representá-las, existe um grupo restrito de apenas 23 mestres, dos quais somente três são mulheres, incluindo Giuberti, a primeira não-francesa na função.

“O cavista faz parte do modo de consumir na França, que valoriza muito o comer e beber”, diz Giuberti, ao NeoFeed. "Assim como aqui existe o boulanger, fromanger e boucher [padeiro, queijeiro e açougueiro], o trabalho do cavista é educar os clientes e ajudá-los a escolher o que beber. Tenho clientes que me visitam quatro vezes por semana há dez anos.”

Entre eles estão nomes como o príncipe de Luxemburgo Guillaume Jean Joseph Marie, a ex-primeira dama Carla Bruni Sarkozy, a comediante Florence Foresti e o ator Jamel Debbouze. Os que viajam do Brasil para serem guiados por Giuberti são principalmente empresários, executivos e C-level que têm o vinho como hobby e querem se especializar.

A sommelière também faz sucesso entre celebridades. Os humoristas Fábio Porchat e Ceará e a modelo Mirella Santos fazem parte da lista de clientes recentes. “Outros famosos já solicitaram visitas, mas precisamos de uma certa antecedência para atendê-los. Na França, mesmo pagando e sendo famoso, não quer dizer que conseguimos visitar qualquer produtor de última hora”, conta Giuberti.

A Divvino foi eleita uma das 100 melhores lojas de vinho da França entre 5,5 mil candidatas

Devido ao grande número de clientes brasileiros que passaram a pedir que Giuberti “abrisse as portas” de algumas vinícolas francesas “difíceis”, ela realizará em outubro a primeira wine trip oficial da Divvino. “Eu já levo brasileiros para conhecer produtores há mais de dez anos, mas até agora trabalhava com pequenos grupos que faziam pedidos individuais”, diz a mestre cavista. “A partir de agora, nós também vamos vender wine trips com roteiros e datas fechadas para grupos maiores.”

Por ora, as wine trips serão exclusivamente para grupos de brasileiros que poderão ter experiências de um só dia (wineday) ou de até cinco dias. Produtores renomados como Selosse e David Leclapart, em Champanhe; Claire Naudin e Axelle Machard, na Borgonha; e Benjamin Dagueneau, no Loire, fazem parte da lista entre dezenas de vinícolas superexclusivas que vão receber os visitantes.

Como entreter turistas

Diferentemente de outros países europeus, o enoturismo na França ainda é truncado por questões culturais e de infraestrutura. A maioria das vinícolas francesas são pequenas e familiares, portanto não têm estrutura e nem funcionários para atender visitantes. Além disso, os produtores renomados normalmente estão muito mais preocupados com a qualidade da bebida e com o legado da família do que com a parte comercial.

"Os produtores me falam que querem fazer vinho de qualidade, não entreter turistas. O fato de eu ser sommelière há quase duas décadas e de ser proprietária do Divvino ajuda a abrir essas portas, mas ainda assim é desafiador, porque têm produtor que não gosta de receber.”

Com uma bagagem de experiências como gerente de restaurantes do Rio de Janeiro, Giuberti se mudou para a França após concluir um mestrado de Food & Wine no Piemonte, Itália, onde trabalhou nos estrelados Le calandre, do chef Diego Magro, e no Joia, do chef Sauro Ricci.

Em Paris, ela se tornou a primeira brasileira a obter o diploma nacional francês de sommelier e em 2013 fundou a Divvino, loja que se tornou point, em especial entre os brasileiros que visitam a cidade.

Atualmente, Giuberti e seu marido, Emiliano Tenca (economista que deixou o mundo das finanças para embarcar no negócio da esposa), comandam duas lojas no coração de Paris: no bairro de Charonne e no Marais , onde são realizadas degustações e masterclass em uma cave histórica do século XVI.

Marina em uma de suas aulas na cave do Marais, um prédio histórico do século XVI

Com foco em pequenos produtores, vinhos biodinâmicos e naturais, a Divvino possui mais de 1.200 rótulos no portfólio, que vão de € 7,50 a € 5.000. Os produtos também estão disponíveis em um e-commerce que entrega em toda a Europa.

Com seu valioso passe no circuito de vinhos francês, Giuberti acaba de ser convidada para ser um dos dois jurados que escolherá o melhor jovem produtor da Borgonha no GJPV (Groupe des Jounes Prossionnels de la Vigne de Bourgogne) em 2023.

Ao seu lado estará Xavier Thuizat, considerado um dos melhores sommeliers da França. Em edições anteriores da premiação, a crítica britânica Jancis Robinson, responsável pela adega da Família Real Britânica, ocupou a mesma cadeira de jurada.