A primeira mostra individual na Europa, em Amsterdã. Na sequência, a responsabilidade de representar o Brasil na Bienal de Veneza, seguida do lançamento de um livro sobre a instalação realizada no evento. Depois, a inauguração de obras no Instituto Inhotim, em Brumadinho (MG), e a abertura de uma panorâmica na Estação Pinacoteca, ainda em cartaz em São Paulo. Pode-se dizer que o ano que se encerra foi generoso com o artista alagoano Jonathas de Andrade.

Aos 40 anos, ele já consta de acervos de colecionadores do porte de José Olympio Pereira, presidente da Fundação Bienal, e começará 2023, com uma exposição agendada para janeiro no MAAT (Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia), de Lisboa.

Realizada entre janeiro e maio, a exibição Staging Resistance, no Foam, museu de fotografia em Amsterdã, reuniu produções nas quais o artista envolveu personagens como trabalhadores de canaviais, indígenas caiapós, uma comunidade de surdos-mudos em Várzea Queimada (PI) e um grupo de mulheres de Tejucupapo, no interior de Pernambuco, que até hoje encena publicamente um episódio de resistência contra a invasão holandesa no vilarejo em 1646.

Jonathas levou aos conquistadores europeus de outros tempos – que comissionaram a obra – os ecos da frustrada tentativa de colonização de quase 400 anos atrás. “Ele investiga como a fotografia pode ser uma ferramenta de ativismo lúdico e catalisador de mudança social por meio de projetos colaborativos, geralmente com comunidades excluídas econômica e socialmente”, explica, em um vídeo sobre a mostra, a curadora Hinde Haest, que enxerga neste método um uso inovador e radical da fotografia.

O artista cultiva um relacionamento duradouro com a câmera. Atuou como fotógrafo durante a graduação em publicidade na Universidade Federal de Pernambuco, concluída com o embrião de sua primeira obra: Amor e Felicidade no Casamento (2008), uma montagem de páginas da série de livros homônima, de 1960, que tratava de aconselhamento conjugal, com um ensaio fotográfico fictício da vida doméstica de um casal.

Batalha de Tejucupapo (2020) apresentada em Amsterdã

“Gosto de pensar a fotografia como instrumento, ponto de partida. É uma espécie de âncora. Não sou fotógrafo de formação e isso me dá liberdade para experimentar outros suportes, como papelão, madeira, serigrafia”, explica o artista ao NeoFeed.

Entre abril e novembro, Jonathas esteve em cartaz na 59ª Bienal de Veneza, povoando o pavilhão brasileiro com interpretações de expressões idiomáticas populares da língua portuguesa baseadas em partes do corpo.

A principal delas, Com o Coração Saindo Pela Boca (2022), é uma escultura inflável do órgão que, a cada tanto, era expelida por uma grande boca instalada no teto, a ponto e expulsar os visitantes da sala.

“Ela tenta traduzir uma frase que pode significar tanto um sentimento de angústia quanto uma absoluta emoção. Qual deles vamos escolher?”, provoca o autor. “Entrar por um ouvido e sair pelo outro”, “faca no dente”, “olho do furacão” e “orelha queimando” também constam das 250 criações do conjunto, que tem forte apelo pop e deu origem ao livro Com o coração saindo pela Boca (Ed. Silvana Editoriare), organizado pelo curador da mostra, Jacopo Crivelli Visconti.

A expressão "com a cabeça a mil" não entrou, mas é como o artista se sente agora, após esses e outros passos importantes dados em 2022, como a mudança da Galeria Vermelho, com a qual ele esteve desde 2010, para a Nara Roesler, “mais sintonizada com o momento de projeção internacional e investimento em meu trabalho, para que ele ganhe escala”, nas palavras de Jonathas.

Fração da série "Achados e Perdidos": obra avaliada em US$180 mil

Trata-se de um desafio de tanto para um portfólio que, em sua maioria, é composto de intrincadas narrativas visuais e instalações – as maiores, como Eu, Mestiço (2017) e Achados e Perdidos (2020-2022) valem US$ 200 mil e US$180 mil, respectivamente.

Uma série desta última, montada com torsos cerâmicos moldados por artesãos de Tracunhaém (PE) e vestidos com sungas coletadas ao longo de dez anos em clubes e saunas foi vendida na feira Art Basel Miami, que ocorreu no início do mês. “Esta obra ilustra muito bem o componente lúdico e sensual da abordagem de Jonathas”, observa Ana Maria Maia, curadora-chefe da Pinacoteca de São Paulo, em entrevista ao NeoFeed.

Até 28 de fevereiro de 2023, a instituição paulista exibe, na Pina Estação, a panorâmica "O Rebote do Bote", que reúne 25 das 40 obras catalogadas do artista. “O Jonathas está ocupando este espaço prematuramente. Geralmente, o dedicamos a artistas com pelo menos 30 anos de trajetória. O trabalho dele, muito cedo, já alcançou uma maturidade temática, política e de linguagem, com muitas camadas, que conseguem apresentar discursos, contradiscursos e ambiguidades da identidade brasileira de forma muito própria”, analisa Ana Maria.

Tal amadurecimento ocorre também na dimensão econômica de uma arte, que, na maioria das vezes, envolve a colaboração, espontânea ou dirigida, de terceiros, como os personagens citados no início da reportagem.

Parte da instalação "Eu, Mestiço" (2017): obra avaliada em US$ 200 mil

“No começo, quando eu ainda estava me inserindo, oferecia fees simbólicos. Com o tempo, entendi que essas trocas precisavam ser mais bem cuidadas, tanto do ponto de vista da remuneração quando do retorno para as pessoas, da devolutiva. E cada projeto ganhou uma lógica própria nesse sentido”, revela Jonathas.

Um exemplo? Nas 42 pinturas da série Fome de Resistência (2019-2020), na qual ele convidou mulheres indígenas caiapó da aldeia Pukany, no Pará, para intervir com grafismos sobre mapas que demarcam o território, a fórmula encontrada divide o valor de venda dos quadros em três partes iguais entre o artista, a galeria e as indígenas envolvidas.

“Tento não fazer marketing em cima disso, mas é um dado importante sim, e falo abertamente, pois essa divisão é uma radicalidade”, afirma. A conferir o que ele está aprontando para a exibição de janeiro no MAAT, em Lisboa, na qual promete mostrar algo inédito. Os portugueses devem estar com as orelhas queimando.