Nova York - Na semana passada, o bailarino catarinense Jovani Furlan, de 32 anos, fez um vídeo para sua conta no Instagram, no qual circulava pela caótica Times Square, em Manhattan, segurando o tradicional cachorro-quente de carrocinha.

“Ninguém aqui sabe que sou o Príncipe do Quebra-Nozes do New York City Ballet e que estou aqui comendo um cachorro-quente na véspera do show”, brincou.

Natural de Joinville, Furlan é um dos solistas da histórica companhia que, sediada no Lincoln Center, apresenta anualmente o maior espetáculo natalino de balé da cidade. Por ano, o corpo de baile sobe ao palco entre 50 e 70 vezes ao longo de 22 semanas de apresentações. Ao todo, são 93 dançarinos, entre 19 primeiros bailarinos e 19 solistas.

Eles são formados na School of American Ballet (SAB), escola mantida pela companhia de dança, seguindo o método do lendário coreógrafo George Balanchine (1904-1983), conhecido por ter “americanizado” as técnicas clássicas francesas e russas.

Furlan, no entanto, foi uma grande exceção: em 12 anos, o brasileiro foi o primeiro bailarino a ser treinado pelo SAB, vindo do Miami City Ballet, uma companhia de menor escala, onde dançou entre 2011 e 2019, até ser convidado pelos nova-iorquinos.

Na infância, ele não teve contato com o balé. Mas, aos 10 anos, foi incentivado pela avó a participar do processo de seleção para a escola do Teatro Bolshoi, realizado em sua escola. E foi escolhido.

Criada na década de 1990 em Joinville, com o apoio do então governador Luiz Henrique da Silveira, a escola do Bolshoi é a única fora de Moscou.

Os russos selecionam crianças de escolas públicas, a partir dos 8 anos, com base no biotipo para a técnica Vaganova: não é preciso saber dançar, mas ter proporções precisas, com pescoços e braços longos, curva do peito dos pés e os joelhos que rotacionam para fora.

Em O Quebra-Nozes, Furlan divide o palco com outro brasileiro: Oliver Lobo Ellena, de 10 anos, nascido em Nova York, é uma das crianças da apresentação. No ano passado, chegou a fazer o personagem Fritz, o menino principal do conto natalino.

Sua mãe, a fotógrafa Paula Lobo, conta ao NeoFeed que o balé surgiu na vida de Oliver quase por acaso, durante a pandemia. Na época, ele tinha cinco anos e assistiu em casa ao documentário On Pointe, do Disney+, que acompanha crianças da School of American Ballet. Ao fim de um episódio, ele foi claro: “Quero dançar como eles.”

Após os meses de isolamento, Oliver participou de um pequeno programa de artes que incluía música e movimento. Ele se apaixonou e não quis parar. Paula, que vive no Brooklyn, chegou a trocar Oliver de escola: ele deixou uma instituição com regras rígidas e pouco espaço para expressão e ingressou em outra, com um modelo mais flexível, com aulas de dança, música, canto e até violino.

Um dos professores notou o talento do menino e sugeriu que ele experimentasse aulas formais de dança. Ele seguiu para uma aula de pré-balé no West Village e, novamente, uma professora disse que ele dançava acima da média para sua idade. Aos oito anos, ele fez uma audição para a SAB e passou.

“A dança se tornou o centro da rotina. Vieram os ensaios, os espetáculos que, além de dança, exigem uma presença cênica e talento dramático”, diz Paula.  “Apesar da fama de rigidez associada ao mundo do balé, o SAB tem professores atentos, um ambiente colaborativo e um forte senso de grupo entre as crianças, que passam horas juntas ensaiando e brincando nos corredores do Lincoln Center”, diz ela.

Apesar de ser privada, a SAB oferece bolsas. As turmas são separadas por gênero, em parte porque as meninas costumam iniciar o balé mais cedo e avançam mais rapidamente. Nem todas as crianças seguem adiante: a cada ano, algumas não são convidadas a voltar. O treinamento é voltado a bailarinos aptos a seguir carreira profissional.

