CASA BRANCA (Portugal) - Atravessar a portaria da centenária Herdade do Mouchão, em Casa Branca, no Alto Alentejo, é uma pequena viagem no tempo. Numa época em que a maior parte das vinícolas se transforma para pegar o último trem para a modernidade, a Mouchão aposta na tradição.

A adega, construída em 1901, permanece igual, como uma casa alentejana típica, de paredes caiadas e portas vermelhas. Nas mãos da mesma família há 140 anos, busca agora um sucessor para manter uma marca que é um dos três ícones da viticultura portuguesa, ao lado do Barca Velha, produzido pela Casa Ferreirinha, no Douro, e do Pêra Manca, da Cartuxa, também alentejano.

“Minha sucessão é um de meus focos principais atualmente e tenho esperança de poder resolver a questão nos próximos anos”, diz em entrevista ao NeoFeed, o proprietário, administrador e enólogo Iain Reynolds Richardson. “Vamos entrar na sétima geração e eu não tenho filhos. Tenho 16 sobrinhos, a maior parte vive em Londres e não se interessa pelo Alentejo, mas aposto em três deles.”

Richardson, aos 61 anos, gostaria que um deles começasse a trabalhar já no próximo ano com o objetivo de assumir a empresa, que conta com cinco irmãos, a mãe e um cunhado na sociedade.

Os Reynolds emigraram da Escócia para o Porto em 1824 e fundaram uma casa para exportar vinho, azeite, lã, mel e cortiça para a Inglaterra.

Depois, mudaram para o Alentejo atraídos pela cortiça, se tornaram produtores e casaram com portuguesas. A Mouchão é hoje um latifúndio, de 900 hectares, com 700 deles para cortiça e 43 de vinhas. Há um plantel de mais de mil ovelhas, um olival e uma produção de 300 a 800 kg de mel por ano.

Quase todas as atividades são 100% orgânicas e a área de floresta é certificada pelo FSC (Forest Stewardship Concil), o selo mais importante em termos internacionais.

A Herdade do Mouchão mantém os mesmos processos centenários na elaboração dos vinhos

O vinho, no fim deste ano, deve também conquistar o selo do Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo, pioneiro em Portugal e que acaba de ser reconhecido, em Londres, como um dos dois programas mais exigentes do mundo.

Apesar do ar antiguinho e das instalações bastante simples, onde, aliás, reside o charme da vinícola, a Mouchão tem uma inovação constante. Ela se concentra no campo, onde as vinhas sofrem a cada ano os efeitos prejudiciais da mudança climática.

Em 2013, Richardson defendeu uma tese na Universidade de Edimburgo, na Escócia, sobre os efeitos do aquecimento global na vitivinicultura alentejana.

Richardson se baseou num estudo de Gregory Jones da South Oregon University, que apontava o sul de Portugal como a região vitivinícola do mundo mais vulnerável às mudanças climáticas.

De lá para cá ele tem desenvolvido uma vinicultura de “sequeiro”, com menos regas e muita água de uma vez para simular uma grande chuva.

“A água assim entra em grande profundidade e as plantas se tornam mais resilientes. Estamos fazendo o contrário do que em geral se faz, que é regar mais para combater os efeitos da seca. Estamos fazendo coisas fantásticas no sentido da adaptabilidade das castas”, explica.

Herdade do Mouchão tem 900 hectares, sendo 700 para cortiça e 43 para vinhas

Com experiências práticas no campo, ele espera superar os efeitos adversos pelo menos nos próximos anos, mas de forma cautelosa, diz que seus estudos não o fazem avizinhar boas notícias.

“As pessoas não gostam de ouvir coisas negativas, portanto, tenho um certo receio em dizer, mas acho que daqui a 30 ou 50 anos poderá ser difícil produzir vinhos de qualidade no Alentejo em função do calor excessivo. Ainda não chegamos ao ponto de desequilíbrio, mas ele será inevitável”.

Com uma biografia curiosa, Richardson se afirma “totalmente português”, apesar do inconfundível sotaque britânico. “Nasci em Bombaim, na Índia, mas vivi toda a vida no Porto e em Mouchão. Minha casa é em Mouchão.”

A Mouchão, que tem uma produção entre 140 mil e 170 mil garrafas ano, exporta para 35 países e o Brasil é o principal mercado no exterior. Metade do volume produzido fica no mercado interno.

“Poderíamos exportar tudo, mas para nós é muito importante ficar em Portugal”, afirma o proprietário. Há apenas três marcas na vinícola: Mouchão, Ponte e Don Rafael. Os brancos constituem apenas 10% numa produção que tem a tinta alicante bouchet, como casta predominante.

Ligada ao Brasil desde sempre, a Mouchão conserva seus tonéis com a face feita de mogno e macaúba brasileiros. “Adoraria ter uma história romântica para contar sobre isso, mas acho que nos anos 1900 era standard fazer assim, pois só no Brasil se conseguiam madeiras com essa qualidade”.

Os vinhos da Mouchão são importados pela Adega Alentejana há 22 anos. Trazê-los para cá foi uma dificuldade. “Passei vários anos tentando, eles sempre me diziam que a produção era pequena demais”, conta Manuel Chicau, fundador da importadora.

Mouchão Tonel 3-4 (R$ 1.539), Dom Rafael  (R$ 158)e Ponte (R$ 280), importados pela Adega Alentejana

Ele diz que depois que o rótulo Mouchão Tonel 3-4, safra 2011, obteve 97 pontos no guia Robert Parker, a nota mais alta obtida por um vinho do Alentejo até hoje, qualquer safra do Mouchão Tonel 3-4 se esgota em cerca de 60 dias após sua chegada ao Brasil.

O preço atual da garrafa é R$ 1.539. Mas existem outros rótulos mais acessíveis, a partir de R$ 158, caso do Dom Rafael branco. Os azeites custam entre R$ 83 e R$ 110.