Velejar, pilotar helicóptero, cavalgar, pescar e andar de moto são hobbies de Aurelio Montes. Aos 73 anos de idade, o enólogo tanto realizado quanto inquieto, garante lucrar mais vendendo 1 milhão de botões de peônias à China, Holanda e Dubai por ano do que exportando 95% da produção de sua Viña Montes.

Há 32 anos, Montes lançava no mercado o Montes Alpha, vinho que alçou a produção chilena a outro patamar. Recentemente concretizou um desejo de infância de entrar para a Marinha. “Hoje sou tenente. O que isso significa? "Que os sonhos devem ser cumpridos. Não é para se sentar sobre eles”, disse ao NeoFeed.

A mesma lógica valeu para entrar no ano passado na Place de Bordeaux, um sistema complexo, formado por negociantes e châteaux, que distribui os vinhos da região de Bordeaux, na França, e, cada vez mais, os melhores vinhos outros países do mundo.

“É muito expressivo que nosso novo vinho super ícone seja vendido exclusivamente por essa plataforma, aumentando o reconhecimento internacional para uma das mais respeitadas vinícolas chilenas”, orgulha-se o fundador, diretor técnico e presidente da Viña Monte.

O tal do super ícone a que se refere Montes é o Muse, um 100% cabernet sauvignon, que é um tributo a todas as mulheres da vida do fundador da Viña Montes "que foram muito solidárias: minha mãe, minha mulher, minhas cinco filhas e minhas dez netas. Traz o meu percurso como enólogo”.

O vinho elegante passa 18 meses em barrica (70% delas jovens). A primeira safra, 2019, teve alta pontuação com críticos, atingindo 98 de 100 pontos. Foi desenhado especialmente para a Place, numa tentativa de não criar intriga com nenhum dos tradicionais importadores e distribuidores da Viña Montes.

Quem vende a grife no Brasil é a inglesa Berkmann Wine Cellars, que não recebeu ainda nenhuma das 6 mil garrafas de Muse que desembarcaram em Bordeaux em outubro passado.

O Muse Montes foi concebido para a Place de Bordeaux

A nova representante está incumbida de concretizar outro desejo do señor Aurelio, como as pessoas mais próximas o chamam. “Nosso principal mercado é a Ásia. Atualmente, o Brasil compra 20 mil caixas por ano dos nossos vinhos, tem que ser no mínimo o dobro com o tamanho que este país tem e com o prestígio que o Chile tem aqui.”

O Brasil é o principal destino em volume para vinhos chilenos. É também onde os preços de exportação são os mais baixos por ser muito orientado a supermercados. “Falta ‘premiunizar’ o mercado, fazer mais on trade, restaurantes, hotelaria e catering. A Montes não é sobre volume, é sobre valor”, acredita ele.

Em números, a explicação é evidente: se o preço médio que o Chile vende uma caixa de 12 garrafas para o varejo é de US$ 29,90, uma da Montes não sai a menos de US$ 80.

Na tentativa aumentar o volume no Brasil, a Berkmann lançou no mês passado o Wings (R$ 590), um carménère do Vale de Apalta. “O slogan é: necessitam-se duas asas para voar. As duas asas sou eu e meu filho, que também é enólogo, o Aurelio Montes Junior. É um exemplo de que somos uma vinícola divertida, que faz coisas loucas”, conta o idealizador.

Dentre as loucuras, está a exploração de uvas de Portugal, sobretudo touriga nacional, no Vale de Colchagua. “Gosto muito do Douro. Plantei e deu um vinho maravilhoso, mas ainda não lancei porque tenho que me acalmar, não posso ser um gerador de projetos.”

Se pode ou não pode, não cabe a enófilos, julgar. Porém, as coisas loucas não param por aí, como comprovam dois hectares em gélidas ilhas da Patagônia. “Faz muitos anos que navego nessa zona selvagem e sempre pensava: quando vou plantar um vinhedo? Eu observava o clima que é muito diferente e complicado para uma vinha, até que chegou um momento que precisei cumprir esse sonho.”

Entre sonhos, loucuras e cinco mil ilhas, Aurelio elegeu a de Chiloé, no Golfo de Ancud. “É uma mini Veneza, o lugar mais lindo do mundo. Para chegar aí, é uma hora e meia de voo desde Santiago, uma hora e meia de carro até o porto e uma hora e meia de barco. Quando navego, se há um temporal, é onde me refugio, porque está protegida dos ventos e da chuva”.

Neste “abrigo” vivem apenas 120 habitantes e a escola tem ao todo 10 crianças. Pendendo mais à generosidade que ao devaneio, o enólogo pegou todas elas e levou de avião a Santiago. “Os meninos nunca tinham saído da ilha, não conheciam nada. Levamos ao cinema, ao zoológico, ao museu, à vinícola.”

Wings (R$ 590, Berkmann), um carménère do Vale de Apalta

Já voltando às maluquices, os vinhedos funcionam como “uma tese universitária, porque o projeto econômico é uma exploração de terroir, de clima e de variedade”.

Para o experimento, o empreendedor Montes plantou sauvignon blanc, chardonnay e pinot noir, por serem já clássicas no Chile; alvarinho da Galícia; pinot grigio da Itália; gewürztraminer da Alsácia; e riesling do Reno.

“Três já foram cortadas: alvarinho, pinot noir e gerwuztraminer. O clima é muito agreste, chove mais de 2 metros e meio de altura por ano. No verão tem sol, mas morno e tímido. Então, me falta temperatura para obter uma madurez plena”, revela o enólogo.

Ali, as uvas custam a desenvolver aromas, têm pouco grau alcoólico e muita acidez. Provavelmente resultarão em um espumante muito fresco, à base de chardonnay, pinot grigio e sauvingnon blanc. Ou um riesling tranquilo também.

“No projeto, eu não pus teto, porque senão seria uma estufa e eu produziria uva sem problema. A ideia é mostrar que nas condições naturais, sem nenhum apoio tecnológico, eu posso produzir. O bonito é que seja difícil. Sempre”.