Uma das cenas do filme “Tetris” ajuda a entender por que o videogame russo se tornou um dos mais populares do mundo. São mais de meio bilhão de cópias vendidas do jogo com mecânica extremamente simples: blocos de diferentes formatos descem do alto da tela, com o objetivo de serem encaixados e empilhados, criando uma linha horizontal.

“Você já viu o nosso apartamento tão silencioso antes?”, pergunta o holandês Henk Rogers, um designer de videogame, à esposa na cena. Naquele momento, ela se dá conta de que os filhos barulhentos do casal estão na sala, completamente hipnotizados pelo jogo de quebra-cabeça, um dos primeiros a ser associado a uma atividade viciante.

Isso explica por que Rogers brigou tanto para conseguir garantir os direitos de distribuição de Tetris para console de videogame, formato em que o jogo se tornou uma febre. Esse é o recorte escolhido pelo longa-metragem que chegou sexta-feira, 31 de março, à plataforma de streaming da Apple TV+, para resgatar a trajetória de sucesso do clássico lançado em 1984, na antiga União Soviética.

Baseada em fatos verídicos, a trama tem início em 1988, quando Henk Rogers (interpretado por Taron Egerton) participa da demonstração de Tetris em convenção em Las Vegas, a Consumer Electronics Show. Fundador da Bullet-Proof Software, o designer logo percebe o potencial do game Tetris para ser um dos mais jogados do globo.

“Foi a coisa mais linda que já vi. Eu joguei por cinco minutos e ainda vejo nos meus sonhos os blocos caindo. É o jogo perfeito”, conta Rogers, no filme, ao tentar convencer seus parceiros de que o jogo criado pelo engenheiro de software soviético Alexey Pajitnov tinha futuro.

Quase 40 anos depois de seu lançamento, o Tetris ainda é cultuado por jogadores de diferentes idades e culturas. O número oficial de cópias vendidas, divulgado pela The Tetris Company, é de 520 milhões de unidades ao redor do globo – incluindo vários formatos de jogos e parceiros como a Nintendo e a Sega.

Rogers, interpretado por Taron Egerton com o inventor Pajitnov, vivido por Nikita Efremov
Rogers, interpretado por Taron Egerton com o inventor Pajitnov, vivido por Nikita Efremov

Por estar disponível em mais de 70 plataformas de games, o Tetris está listado no Guinness, o livro dos recordes, como o mais adaptado do mundo. Isso inclui consoles de game, jogos para computador doméstico, aplicativos para download em smartphones e tablets e até o sistema de entretenimento a bordo.

O Tetra e o tênis

Inspirado no jogo de tabuleiro de quebra-cabeça favorito de Pajitnov, o game permite que seus jogadores organizem as peças em tempo real, conforme elas vão caindo. O nome Tetris é uma combinação das palavras “tetra” (palavra grega que significa “quatro”, pelos blocos serem formados por quatro quadradinhos idênticos) e “tênis” (o esporte favorito do russo).

Segundo pesquisas conduzidas por várias universidades, inclusive o setor de psiquiatria de Harvard, nos EUA, o cérebro de quem joga muito Tetris tende a continuar vendo o mundo com as sequências de blocos do game. Ou seja, mesmo depois de encerrar a partida, ele enxerga os blocos de tijolos por toda parte. Esse é o chamado efeito Tetris.

Essa percepção irreal é conhecida cientificamente como Game Transfer Phenomena (Fenômeno de Transferência de Jogo, na tradução). Há até estudos sugerindo que o simples jogo de empilhar tijolos coloridos ajude a melhorar as capacidades cognitivas, tornando o cérebro mais eficiente.

A “dependência” seria explicada pelo estímulo que a mente recebe com Tetris – diferentemente de outros jogos, sobretudo aqueles em que o objetivo é matar os inimigos. O cérebro interpretaria a proposta de encaixar as peças como uma nova tarefa, dando uma sensação de missão cumprida a cada linha completada.

Mas foi um longo percurso até Tetris se tornar um fenômeno mundial, exigindo que muitas barreiras fossem vencidas. Como mostra o filme dirigido por Jon S. Baird e roteirizado por Noah Pink, o game nasceu ainda durante a Guerra Fria, o que confere à produção um tom de thriller de espionagem.

Assim que Rogers tem acesso ao primeiro protótipo do Game Boy, da Nintendo, ele fica desesperado para se associar à empresa de jogos eletrônicos japonesa. E para assegurar que o Tetris fosse empacotado no game portátil, ele precisa viajar à União Soviética, em busca dos direitos, em época em que o território abominava o capitalismo.

Depois de muitos tropeços pelo caminho, até o governo soviético finalmente abraçar a ideia, Rogers consegue unir forças com o inventor Pajitnov (vivido por Nikita Efremov), para colocar o videogame no cenário global. E até lá não falta aventura envolvendo agentes do serviço secreto soviéticos, ameaças de morte e perseguições automobilísticas.

Embora tanto Henk Rogers quanto Alexy Pajitnov tenham participado do projeto como consultores, para garantir a autenticidade dos elementos relacionados ao jogo em si, “Tetris” é uma produção de Hollywood.

E isso significa dizer que muitos aspectos foram exagerados para dar mais dramaticidade à trama. Principalmente quanto às peripécias de Rogers, considerado um “inimigo” em solo soviético. Para levar o Tetris ao mundo, o herói age aqui quase como se fosse um aprendiz de James Bond.