NOVA YORK - Vinte e dois anos após os ataques às torres gêmeas, em Nova York, o local que foi palco do maior atentado terrorista da história finalmente ganhou o último elemento público previsto no projeto de reurbanização do World Trade Center: o Perelman Performing Arts Center (PAC NY).
Orçado em US$ 500 milhões, o centro foi inaugurado em outubro pelo ex-prefeito Michael Bloomberg, entre outras autoridades. Apesar de o projeto ter ficado com o nome do filantropo Ronald Perelman, foi Bloomberg quem fez a maior doação, de US$ 130 milhões.
E foi na sua gestão, em 2003, que surgiu a ideia inicial de incluir um centro de artes cênicas no terreno que os novaiorquinos ainda hoje chamam de “marco zero”.
Para quem vê de longe, à luz do dia, o edifício parece ser apenas um cubo gigante de mármore, suspenso sobre uma base escura, bem ao lado do One World Trade Center e em frente às piscinas com cascatas do Memorial do 11 de Setembro.
Um projeto minimalista, em comparação com a escultura gigante de Santiago Calatrava que recobre o vizinho Oculus, o hub de trens e lojas da Westfield inaugurado em 2016.
Apesar da simplicidade à primeira vista, o PAC esconde complexidades que só é possível descobrir pouco a pouco. Ao se aproximar da entrada, é possível perceber os detalhes da construção, como o pedaço da escadaria à mostra e as veias das placas de mármore português revestidas por vidro ultra-resistente, que formam padrões dispostos simetricamente na fachada.
Quando anoitece, o edifício se ilumina, como uma lanterna japonesa. O segredo desse caráter translúcido é que as cerca de 5.000 placas de mármore têm apenas 1,5 centímetro de espessura, permitindo que a iluminação de LED dentro do teatro irradie para fora, com uma tonalidade âmbar.
O truque também permite que a luz natural invada o prédio durante o dia, e os desenhos da pedra transformam as paredes em painéis alaranjados que lembram uma obra de arte.
Uma caixa com outras caixas dentro
A grande novidade, contudo, é que a grande “caixa” do PAC permite a montagem de várias outras “caixas” no espaço interno.
Quatro enormes paredes que sobem e descem (duas delas têm 46 toneladas cada, e as outras, 23) formam ambientes de diferentes tamanhos, sendo que as configurações dos assentos e as áreas de palco também podem ser alteradas, com uma combinação de sistemas mecânicos e manuais.
Os três espaços principais - o Teatro John E. Zuccotti (com capacidade para até 450 pessoas), o Teatro Mike Nichols (para até 250) e o Teatro Doris Duke (até 99) - podem ser usados de forma independente ou combinados.
As paredes móveis permitem até 60 arranjos diferentes de palco-público, com capacidades que podem variar de 90 a 950 espectadores. Uma flexibilidade mais que bem-vinda para um centro que pretende promover música, dança, teatro, filmes, exposições de arte e debates ao mesmo tempo.
Além de garantir o isolamento acústico de cada arranjo, o sistema protege o edifício dos ruídos subterrâneos – o WTC reúne três linhas de metrô e o trem que vai para New Jersey (Path).
Além da proteção acústica, a estrutura de caixas embrulhadas por um grande monolito de mármore também garante a segurança do edifício, que, como as novas torres do WTC, conta com detectores de metais sofisticados na entrada e planos de evacuação testados periodicamente.
Há equipamentos de detecção e supressão de incêndio de última geração em toda a região, além de um posto do Corpo de Bombeiros a poucos metros do complexo, e a segurança da região inclui policiais do Estado, do Município, da Autoridade Portuária e da Guarda Metropolitana. Um sistema que não precisou ser alterado e nem reforçado, portanto, diante do simbolismo do lugar e da guerra Israel x Hamas.
Com total de 12 mil m², o projeto ficou a cargo do premiado arquiteto Joshua Ramus, do escritório REX, contratado após um concurso internacional de design, em 2014. Aclamado por sua participação no projeto ousado da biblioteca central de Seattle, em parceria com Rem Koolhass, Ramus também acaba de ter outro teatro inaugurado, o Lindemann Performing Arts Center, em Rhode Island.
