A verdadeira missão impossível de Hollywood não é protagonizada por Tom Cruise. Pelo que se ouve nas últimas décadas, nos bastidores da Meca do cinema, irrealizável mesmo seria uma adaptação bem-sucedida de “Duna”, o clássico de ficção científica que Frank Herbert (1920-1986) escreveu em 1965.
Ainda mais se a intenção for fazer uma superprodução, com orçamento superior a US$ 160 milhões, e que dê lucro nas bilheterias. E foi justamente isso que o diretor canadense Dennis Villeneuve se propôs a fazer em 2017, quando começou a se dedicar ao projeto de “Duna”.
Depois de um lançamento adiado por quase um ano devido à pandemia, a produção de sci-fi terá a sua estreia mundial no Festival de Veneza, que será inaugurado na quarta-feira, dia 1º. No Brasil, a releitura de Villeneuve desembarca nos cinemas em 21 de outubro, com distribuição da Warner.
A complexidade da história é o principal fator que dificulta a vida de quem assume a tarefa de adaptar o clássico, que deu origem a uma série de livros. Com mais de 500 páginas, “Duna” é conhecido como a obra de ficção científica mais vendida do mundo, com 20 milhões de cópias.
Ambientada em império intergaláctico em expansão, a trama é pontuada por jogos políticos e intrigas religiosas que discutem o futuro da humanidade. Aspectos ambientais e tecnológicos também entram na reflexão proposta por Herbert.
É difícil até resumir a história em poucas linhas. Com a Terra inabitável, as famílias nobres disputam o domínio dos planetas, como Arrakis. Para sobreviver nesse planeta desértico, é preciso roupas especiais (desenhadas para coletar e reciclar suor, saliva, urina e fezes).
O que leva famílias poderosas, como os Atreides e os Harkonnen, a brigarem por Arrakis é uma espécie de especiaria conhecida por garantir longevidade, superpoderes e ainda expandir a inteligência humana, encontrada apenas nesse planeta. O problema na hora de extrair essa especiaria das dunas são os vermes gigantes que a protegem, devorando quem se atreve a explorar as areias.
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O primeiro que tentou levar a história às telas foi o cineasta Alejandro Jodorowsky, nos anos 70. Mas nenhum estúdio de Los Angeles acabou bancando a empreitada, principalmente pelo custo alto vislumbrado pelo diretor.
Inicialmente, Jodorowsky queria no elenco o artista surrealista Salvador Dalí, a quem pagaria US$ 100 mil por hora de filmagem. E o projeto ainda contaria com outros colaboradores a peso de ouro, como Orson Welles, Alain Delon, Mick Jagger e a banda Pink Floyd.
O documentário “Jodorowsky's Dune”, lançado em 2013 por Frank Pavich, resgata como a ambição demasiada do diretor acabou impedindo que o filme saísse do papel. Com isso, os direitos sobre a obra acabaram revendidos ao produtor Dino de Laurentiis, que contratou o cineasta David Lynch para assinar uma adaptação, em 1984.
Só que o “Duna” de Lynch até hoje é considerado um dos filmes mais confusos e incompreensíveis de Hollywood. Na época do lançamento, a Universal Pictures até mandou entregar na entrada do cinema um folheto com o glossário de “Duna”, para ajudar o público a acompanhar a história.
No final, a obra que consumiu US$ 40 milhões foi um fracasso, não conseguindo sequer recuperar o seu custo nas bilheterias, onde arrecadou apenas US$ 30 milhões. E Lynch acabou renegando o filme, alegando ter perdido o controle sobre o seu trabalho.
Embora ele quisesse um filme de quatro horas, os produtores não aprovaram, exigindo que a obra fosse cortada, chegando a pouco mais de duas horas, o que sacrificou o entendimento. Muito do jargão específico do livro, incluindo planetas e dinastias, ficou descontextualizado nas telas.
Para tentar fazer justiça à obra original, Villeneuve aposta em uma adaptação dividida em duas partes. O “Duna” que chega agora aos cinemas corresponde apenas à primeira metade do livro. A segunda metade só entra no filme seguinte, que já está em pré-produção.
O que o diretor mais conhecido por “A Chegada” (2016) e “Blade Runner 2049” (2017) prometeu fazer foi um primeiro filme compreensível e prazeroso até mesmo para quem nunca leu o livro. Para isso, ele recorreu ao roteirista Eric Roth, com experiência em títulos mais comerciais, como “Forrest Gump” (1994) e “Nasce uma Estrela” (2018).
Jon Spaihts, de “Prometheus” (2012) e “Passageiros” (2016), também contribuiu com a história, sobretudo com os elementos de ficção científica, sua especialidade. Encabeçando o elenco aqui está o ator Timothée Chalamet, no papel de Paul Atreides. Além de ser o herdeiro de uma das famílias que luta pelo domínio de Arrakis, ele se lançará como um messias para o povo sofrido do planeta arenoso.
Ainda que Paul Atreides também tenha sido o protagonista no filme de Lynch (vivido pelo ator Kyle MacLachlan), aqui o personagem parece assumir a missão de realmente guiar o público pelo universo saído da imaginação de Herbert, o que soa como uma boa estratégia.
Resta saber se, ao apostar no olhar do jovem herói, para apresentar ao espectador os principais conflitos, dilemas e mistérios desse mundo, Villeneuve conseguirá fazer o que promete: a tal adaptação definitiva de “Duna”.