Uma das piadas mais comuns que colocam os moradores de São Paulo e do Rio de Janeiro em rota de colisão tem a ver com as praias, o orgulho dos cariocas. E, vez ou outra, algum gaiato do Rio solta, para provocar, que “a praia do paulista é o Rio Tietê”. Por muitos anos, essa brincadeira em tom de crítica tinha um fundo de verdade. Mas essa história vai mudar. Pelo menos em parte.
E, se não necessariamente no Rio Tietê, o paulistano terá uma praia bem perto do Rio Pinheiros. E para um público restrito, é bem verdade. Ainda no primeiro semestre, a construtora JHSF inaugura o The Surf Club São Paulo, nas proximidades do Shopping Cidade Jardim, em frente à Ponte Estaiada Octávio Frias de Oliveira, no Brooklin.
A aposta do empreendimento de alto luxo é na prática do surfe em uma piscina de ondas. O valor do título individual é de R$ 605 mil, enquanto o título familiar custa R$ 900 mil. A anuidade é de R$ 25 mil. A JHSF não revela as cifras de investimento, nem o número de associados já alcançado.
A tendência no Brasil está ligada a uma prática que vem ganhando corpo globalmente. Segundo a consultoria Mordor Intelligence, o segmento de clubes privados deve ultrapassar no mundo a marca de US$ 27 bilhões até 2027. E alguns indícios para o boom já foram identificados.
Atualmente, somente nos Estados Unidos, há mais de 18 mil clubes privados, com um número de membros superior a 10 milhões. Por lá, o boom seria, em parte, um reflexo da pandemia. Avalia-se que a crise sanitária resultou em altas taxas de vacância de escritórios em endereços de Manhattan e do Vale do Silício.
Com isso, o mercado imobiliário viu a oportunidade dos clubes privados, considerados espaços alternativos para nômades digitais ou mesmo trabalhadores em regimes de home office.
E o Brasil planeja surfar essa onda. A JHSF entendeu esse mercado. Em meados de 2023, a companhia abriu o primeiro deles, o Boa Vista Village Surf Club, em Porto Feliz, no interior de São Paulo.
Segundo Eduardo Vieira, diretor da área de negócios, clubes e locações da JHSF, ambos complementam a visão estratégica da empresa de ampliar o leque de produtos que ofertam a clientes de altíssima renda, sempre tendo em mente seu estilo de vida high end, num mix que envolve hotelaria, compras, gastronomia e empreendimentos imobiliários.
“A gente vê que várias pessoas que hoje trabalham e moram em São Paulo, ou se mudaram para São Paulo vindo de outras cidades do País, têm muita dificuldade de se locomover para o próprio litoral do Estado”, afirma Vieira, ao NeoFeed.
“A ideia foi criar uma alternativa, ligada com o conforto, o bem-estar, o lazer do nosso cliente, em que ele pudesse ter uma onda muito perfeita, praticamente igual à que ele encontraria no mar, mas ao pé da sua casa, a 10, 15, 30 minutos do seu trabalho ou da sua casa”, complementa o executivo.
No caso do Boa Vista, para se tornar membro, o cliente precisa ser proprietário de algum produto no complexo da JHSF: uma casa na Fazenda Boa Vista, um apartamento no Boa Vista Village ou uma estância no Boa Vista Estates. O título individual de associado, ou membership, custa cerca de R$ 600 mil.
Mas a JHSF não é a única que está surfando essa onda. Encabeçado por KSM Realty, BTG Pactual Asset Management e Realty Properties, o Beyond The Club São Paulo também está previsto para abrir as portas no primeiro semestre de 2025. A partir da experiência de sucesso que tiveram com a praia de ondas artificiais incorporada ao condomínio Fazenda da Grama, inaugurada em 2021, em Itupeva, os investidores resolveram trazer para a capital paulista a novidade.
Mas o Beyond the Club, que ocupará a área em que ficava o Hotel Transamérica, vai acrescentar ao surfe outras modalidades de esporte, como simuladores de esqui, snowboard, golfe e Fórmula 1, além de quadras de beach tennis, tênis indoor e de saibro outdoor, squash, padel, campo de futebol society, pickleball e um ginásio poliesportivo.
Com um investimento de mais de R$ 1,1 bilhão, o Beyond The Club oferecerá apenas 3 mil títulos patrimoniais familiares.
“O Beyond está muito mais para socialização do que um clube de alta performance de esporte”, diz Oscar Segall, CEO da KSM Realty. “A gente está começando com uma flagship com múltiplas atrações, para todos os tipos de interesses. Além do lado mais esportivo, tem o social, não apenas os restaurantes, o coworking, mas também um teatro, que é o antigo Teatro Alfa, que vai ser assumido pelo [empresário Luiz] Calainho”.
