O Brasil registrou recentemente um avanço importante para a ampliação do uso medicinal da Cannabis sativa. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária autorizou a Associação Pauloafonsina de Estudos Canábicos (Aspaec) a produzir a flor de cânhamo e a empresa Cannect a comercializá-la.
A grande vantagem da flor é seu tempo de ação. Ao ser inalada por meio de um aparelho parecido com um difusor, ela começa a fazer efeito em apenas 15 segundos — contra os 45 minutos do óleo, a via de administração usada por 73% dos pacientes no País.
Com isso, a flor é ideal para o controle ágil de crises relacionadas a uma série de condições, como epilepsia, pânico, ansiedade, fibromialgia e esclerose múltipla, entre outras. A indicação da flor de cannabis está bem consolidada na Europa. Na Alemanha, por exemplo, a adesão a essa via de administração da planta gira em torno de 90%.
“Esse é mais um passo que damos em direção a uma jornada de cuidados completa com cannabis”, diz Allan Paiotti, cofundador e CEO da Cannect, em entrevista ao NeoFeed.
“A flor endereça uma demanda latente do mercado e, com o acompanhamento e recomendação médica, representa um grande benefício aos pacientes cabíveis”, complementa.
Para se ter ideia da lacuna a ser preenchida, em um ano, prevê o empresário, a flor deve responder por 30% dos negócios da companhia. Fundada em 2021, ela é hoje um dos maiores ecossistemas de cannabis medicinal da América Latina, fazendo a ponte entre pacientes, médicos, instituições de saúde, pesquisadores e fornecedores.
Tanto a Aspaec quanto a Cannect estão sendo muito cuidadosas em relação à produção e comercialização da flor. A cautela se explica. Em 2022, a Anvisa aprovou a importação do produto, mas suspendeu a autorização no ano seguinte, depois de constatar que parte das flores vindas de fora estava sendo usada para fins recreativos.
A partir daquele momento, os pacientes em tratamento inalatório ficaram desamparados. Muitos, inclusive, recorreram ao mercado ilegal para conseguir o produto — além do risco legal, nessas condições, é impossível atestar a qualidade do produto.
A parceria entre a associação e a empresa começou a ser estruturada cerca de quatro meses atrás. Na prática, a Aspaec vai se plugar à Cannect e os associados serão os únicos autorizados a comprar a flor, explica Paiotti. Mesmo assim, o candidato ao tratamento terá de passar pela avaliação de um dos 11 mil médicos cadastrados na empresa.
Após cumprir esse trâmite, ele poderá adquirir a flor em pacotes de 5 gramas, R$ 359, ou de 10 gramas, a R$ 500. Essas quantidades correspondem a 15 e 30 dias de tratamento, respectivamente. Desde sua fundação, a Cannect já atendeu mais de 100 mil pessoas.

Neste primeiro momento, o novo produto não será disponibilizado no marketplace da companhia. O CEO quer evitar qualquer turbulência no mercado, o que poderia acontecer, segundo ele, com o acesso amplo, apesar de todas as medidas de proteção.
“Nós estamos distribuindo um catálogo exclusivo para os nossos médicos credenciados mais antigos, que sabem bem lidar com a Cannabis e com as flores”, diz Paiotti. “Queremos que esse processo aconteça de forma calma e organizada.”
A flor é o único produto de cannabis a ser comercializado no Brasil in natura. Assim como todas as outras versões da planta comercializadas pela empresa, ela também passa por um processo de análise de qualidade, o que inclui a avaliação dos níveis de THC, o composto responsável pelas alterações de percepção — a popular “viagem”. No Brasil, para a maioria dos casos, o limite da substância é de 0,2%.
Os 2,18 mil produtos canábicos disponíveis no país hoje são apresentados, além do óleo e agora da flor, em cápsulas e gomas — a maioria importada. A maior diversidade de apresentação dos medicamentos e os avanços no campo regulatório ajudam a impulsionar o mercado. Avaliado em R$ 853 milhões no ano passado, o setor está projetado para atingir R$ 1 bilhão até o fim de 2025.
Em 2024, o número de pacientes cresceu 56%, atingindo 672 mil pessoas, segundo o Anuário da Kaya Mind, núcleo de pesquisa do setor de cannabis medicinal. E eles buscam alívio, sobretudo, para ansiedade (42%), dor crônica (14%) e insônia (13%).
“Nos últimos anos, o tratamento por meio da Cannabis medicinal tornou-se muito mais acessível ao público geral. Quando começamos, os produtos tinham um frete muito alto, o que dificultava a disseminação das terapias”, lembra Paiotti.
“Com o passar do tempo, o custo reduziu e, com as flores, ele é ainda menor. Isso nos anima e faz acreditar que muitas pessoas conseguirão aproveitar o potencial medicinal da planta nos próximos anos”, complementa.