Além do balé, Oliver canta e atua. Hoje, ele estuda em uma escola pública de Manhattan que, além de seguir o currículo escolar da cidade, reúne alunos de veia artística. “Me impressiono com crianças tão novas, com tanto talento, disciplina e entrega. Além disso, elas usufruem do privilégio de viver em um ambiente que aprimora a técnica e amplia horizontes”, diz Paula.

No ano passado, Oliver Lobo Ellena interpretou Fritz, o irmão da personagem principal (Foto: nycballet.com)

"O Quebra-Nozes" da companhia nova-iorquina é uma interpretação do coreógrafo George Balanchine para o conto natalino do século 19 (Foto: nycballet.com)

Aos seis anos, Bruno Khilkin Secches foi aceito na School of American Ballet (Foto: Juliana Secches)

Oliver talvez esteja trilhando um caminho similar ao de Bruno Khilkin Secches, de 17 anos, também nascido em Nova York e filho de outra brasileira, Juliana Secches. Há dois anos, o adolescente ganhou uma bolsa integral na escola do American Ballet Theatre, uma das principais companhias dos Estados Unidos.

Esta escola também prepara estudantes para a carreira profissional, com aulas diárias de mais de cinco horas, seis dias por semana. “Quem está ali já decidiu que a dança não é um hobby. É carreira”, diz Juliana, enfatizando que os bailarinos recebem avaliações integrais, incluindo fisioterapia, saúde mental e nutrição.

Seu interesse pela dança começou já aos dois anos, quando Juliana levou o filho para assistir ao balé O Quebra-Nozes. Ela planejava abandonar o teatro no intervalo caso o pequeno não aguentasse tantas horas sentado.

“Mas ele ficou absolutamente hipnotizado do início ao fim e me disse que queria dançar igual”, relembra Juliana, em conversa com o NeoFeed.

Por anos, Bruno fez aulas de creative movement e de sapateado. Mas ele deixou claro que seu negócio era o balé. Aos seis anos, ele participou de uma audição do SAB, foi aceito e ali começou sua carreira, com participações infantis em montagens como A Bela Adormecida, Lago dos Cisnes e o próprio O Quebra-Nozes.

Durante a pandemia, Bruno tinha 12 anos. Sua família trocou Manhattan por uma cidade rural no estado de Vermont, sem internet nem qualquer estrutura para dança. “Ele improvisava a barra com o encosto de uma cadeira e fazia aula pelo Zoom no meu celular”, conta Juliana.

“Um dia, a luz acabou. Mas ele me pediu uma lanterna para não perder a aula. Foi ali que eu entendi o compromisso dele com esta carreira”, complementa.

De volta a Nova York, Bruno mergulhou em aulas intensivas de verão, oferecidas em diversas partes do mundo, para as quais jovens viajam sozinhos por seis semanas. Há dois anos, Bruno ganhou uma bolsa integral na Jacqueline Kennedy Onassis School, do American Ballet Theatre (ABT), também em Manhattan, ligada a uma das principais companhias dos Estados Unidos, que prepara estudantes para a carreira profissional. Pelo ABT já passou, por exemplo, o brasileiro Marcelo Gomes.

Eles têm aulas diárias de mais de cinco horas, seis dias por semana. “Quem está ali já decidiu que a dança não é um hobby. É carreira”, diz Juliana, enfatizando que os bailarinos recebem avaliações integrais, incluindo fisioterapia, saúde mental e nutrição.

Além disso, Bruno cursa o último ano do ensino médio, mas não pretende ingressar na faculdade imediatamente. Optou por dedicar-se à carreira artística.

No entanto, apesar de todas as conquistas e da dedicação, Juliana diz que ainda há preconceito. Ela não cansa de ouvir perguntas como: “Quando ele vai fazer algo de verdade ou arrumar um emprego?”

“Há quem não acredite que balé seja uma profissão ou um esporte de altíssimo rendimento”, comenta Juliana, professora de yoga em Manhattan. “Um bailarino é um atleta profissional, com exigência até maior do que em outros esportes: ele precisa parecer leve e dançar sorrindo enquanto o corpo dói”, conclui.