O arquiteto executivo do PAC é Davis Brody Bond, responsável pelo Memorial do 11 de Setembro e, curiosamente, pelo projeto de um parque linear inovador na Vila Madalena, que nunca saiu do papel.
“Ao envolver o edifício em mármore, criamos uma espécie de ‘caixa de surpresas’. Você não consegue se orientar em relação ao exterior e isso é intencional”, explicou Ramus ao NeoFeed, ao ser questionado sobre sua principal inspiração para o projeto.
“Isso ajuda a criar uma ‘suspensão de descrença’", completa, em referência à capacidade que nós, espectadores, temos de nos deixar envolver numa realidade fictícia ao assistir uma peça, ler um livro ou ver um filme.
O arquiteto acrescenta que as artes cênicas, em geral, também carregam esse caráter misterioso: tudo pode acontecer no palco. “O edifício precisa se adaptar a praticamente qualquer coisa que os artistas possam conceber, e há uma flexibilidade radical em seu interior”.
O projeto de arquitetura de interiores do lobby, do lounge voltado para pequenos eventos e do futuro restaurante do PAC é assinado pelo Rockwell Group, que tem os hotéis e restaurantes luxuosos da rede Nobu no currículo. A ideia foi criar um clima acolhedor, com relevos geométricos no teto luminoso.
Liderado pelo chef Marcus Samuelsson, o restaurante acabou de ser inaugurado. Sueco-americano nascido na Etiópia, Samuelsson é o líder do Red Rooster, no Harlem e em Miami, conta com estabelecimentos no Canadá e nas Bahamas, entre outros locais, e é presença marcante na TV e no streaming.
Diversidade, inclusão e comunidade
A programação, a cargo da diretora executiva Khady Kamara e do diretor artístico Bill Rauch, foi toda concebida com foco em três temas principais: diversidade, inclusão e comunidade. Na inauguração, uma série de espetáculos sobre refúgio trouxeram os mais diferentes estilos musicais ao local, como a multimídia Laurie Anderson, a diva beninense Angélique Kidjo e o nativo-americano Raven Chacon (que surpreendentemente recebeu o Prêmio Pullitzer por sua composição “Voiceless Mass”).
A atriz Jada Pinkett Smith também esteve no palco do PAC para promover sua biografia “Worthy”(e, claro, falou sobre seu relacionamento com Will Smith e o tapa que ele deu em Chris Rock, no Oscar 2022).
Para o ano que vem, estão previstos um monólogo de Laurence Fishburne, a ópera An American Soldier, sobre a história real de um soldado sino-americano, e uma nova versão do famoso musical Cats, de Andrew Lloyd Webber, adaptado ao cenário dos bailes da comunidade afro-americana e latina LGBT de Nova York do final do século XX. Quem vai visitar a cidade deve se programar com antecedência.
Para os milhares de transeuntes que passam pelo World Trade Center todos os dias, é um alívio ver a região toda revitalizada, após mais de 20 anos de obras e tapumes sem fim (alguns ainda estão ali). No ano passado, a parte sul do terreno ganhou outra construção esperada – a Igreja Ortodoxa Grega de São Nicolau e Santuário Nacional foi inaugurada após sucessivos atrasos.
Único templo religioso a ser destruído nos ataques de 11 de Setembro, a igreja ganhou um projeto totalmente diferente do original, assinado por Santiago Calatrava com inspiração na Catedral de Hagia Sophia. Os recortes de mármore grego da fachada também permitem a passagem de luz, o que à noite forma um contraponto interessante ao cubo do PAC, ao norte.
Para os amigos e parentes das quase 3 mil vítimas do ataque terrorista que marcou o mundo há duas décadas, o centro cultural traz um novo sentido para o local. Como diz Paula Grant Berry, que perdeu o marido no atentado e hoje integra o conselho de curadores do memorial e do museu, era fundamental ter um local para o luto e para saber o que aconteceu aquele dia. “Agora temos o Centro de Artes Cênicas, um lugar para ir celebrar a vida”.