Nascida em Granada, na Espanha, Eugénie, quando criança, costumava passar os verões em companhia da mãe, a condessa de Montijo, em Biarritz, na costa atlântica do sudoeste francês. As lembranças dos banhos de mar e das brincadeiras nos rochedos nunca lhe abandonaram. Tanto que, já casada com Napoleão III, a então imperatriz convenceu o marido a construir ali, na cidade que tanto amava, a residência de veraneio da corte imperial.

A construção da idílica “Villa Eugénie”, um edifício com o formato da letra “E”, entre 1854 e 1855, aconteceu em apenas dez meses — um recorde para o século 19. Até a morte de Napoleão III, em 1873, ano após ano, o casal sempre passava uma temporada no "palácio pé na areia" da La Grande Plage. Com eles, iam reis, rainhas, príncipes, princesas, políticos, intelectuais... enfim, a elite europeia. E, assim, Biarritz entrou no mapa do turismo de luxo da época; onde permanece até hoje.

Viúva aos 47 anos, Eugénie vendeu a propriedade para o Banco Parisiense e a “villa” foi transformada no lendário Hôtel du Palais. Desde então, o palacete foi parcialmente destruído por um incêndio, renasceu das cinzas ainda mais bonito e, desde o começo do século, continua a atrair o jet-set internacional. Por lá passaram, Coco Chanel, Pablo Picasso, Victor Hugo, Enest Henmigway, Igor Stravinsky e Frank Sinatra, entre outras tantas celebridades.

Pertencente à The Unbound Collection by Hyatt, desde 2018, o Hôtel du Palais ilustra à perfeição a estratégia da rede americana para conquistar os viajantes mais sofisticados: reunir em uma “coleção” os hotéis independentes mais emblemáticos da hotelaria internacional.

Avaliado em US$ 2 trilhões, o mercado de luxo é o nicho da indústria global de turismo que mais cresce. Previsto evoluir a uma taxa anual composta de 10,2%, em 2032, o segmento deve movimentar US$ 3,7 trilhões, informa a consultoria Spherical Insights & Consulting.

O relatório 2023 Global Construction Pipeline Trend Report, da Lodging Econometrics, indica: no segundo trimestre do ano passado, as propriedades de luxo e de alto padrão já somavam o recorde de 47% dos hotéis em construção no planeta. Apenas, os mais chiques são 909 projetos.

As táticas dos principais grupos hoteleiros para se adequar aos novos tempos são variadas. Gerenciando grifes como Waldorf Astoria e Conrad, há mais de duas décadas, o grupo Hilton acaba de fechar parceria com os 400 hotéis boutique da Small Luxury Hotels.

A gigante Marriott, que já opera marcas como Ritz-Carlton e St. Regis, em 2001, se uniu à casa de moda italiana Bulgari, no lançamento dos Bulgari Hotels & Resorts. O mais novo deles foi inaugurado em 2023, na Piazza Augusto Imperatore, em Roma.

Montar uma coleção com pequenas joias da hotelaria, como faz a Hyatt, porém, é inédito. Lançada em 2016, a The Unbound Collection já soma 45 propriedades, em 14 países, totalizando 8,2 mil acomodações.

Outros 28 hotéis estão na pipeline para integrar a coleção, ao longo dos próximos anos. O Brunfels Hotel, na cidade alemã de Mainz, reabre no final de 2024. E, em 2025, é inaugurado o Rhodania, em Crans-Montana, em Valais, nos Alpes suíços.

Há que mudar, mas sem perder a essência

Quando se juntam à coleção da Hyatt, os hotéis constroem ou adaptam seus ativos para atender aos padrões do grupo americano. Para a maioria dos hoteleiros, o grande atrativo das chamadas "soft brands" é a possibilidade de manter a identidade do negócio e, ao mesmo tempo, contar com soluções de franquia, sistemas de distribuição e reservas, programas de recompensas e suporte de marketing.

"As propriedades da The Unbound Collection by Hyatt mantêm toda sua independência e individualidade enquanto podem abraçar destinos e comunidades locais para criar experiências realmente autênticas", diz Katie Johnson, Vice Presidente Global da Hyatt's Independent Collection, em entrevista ao NeoFeed.

Localizado em um vale na zona rural de Pequim, o Commune by the Great Wall tem acesso privado a uma seção da Grande Muralha (Reprodução hyatt.com)

A reforma do lendário Martinez, em Cannes, terminou a tempo para a edição 2024 do Festival de Cinema (Foto: Boby Design Remi Tessier)

O restaurante Palm D'Or, do Hôtel Martinez, está agora sob a liderança do estrelado chef Jean Imbert (Foto: Boby Design Remi Tessier)

De 1909, o Párisi Udvar, em Budapeste, é um dos 45 "colecionáveis" da Hyatt (Foto: Divulgação)

O espanhol La Zambra, na Andaluzia, se destaca por sua arquitetura (Reprodução hyatt.com)

As propriedades da "The Unbound Collection" não são gigantes. O Hôtel du Louvre, em Paris, tem 164 quartos, por exemplo (Reprodução hyatt.com)

Manter a essência de cada hotel, em respeito à sua história e tradições do lugar onde está inserido, é condição sine qua non para avançar hoje no turismo de luxo. O setor não está apenas crescendo, mas também rejuvenescendo. Os viajantes jovens já somam 35% do mercado, segundo dados da consultoria McKinsey.

