Veneza — O olhar de admiração da amiga de longa data, a cineasta Sofia Coppola, é perceptível em cada fotograma. Mas isso não impede o espectador de enxergar por si mesmo a força criativa de Marc Jacobs, tema do documentário Marc By Sofia.
Projetado fora de competição nesta 82ª edição do Festival Internacional de Cinema de Veneza, a ser encerrada nesta sábado, 6 de setembro, o filme acompanha o dia a dia no ateliê do estilista nova-iorquino. Mais precisamente, nos meses que antecederam o desfile ready-to-wear da primavera de 2024.
Não se trata de uma abordagem cinematográfica original, já que outros documentários de moda já recorreram ao mesmo frisson — o de criar mais uma coleção com a identidade de uma grife. A ideia, porém, quase sempre funciona, sobretudo quando a intenção é acompanhar as etapas de criação e de produção, abrindo uma janela para a mente do estilista.
Por uma hora e meia, a câmera de Sofia segue os passos de Jacobs, que marcou o mundo da moda sobretudo com a sua rebeldia. É só lembrar a revolucionária Grunge Collection, que ele idealizou para a Perry Ellis, em 1993, quando era o vice-presidente da marca.
Mesmo tendo sido um fracasso comercial na época, este foi o primeiro trabalho no sentido de fundir a estética das ruas com a alta costura, trazendo camisas de flanela, gorros e estampas coloridas às passarelas. Ao vencer o tabu, esse foi o início do streetwear, estilo que nunca mais desapareceu.
“Muitos pensam que eu fui demitido depois dessa coleção”, conta Jacobs, em um dos melhores momentos do documentário. Sim, pela primeira vez ele desmente ter sido despedido, um dado até então sempre presente em suas biografias. “Não foi bem assim, mas eu deixei que pensassem isso por ser uma boa história”, comenta o designer de 62 anos, rindo.
E há muito ainda daquela ousadia e irreverência nas suas últimas criações. Durante a preparação para o desfile que Sofia registra aqui, Jacobs introduz o conceito de “Barbie morta”, quando discute a coleção com sua equipe.
Inspirada em casas de bonecas, todo o universo criado remete, por um lado, ao encantamento infantil diante de um brinquedo. Montado com mesa e cadeiras gigantes, o cenário até brinca com as proporções, para dar a impressão de bonecas circulando por uma casa de verdade.
E a ideia de boneca “morta” acentua o tom de provocação, característica de praticamente tudo o que Jacobs faz na carreira de mais de quatro décadas. O designer chegou a orientar suas modelos a desfilar com os braços caídos, como se elas fossem realmente bonecas.
O documentário cobre desde as primeiras reuniões até o desfile em si, na New York Fashion Week, incluindo o nervosismo de Jacobs nos bastidores. “É muito trabalho para algo que será visto uma única vez”, diz o estilista para a câmera de Sofia, como quem só admitiria isso mesmo para uma amiga.
“Eu tentei não atrapalhar, evitando me intrometer no processo. Como eles já tinham muitas câmeras para registrar tudo, nós pudemos colocar a nossa ao lado, sendo o mais invisível possível”, contou a cineasta, de 54 anos, ao promover o documentário no Festival de Veneza, que teve cobertura do NeoFeed.
Sofia e Jacobs se conheceram no início dos anos 1990, justamente quando o estilista preparava a coleção grunge para a Perry Ellis. “Pedi para minha mãe me levar ao seu estúdio. E nos demos bem de cara. Por sermos pessoas criativas, nós falamos a mesma língua. Gostamos de arte e música”, lembrou ela.
A amizade inclui algumas colaborações profissionais. Sofia dirigiu vídeos de campanhas para Jacobs, além de ter sido a garota-propaganda de sua fragrância, em 2002. A cineasta e o pai, Francis Ford Coppola, ainda fizeram juntos, em 2008, a campanha Core Values, da Louis Vuitton — onde Jacobs foi diretor criativo de 1997 a 2014. A pedido do amigo, a diretora ainda assinou uma edição limitada de bolsas, também para a marca francesa, em 2009.
“Scarlett [Johansson] usou várias jaquetas minhas”, contou Jacobs, que promoveu o documentário ao lado de Sofia no balneário do Lido de Veneza, onde é realizado o festival.
Ele se referia ao figurino da atriz em Encontros e Desencontros, de 2003, no papel da jovem esposa sem saber o que fazer em Tóquio na ausência do marido. “Também estive no set de Maria Antonieta [2006],” recordou Jacobs, que ajudou a amiga a dar modernidade ao guarda-roupa da rainha francesa, embora não assine o figurino geral da cinebiografia.
“O documentário é um perfil do meu amigo. Busquei o pessoal, mas sem ser intrusiva”, afirmou Sofia, que passou longe dos assuntos mais polêmicos da vida de Jacobs. Como o abuso de álcool e drogas.
“Sabia que isso não seria uma entrevista com Barbara Walters, que me faria engasgar com alguma controvérsia”, brincou o estilista, referindo-se à personalidade de TV. “Mas se algum assunto desses tivesse sido levantado, eu teria sido honesto, como sempre fui.”