Segall pretende licenciar o clube para outros destinos, como Rio de Janeiro e Miami, mantendo um acesso global para os membros. O empresário conta que está também nos seus planos abrir, para não membros, algumas das experiências promovidas pelo Beyond, fora de suas instalações físicas, a exemplos de grandes shows.
“Imagine amanhã termos uma apresentação de um campeão olímpico de snowboard, como o Sean White, e abrirmos para quem é de fora. Ou quem sabe ter salas VIPs, um lounge em shows do Coldplay, na Inglaterra”.
Bem longe de São Paulo, mas a um voo direto de distância da capital paulista, o empresário Julio Capua, cofundador da XP, inaugurou em outubro a primeira fase do Carnaúba Wind House, um clube que tem a prática de kitesurf como principal mote e fica na praia do Preá, perto de Jericoacoara, no Ceará.
O projeto completo, com cerca de 200 acomodações em 95 edificações, será concluído até o fim de 2027. O investimento total foi de R$ 250 milhões. Com mensalidades entre R$ 600 e R$ 2,4 mil, o Carnaúba Wind House tem 113 mil m² de terreno, com 285 metros de área em frente ao mar.
Os valores são entre R$ 236 mil e R$ 725 mil. Os sócios e dependentes poderão usar no mínimo duas semanas e por até oito semanas ao longo do ano. O clube integra a área onde está localizado a Vila Carnaúba, projeto de condomínio residencial de luxo idealizado por Capua.
Em 2023, a XP Asset concluiu a captação de R$ 110,1 milhões para um fundo imobiliário que investe nos projetos Carnaúba. Além dos espaços dedicados ao esporte, o empreendimento, que leva a assinatura do arquiteto Miguel Pinto Guimarães, inclui bangalôs, wellness center e beach club, entre outros.
Muito mais do que modalidades esportivas
Mas nem sempre os esportes são necessariamente o carro-chefe das propostas destes clubes. Os empreendimentos investem em luxo, arquitetos renomados e atrativos que complementam a experiência de seus membros, a exemplo de compras e gastronomia.
Um exemplo é o Resid Club & Hotels, anunciado em 2024 e que tem o chef Alex Atala entre os sócios. “No Resid, buscamos criar um clube exclusivo, mas ao mesmo tempo diverso, em gênero, idade, ideias, regiões e áreas de atuação. O que conecta essas pessoas é uma paixão compartilhada por viver intensamente”, diz Paulo Henrique Barbosa, CEO do empreendimento.
Sem uma sede física propriamente dita, o Resid concentra suas fichas em experiências pensadas para a sua comunidade, segundo Barbosa. Já terminaram as cotas de membros fundadores – as adesões saíram por R$ 360 mil, mais taxas anuais de R$ 15 mil, que podem ser transferidas para gerações futuras das famílias. Agora, o Resid permite associações com taxas mensais de R$ 68 mil.
Nos Jardins, Barbosa e seus sócios inauguraram no ano passado o Resid Bar, o mais próximo de uma sede do que terão. O clube vai atuar em duas outras frentes: o Resid Destinations, com hotéis próprios em destinos brasileiros tidos como cobiçados, caso do Nas Rocas, em Búzios, com gastronomia assinada por Atala.
Com este braço, pretendem chegar a lugares como Fernando de Noronha, Trancoso, Paraty e Amazônia. O outro vetor de atuação é Resid Experience, focado em eventos exclusivos, workshops e experiências culturais e, novamente, gastronomia.
Nesse segmento, também está a chegada no Brasil do Soho House, uma rede de clubes sociais nascida há 30 anos na Inglaterra, com casas espalhadas por todo mundo. Com 45 endereços no mundo, a unidade de São Paulo é a primeira da América do Sul.
Parcialmente inspirado nos gentlemen’s clubs ingleses, que surgiram no século 17, o Soho House tem como foco membros da economia criativa, como publicitários, arquitetos e artistas.
Sua programação abriga exposições de jovens designers, conversas sobre arquitetura, palestras sobre tendências, entre outras atrações. O Soho House São Paulo tem 26 acomodações, mas esse número chegará a 32 ainda em 2025. Também neste ano está prevista a inauguração de um pool bar em sua cobertura.
Os valores de adesão ao Soho House são bem variados. Para ter direito a frequentar todas as unidades, a anuidade sai por R$ 21.500 por ano (12x R$ 1.791). Quem tem menos de 27 anos, paga R$ 9.300 por ano (12x R$ 775). Para ter direito apenas ao Soho House São Paulo, as anuidades são R$ 8.500 por ano (12x R$ 708) e, para aqueles com menos de 27, R$ 5.400 por ano (12x R$ 450) A taxa de adesão continua em R$ 3.800 revertidos em créditos na Casa. E R$ 1.630, para membros com menos de 27.