Convenhamos: um toque de vaidade nunca fez mal aos negócios. Na dose certa, ela impulsiona e reforça a liderança — transmite confiança, energia e presença. O orgulho de se ver estampado em uma matéria positiva no destaque de um veículo de negócios inspira equipes, engaja nas redes sociais, conquista clientes e, por que não, provoca uma prazerosa pontinha de ciúmes na concorrência.

O problema começa quando essa vaidade transborda e se transforma em algo mais nocivo: o narcisismo. A linha que separa os dois é tênue, e atravessá-la costuma trazer prejuízos significativos.

Uma pesquisa conduzida pela Universidade Stanford, em 2021, revelou que altos executivos tendem a apresentar traços narcisistas em proporção três vezes maior do que a média da população. O dado não surpreende: no ambiente corporativo, vaidade costuma vir acompanhada de ousadia, autoconfiança e apetite por risco — atributos que, quando bem calibrados, podem beneficiar a organização.

Mas, quando essas características evoluem para um padrão persistente de grandiosidade, necessidade de admiração e ausência de empatia, os impactos são profundos.

Segundo o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, da Associação Americana de Psiquiatria, o narcisismo clínico se manifesta por meio de sinais como sentimento exagerado de importância; crença de que só deve se associar a pessoas igualmente “diferenciadas”; ausência de escuta ativa (com sensação de déjà vu constante ao ouvir a equipe); percepção recorrente de ameaça à própria posição; fantasias de sucesso ilimitado e comportamento arrogante.

Com frequência, esse padrão se desenvolve de forma gradual e sutil, alimentado por afagos ao ego vindos da equipe — muitas vezes como estratégia de aceitação.

Ainda que a adulação o satisfaça, ela não é suficiente para construir uma rede de apoio genuína. Com o tempo, o líder narcisista passa a desconfiar até dos mais leais, projetando nos outros a própria disposição de mudar de lado conforme o interesse.

Essa insegurança camuflada, somada à altivez e à falta de empatia, cria um ambiente corporativo tóxico, marcado por tensão permanente, alta rotatividade, episódios de assédio moral e, em casos extremos, processos trabalhistas. À medida que decisões equivocadas se acumulam, a produtividade despenca e a confiança das equipes — e do Conselho de Administração — se deteriora.

Na prática, quando o narcisismo já está instalado no executivo, raramente ele consegue ter a percepção clara de que já caiu na armadilha. Os sinais podem vir de mudanças no ambiente, de conselheiros próximos ou, por fim, de quebras drásticas, como queda de desempenho ou demissão.

Por exemplo, em meu consultório, ouvi que um determinado CEO começou a centralizar todas as falas e decisões. As reuniões começaram a se tornar monólogos enfadonhos em vez de um espaço de trocas.

Quando alguém se atrevia a propor algo novo, era sumariamente rechaçado ou tinha sua ideia reapresentada como se pertencesse a esse CEO. Visivelmente, os projetos inovadores começaram a ficar engavetados e os outros profissionais se desmotivaram, calando-se.

Um diretor me queixou que seu presidente não ouvia seus questionamentos e contrapontos. Sentia-se frustrado com o rumo negativo que a empresa seguia e sua incapacidade para modificá-lo. Pior ainda, via que esse CEO promovia outros diretores não baseado no mérito, mas como recompensa à bajulação.

No final, a empresa teve prejuízos porque, sem vozes divergentes, decisões estratégicas seguiram sem filtros, erros deixaram de ser corrigidos e a cultura interna passou a girar em torno do medoInsiders e da conveniência.

Por isso, quem ocupa cargos de liderança precisa estar atento aos próprios excessos e provocar um freio de arrumação, reconhecendo os sinais de descontrole. Quando o ego começa a comprometer relações e resultados, é hora de buscar ajuda profissional.

Como dizia Richard Feynman, Nobel de Física, “a pessoa mais fácil de enganar é a nós mesmos”.

A psicoterapia, nesse contexto, funciona como um espelho honesto — capaz de revelar o que o ego insiste em esconder.

Domar os aspectos mais perigosos da própria personalidade é um processo que começa com a consciência de que o controle está escapando. E essa consciência, por mais desconfortável que seja, pode ser o primeiro passo para salvar não apenas uma carreira, mas toda uma cultura organizacional.

Marcello Finardi Peixoto é médico psiquiatra e mestre pela Universidade Federal de São Paulo