BERLIM — No ano de um reconhecimento histórico para o Brasil no Oscar, com a indicação de Ainda Estou Aqui como melhor filme, o programa Cinema do Brasil chega à sua 20ª participação consecutiva no European Film Market (EFM). Ações de bastidores, criadas para fortalecer a imagem do país nos maiores mercados de filmes do mundo, contribuíram, ao longo dos anos, para o atual momento de celebração na indústria de cinema nacional.
“Nossas duas décadas de trabalho promovendo o cinema brasileiro no exterior estão surtindo efeito, principalmente porque temos bons cineastas, bons produtores e bons filmes. Uma coisa se soma à outra’’, diz André Sturm, criador e presidente do Cinema do Brasil — um programa de internacionalização do cinema nacional, estabelecido em 2006, pelo Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo (SIAESP), em parceria com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil).
Sua missão é apoiar a venda e a distribuição de filmes brasileiros em territórios estrangeiros, incentivar as coproduções e desenvolver estratégias competitivas para melhor posicionar o país na cena mundial. Nos mercados de filmes, como o EFM, realizado paralelamente ao 75º Festival de Berlim, o programa representa mais de cem empresas associadas, facilitando as oportunidades de negócios para os participantes (geralmente produtoras e distribuidores de filmes).
“O Brasil vem em um crescendo’’, afirma Sturm, para explicar o resultado surpreendente alcançado pelo cinema do país. Além da indicação de melhor filme, a primeira de uma obra falada inteiramente em português na principal categoria do prêmio da Academia de Hollywood, Ainda Estou Aqui também concorrerá ao Oscar de melhor produção internacional e ao troféu de melhor atriz, com Fernanda Torres.
A trajetória de sucesso teve início com a seleção do título de Walter Salles para o Festival de Veneza, em setembro de 2024, quando a história de Eunice Paiva, que não abaixa a cabeça para a ditadura militar, foi premiada como o melhor roteiro e ainda caiu nas graças da crítica internacional.
Principalmente para os filmes não falados em inglês, a chance de gerar interesse mundial começa nos festivais de cinema — que, de preferência, culmine com uma indicação ao Oscar, considerado o prêmio máximo.
E o Cinema do Brasil marca presença justamente nos braços de negócios desses eventos, com destaque para as feiras de Cannes, de Berlim, de Locarno e de San Sebastián.
“Com o cinema brasileiro se tornando conhecido, nossos produtores e artistas ganham visibilidade e todos os agentes desse mercado passam a enxergar o audiovisual do país como relevante’’, defende Sturm, ao NeoFeed, em Berlim, onde o EFM segue até o dia 19.
No EFM de 2024, por exemplo, o Cinema do Brasil registrou US$ 10 milhões em negócios gerados imediatamente após as iniciativas na Alemanha — e uma expectativa de atingir US$ 48 milhões, em um ano.
Desde sua criação, o Cinema do Brasil impactou o mercado ajudando a movimentar US$ 97 milhões — ou US$ 407 milhões, com a projeção de resultados alcançados até um ano depois das ações promocionais.
Mais de 50 empresas associadas integram a delegação brasileira no atual EFM — em 2024, foram 38 participantes. Uma delas é a Vitrine Filmes, distribuidora de O Último Azul, filme com o qual Gabriel Mascaro concorre agora ao Urso de Ouro — depois de apresentar Divine Love, em 2029, na mostra brasileira Panorama.
Também está presente na delegação a Biônica Filmes, a produtora por trás de A Melhor Mãe do Mundo, de Anna Muylaert, selecionado para o Berlinale Special, marcando o retorno da diretora ao evento alemão, depois de Que Horas Ela Volta?, projetado na Panorama em 2015.
As ações de promoção em Berlim incluem, além do tradicional coquetel de networking, vários encontros de coprodução organizados pelo programa com representantes da Alemanha, Colômbia, Uruguai, Polônia, Reino Unido e Itália.
Um painel sobre a internacionalização do audiovisual brasileiro também integrou a programação oficial do EFM, com a participação de Sturm; de Marilia Marton, secretária de Cultura, Economia Criativa e Indústrias do Estado de São Paulo, e de Lyara Oliveira, presidente da Spcine, empresa voltada ao desenvolvimento do cinema e do audiovisual da capital paulista.
O encontro marcou a primeira vez em que o programa foi representado, em Berlim, por três instâncias governamentais: federal, estadual e municipal.
“Há muito tempo deixamos de ser um país exótico no cenário cinematográfico mundial’’, comenta o presidente do Cinema do Brasil. No início dos anos 2000, ressalta ele, o país fazia grandes filmes, mas eles não viajavam — exceto Cidade de Deus (2002).
“Títulos como Cazuza: O Tempo Não Para (2004), Olga (2004) ou Lisbela e o Prisioneiro (2003) teriam sido selecionados para grandes festivais se tivessem sido feitos dez anos depois. Mas, naquela época, não tínhamos políticas públicas nem iniciativas dedicadas à internacionalização do nosso cinema”, diz Sturm. “Nossos filmes faziam enorme sucesso no país e ponto.”