Nos anos 80, quem falasse mais alto saía ganhando na Bolsa de Valores. Se já era complicado para os homens engravatados vencer naquele ambiente de empurra-empurra e gritaria, mulheres não tinham a menor chance. Ainda mais no Kuwait, um país conservador, embora esteja entre os mais abertos e globalizados do Golfo Pérsico.
Diante dessa realidade, a premissa da série “Rainhas da Bolsa”, que acaba de estrear no catálogo da Netflix, pode soar mais como ficção. Afinal, como mulheres kuwaitianas poderiam se dar bem no mercado de ações, ainda mais antes de a internet revolucionar o mundo financeiro, eliminando o corpo a corpo no pregão?
Mas foi o que aconteceu. Apesar de os roteiristas da série usarem um pouco de imaginação para romancear a trajetória das personagens aqui, elas são baseadas em mulheres e fatos reais. Mais precisamente nas figuras femininas da vida de Nadia Ahmed, cocriadora e corroteirista da produção dividida em seis episódios, a primeira série original da Netflix no Kuwait.
A mãe de Nadia inspirou a personagem Farida (Rawan Mahdi), a dona de casa que decide enfrentar o clube do Bolinha na Bolsa de Valores do Kuwait, ao se divorciar. Por ser boa em matemática, ela procura a prima Munira (Mona Hussain), que é assistente em banco de investimento, em busca de independência financeira. Até porque o ex-marido não quer pagar a escola particular da filha – a exemplo do que aconteceu na família de Nadia.
Inicialmente, a prima não gosta muito da ideia de ter mais uma mulher no ambiente dominado por homens, o que ela vê como competição. Já é uma luta para Munira, que ocupa um cargo de assistente apenas, atuar como corretora naquela confusão – algo que ela consegue faz quando os homens para quem trabalha a jogam na fogueira como teste, esperando que ela se dê mal.
Mas, aos poucos, Murina entende que ela precisa de ajuda para romper o padrão patriarcal na bolsa (de só aceitar mulher servindo cafezinho no local). Como ela quer muito se fazer respeitar pelas suas habilidades na negociação, Murina junta forças com a prima para avançar mais rápido, abrindo caminho para as gerações futuras de mulheres no setor.
Conforme Nadia explicou em entrevista a veículos estrangeiros, ela cresceu rodeada de mulheres independentes: a mãe, suas familiares e as amigas da família. E essas mulheres foram as pioneiras em profissões tradicionalmente masculinas no Kuwait, incluindo a mãe no universo das finanças.
Isso explica a série funcionar como uma homenagem à mãe da roteirista e às demais mulheres que desafiaram o status quo ao enxergarem a chance de lucros altos no mercado de ações na década de 80. Os bancos de investimentos cresciam no Kuwait naquele período, mas ainda eram poucos os profissionais que faziam a gestão do dinheiro, que circulava em grandes quantidades.
A Bolsa de Valores ainda representava um ideal de progresso para o Kuwait, um país conhecido por mesclar a cultura árabe com tendências ocidentais. Lá, não é obrigatório o uso de véus para as mulheres, por exemplo, deixando que elas ostentem suas roupas das grandes grifes internacionais.
Para escrever o roteiro, em parceria com Anne Sobel e Adam Sobel, Nadia realizou muita pesquisa para reconstituir com fidelidade o cenário do mercado financeiro nos anos 80. Não só a muvuca do pregão em geral, mas as instalações da Bolsa do Kuwait, que funcionava em uma espécie de estacionamento.
A autenticidade também se aplica aos figurinos coloridos e volumosos das duas primas, com saias justas, saltos altos e blazers. Tudo acompanhado de um certo exagero na maquiagem e no penteado, o que era típico da época.
Era como se elas já tentassem se impor no ambiente de testosterona pela maneira como se vestiam, transpirando poder, confiança e (por que não?) glamour. E ainda tentavam fazer tudo com certa elegância, mesmo que chegassem a cair no salão, empurradas por alguém do sexo oposto. Mas nada de choramingar. Sobretudo na hora da negociação, elas precisavam ser tão agressivas e barulhentas quanto os marmanjos.