Ayrton Senna dava provas de sua genialidade toda vez que colocava o chamativo capacete amarelo para pilotar. Mas como o tricampeão mundial de Fórmula 1, um dos maiores nomes da história do esporte, alcançava as façanhas?
Com personalidade forte, conhecimento técnico e capacidade para memorizar as pistas, Senna era perfeccionista e exigia demais. Para começar, de si mesmo, mas também de todos ao seu redor, enlouquecendo os engenheiros, os mecânicos e, se necessário, os chefes de equipes de F1.
Mostrar quem foi Senna nos bastidores, a ponto de ser considerado “difícil” e “chato”, é o trunfo da minissérie da Netflix, com lançamento agendado para o dia 29.
Cada um dos episódios de Senna (seis, no total) é um testemunho de como o piloto trabalhou duro para chegar ao topo, dando tudo de si e sempre com muita paixão pelo esporte, além de determinação para vencer.
Ao longo de toda a trajetória revisitada aqui, das corridas de kart na infância ao auge na F1, são muitas as cenas que revelam como o piloto era minucioso, atento a todos os detalhes.
Aparentemente, ele tinha o dom de ler o comportamento do carro, além de entender como o motor funcionava, sendo capaz de conversar tecnicamente com os engenheiros e mecânicos. E isso era uma característica que o colocava em vantagem, comparado aos outros pilotos.
Este é o primeiro projeto que dramatiza a vida de Senna, respeitado no mundo inteiro, mas que também foi alvo de polêmicas ao longo de sua trajetória profissional, sobretudo pelo estilo agressivo na pista.
Até então a produção de audiovisual mais conhecida sobre o brasileiro era o documentário Senna (2010), de Asif Kapadia, o mesmo diretor de Amy (2015) e Diego Maradona (2019).
Senna é o primeiro trabalho de ficção inspirado na vida do piloto porque foi o único a contar com a participação e a aprovação da família.
“A minissérie surgiu de um desejo compartilhado entre a Gullane e a família de Senna, e posteriormente a Netflix, de celebrar o legado de Ayrton Senna, um verdadeiro herói nacional e ícone do automobilismo”, diz o produtor Fabiano Gullane, da Gullane Entretenimento, baseada em São Paulo, em entrevista ao NeoFeed.
Nos anos 1990, a Warner até tentou obter a permissão da família do piloto para rodar um filme com Antonio Banderas no papel principal. Após anos de negociações, no entanto, a família preferiu desistir do projeto, por não concordar com a abordagem.
E provavelmente por não ter conseguido a palavra final sobre o longa-metragem, algo que os estúdios de Hollywood não costumam aceitar.
“Quando conversamos com a família de Senna, nós falamos muito da importância de manter o projeto nas mãos de brasileiros. Foi o que fez a família deixar para trás propostas milionárias, com personalidades internacionais, para investir em algo feito no Brasil, por brasileiros, mas para o mundo”, lembra Gullane, acrescentando que a família forneceu arquivos pessoais, com fotos, vídeos e entrevistas do piloto.
O lançamento da série marca os 30 anos da morte de Senna, no acidente durante o Grande Prêmio de San Marino, na Itália, em maio de 1994. Ele tinha 34 anos quando, liderando a corrida, a 300 quilômetros por hora, perdeu o controle do carro na curva Tamburello, no Circuito de Ímola, e bateu violentamente contra um muro.
A tragédia, acompanhada ao vivo, por milhões de telespectadores ao redor do mundo, é reconstituída na minissérie, mas sem sensacionalismo e sem trazer qualquer elemento novo quanto ao que pode ter acontecido.
O roteiro aqui não investe muito no mistério, nas intrigas ou mesmo em algumas teorias da conspiração que o acidente sempre despertou.
Embora as autoridades da F1 tenham negado acusações de negligência na segurança dos pilotos, para garantir o espetáculo televisivo que os patrocinadores queriam, é nisso que a série aposta.
Há a menção de que, após a morte de Senna (e também do piloto austríaco Roland Ratzenberger, no sábado, o dia anterior à prova), os pilotos se juntaram para criar uma associação dedicada à segurança no esporte.
A partir daí, as mudanças necessárias foram implementadas. Isso explicaria nenhuma batida fatal nos 20 anos seguintes. Em 2015, o piloto francês Jules Bianchi morreu, em decorrência de um acidente ocorrido no Grande Prêmio do Japão, no ano anterior.
No dia da corrida, chovia muito e o carro de Biacnhi bateu no trator que retirava o carro do alemão Adrian Sutil da pista. Na colisão, a cabeça do francês se chocou diretamente contra o veículo de reboque, o que o deixou em coma.
De pai para filho
O que a minissérie faz, no que diz respeito à morte de Senna, é dar uma ideia do motivo que levou o piloto a correr naquele GP de San Marino. O final de semana já vinha dando claros sinais de que havia algo muito errado naquele circuito, e não só com a morte de Ratzenberger.
Na sexta, Rubens Barrichello já tinha deixado a pista inconsciente, depois que seu carro capotou várias vezes.
Na pele do ator Gabriel Leone, Senna, apreensivo, conversa por telefone com o pai (vivido por Marco Ricca), um dia antes da corrida. Milton da Silva lembra o filho que ele não precisa provar nada para ninguém, caso queira abandonar a prova — o que teria passado várias vezes pela cabeça do piloto.
Mas Senna não parece aberto à ideia de desistir. Até porque, como o espectador vê ao longa de toda a minissérie, ele só pensa em vencer, o que inclui enfrentar qualquer obstáculo encontrado pelo caminho.
Vale lembrar que o conteúdo dessas conversas, com os mais íntimos, é algo que só a família de Senna poderia ter revelado.
“O que eles trouxeram de mais importante ao projeto foram os muitos detalhes sobre quem era Ayrton Senna dentro e fora das pistas, para que fizéssemos uma representação verdadeira e respeitosa”, conta Gullane. “A busca de Senna pela excelência se tornou motivo de orgulho nacional. Senna eleva a autoestima do público brasileiro.”
Como é esperado, a minissérie dá tratamento de herói a Senna, o que não a impede de reconstituir episódios mais controversos. Um deles foi no o GP do Japão, em 1990, quando o brasileiro se tornou campeão por antecipação, após forçar um acidente, o que culminou com a saída dele e do rival, Alain Prost, da prova.
Na época, Senna foi considerado um “mau exemplo”, por representantes da mídia estrangeira. Ao que o piloto respondeu, como a minissérie resgata: “Eu vi um espaço e tentei a ultrapassagem. Se você abrir mão do gap, você não é um piloto de verdade”.