PARIS — Aos 92 anos, a colombiana Olga de Amaral chegou lá. Depois de quase uma vida, ela foi admitida no Olimpo dos artistas. Sua primeira retrospectiva na Europa, recém-inaugurada na Fundação Cartier para a Arte Contemporânea, em Paris, ocupa os primeiros lugares na lista das melhores exposições em cartaz na capital francesa.

Olga faz arte têxtil e a mostra é um misto de fios e tramas, de muitas cores e texturas. As obras tridimensionais, leves e etéreas, ganham luz no prédio envidraçado da fundação. Projetado pelo francês Jean Nouvel, ganhador do Pritzker, o maior prêmio internacional de arquitetura, o espaço parece feito sob medida para receber os trabalhos que se projetam do teto ao chão, se destacam da parede e que mudam de tonalidade conforme o movimento.

A travessia do Atlântico era uma viagem longa e cansativa demais para a artista acompanhar a montagem da exposição, em cartaz até 16 de março de 2025. Mas, a ideia da mostra surgiu em 2018, quando a Fundação Cartier apresentou pela primeira vez algumas obras da artista, na coletiva intitulada Geometrias do Sul.

O projeto explorava os padrões geométricos nas artes latino-americanas, do México à Terra do Fogo, das civilizações pré-colombianas aos dias de hoje. Foi aí que a força e magnitude do trabalho de Olga conquistaram o público e a crítica — e a fundação decidiu fazer uma mostra individual.

Em entrevista ao NeoFeed, a curadora da exposição Marie Perennès diz que, na década de 1970, Olga rompeu completamente com o que então se chamava de “arte da tapeçaria” para trazer o meio têxtil para dentro das artes contemporâneas.

“Com todo um grupo de artistas representantes do movimento fiber art, como era denominado, ela permitiu que os têxteis se libertassem da parede e se tornassem um elemento artístico autônomo, uma verdadeira escultura que estrutura espaços expositivos. Os têxteis deixaram de ser elementos decorativos, passaram a participar verdadeiramente na arquitetura e entraram na história das artes contemporâneas”, conta Marie.

Olga é a única representante desse movimento na América Latina, afirma a curadora. As obras expostas na Fundação Cartier mesclam vários materiais: linho, algodão, crina de cavalo, gesso, folha de ouro e paládio, um metal branco prateado, que contrasta com suas obras douradas.

Para chegar aos painéis multidimensionais, ela tece, dá nós, trança e entrelaça fios. Atualmente a artista é representada pela Lisson Gallery, galeria de arte contemporânea com sedes em Londres e Nova York, que não revela o preço dos trabalhos da colombiana.

Inéditos fora da Colômbia

Olga se formou em arquitetura na Colômbia e estudou na Cranbrook Academy, em Michigan, nos Estados Unidos, instituição ligada à escola Bauhaus alemã que teve como professores grandes nomes do design modernista internacional. Foi ali, na oficina de tecelagem, que ela descobriu a arte têxtil com Marianne Strengell (1909-1998), uma artista e designer finlandesa-americana.

"Cada pequeno elemento que compõe a superfície não é apenas significativo em si mesmo, mas ressoa com o todo, assim como o todo ressoa profundamente com cada um dos elementos que o compõem", diz Olga, na apresentação da exposição (Foto: Diego Amarra, em 2005)

Na primeira sala há pedras de ardósia espalhadas pelo chão, em um diálogo entre as obras, o interior e o jardim do lado externo, que entra pelas paredes de vidro da Fundação Cartier (Foto: Marc Domage)

Os trabalhos da artista colombiana são monumentais, leves e etéreos (Foto: Marc Domage)

Com o movimento "fiber at", do qual Olga faz parte, a arte têxtil deixou ser meramente decorativa para entrar para a história da arte contemporânea (Foto: Marc Domage)

As obras expostas na Fundação Cartier mesclam vários materiais: linho, algodão, crina de cavalo, gesso, folha de ouro e paládio. Na imagem, detalhe de "Décimo X", de 2015 (Foto: Juan Daniel Caro)

No catálogo da exposição há um texto de Olga de Amaral onde ela se apresenta: “Gostaria de familiarizá-los com o trabalho que tenho feito nos últimos 20 anos, porque constitui para mim o período em que mais me sinto realizada nos meus 45 anos de carreira”.

E conclui dizendo que esse processo íntimo de criação e técnica continua a surpreendê-la: “Tenho de pegar essas tiras e entrelaçá-las, repetidas vezes, para fazer peças maiores até conseguir o efeito desejado. Ao construir estas superfícies, crio espaços de meditação, contemplação e reflexão. Cada pequeno elemento que compõe a superfície não é apenas significativo em si mesmo, mas ressoa com o todo, assim como o todo ressoa profundamente com cada um dos elementos que o compõem”.

O resultado é uma exposição que ocupa três salas, com cerca de 80 trabalhos, muitos dos quais nunca foram exibidos fora da Colômbia.

Na primeira sala há pedras de ardósia espalhadas pelo chão para estabelecer um diálogo entre as obras, o interior e o jardim do lado externo, que entra pelas paredes de vidro. As obras são únicas, abstratas e monumentais, difíceis de categorizar: são ao mesmo tempo pinturas, esculturas e instalações.

Longe dos grande centros

A grande pergunta é por que com uma carreira dessa dimensão, Olga ficou tanto tempo quase desconhecida.

Marie responde: “Ela optou por morar toda a vida em Bogotá, embora tenha viajado muito. Mas essa opção a fez permanecer bastante longe dos grandes centros artísticos — Paris, Londres e Nova York ¬— nas décadas de 1970 e 1980”.

Por outro lado, como lembra a curadora, seu trabalho sempre transitou entre sua educação nos Estados Unidos, onde assimilou uma filosofia próxima da Bauhaus, e entre as artes populares e vernaculares do seu país.

“É, sem dúvida, por isso que até cerca de vinte anos atrás o meio têxtil e a obra de Olga de Amaral permaneciam pouco conhecidos e considerados como uma arte artesanal, pouco representada nos museus”, completa Marie. Não mais.