Para essa turma, com investimentos entre US$ 100 mil e US$ 1 milhão, uma viagem de prestígio não se faz apenas com lençóis de fios egípcios, travesseiros de plumas e serviços de primeira. A sofisticação está também em conhecer e experimentar as comunidades e culturas locais. E, as empresas que oferecem esse tipo de vivência constroem lealdade a longo prazo, desde a base.

Nem gigantes, nem carésimos

Nenhum hotel da The Unbound Collection é gigante. Ao contrário. A maioria tem entre 125 e 250 acomodações. O discreto Hôtel du Louvre, no coração de Paris, por exemplo, tem 164 quartos. E, como o Hôtel du Palais, muita história. Também encomendado por Napoleão III, agora para a Exposição Universal de 1855, o lugar já serviu de ponto de encontro para escritores do século 19, como Victor Hugo, Emile Zola e Julio Verne.

Tampouco os valores iniciais por um quarto são proibitivos: a diária média fica em torno de US$ 260 — mas as tarifas podem, obviamente, em alguns casos, ultrapassar os mil dólares.

Fazem parte ainda The Unbound Collection outros hotéis considerados one-of-kind, como o belo Párisi Udvar, erguido em 1909, no centro de Budapeste; o espetacular Commune by the Great Wall, localizado em um vale na zona rural de Pequim e com acesso privado a uma seção da Grande Muralha; e a joia da arquitetura espanhola La Zambra, em Málaga, na Andaluzia.

Reforma € 150 milhões

E, claro, o mítico Martinez, em Cannes, cuja revitalização foi finalizada recentemente, a tempo do badalado Festival de Cinema, realizado em maio passado. Inaugurado em fevereiro de 1929, o hotel da Côte d’Azur, no sudoeste da França, logo se transformou em ícone da hotelaria de luxo, com seu prédio em estilo art déco e sua fachada em mármore branco e detalhes em dourado.

"Fazer parte da The Unbound Collection by Hyatt nos dá liberdade total para focar no que torna nossa propriedade realmente única e excepcional, ao mesmo tempo em que aproveitamos ao máximo as redes internacionais do grupo", conta Michel Cottray, general manager do Hôtel Martinez, ao NeoFeed.

Por tais facilidades, o hotel paga as "taxas regulares de uma propriedade gerenciada ou franqueada a uma rede, geralmente calculadas em um percentual sobre as receitas, ou também sobre o lucro líquido", completa o executivo.

Com a reforma, o Martinez ganhou novas suítes, um spa e um beach club mais moderno. Nada se compara, porém, às duas penthouses, na cobertura do edifício de sete andares. A um custo estimado de € 150 milhões, somam juntas inacreditáveis 1,25 mil metros quadrados. Com vista para a efervescente Croisette e o Mediterrâneo, foram batizadas em homenagem a duas das figuras mais importantes do festival, a atriz francesa Isabelle Hupert e Thierry Frémeaux, diretor do evento.

O restaurante Palm d’Or também foi reformulado e agora está sob o comando do estrelado chef Jean Imbert, E a casa foi reaberta com o famoso Jantar do Júri, uma tradição do Martinez.

Ao entrar para a The Unbound Collection, o hotel da Riviera Francesa tornou-se mais contemporâneo, sem, no entanto, perder o charme e a elegância que fez da propriedade sinônimo de glamour.

Bom momento

Fundada em 1957, em Chicago, e com valor de mercado em torno de US$ 13,38 bilhões, a Hyatt Hotels Corporation está entre as companhias de hospitalidade com o crescimento mais rápido da atualidade. No segundo trimestre de 2024, o grupo movimentou, em receita bruta, US$ 275 milhões, um recorde para a empresa.

O pipeline geral da rede atingiu 130 mil quartos, o equivalente a um aumento de 9% em relação ao mesmo período de 2023. O programa de fidelidade da empresa registrou um incremento de 21% no número de novos integrantes, totalizando 48 milhões de inscritos.

A adição de novas propriedades à The Unbound Collection by Hyatt nos próximos anos deve proporcionar novas oportunidades para o grupo e ajudá-lo a entrar em mercados ainda não desbravados.

Apesar de bastante conhecida pelos americanos, a Hyatt ainda caminha no reconhecimento de marca entre latinos e asiáticos, considerados força motriz no avanço do turismo de luxo. A coleção de hotéis especiais, espalhada planeta afora, pode (e deve) mudar essa percepção.