Em 2010, o restaurateur nova-iorquino Will Guidara e o chef suíço Daniel Humm ficaram devastados quando o Eleven Madison Park, restaurante que eles assumiram quatro anos antes, havia conquistado a última posição do The World's 50 Best Restaurants, o principal ranking gastronômico do mundo.

Ao invés de celebrarem a entrada na lista, os sócios saíram da premiação à francesa e foram afogar as mágoas em uma garrafa de uísque.

Eles conversaram por horas a fio e chegaram a conclusão de que o Eleven Madison Park era um excelente restaurante, mas para ser o melhor do mundo, era necessário causar impacto real na indústria.

O pioneirismo do chef espanhol Ferran Adrià, no El Bulli, por exemplo, apresentou a gastronomia molecular ao mundo.

Já na cozinha de seu restaurante Noma, em Copenhague, o chef René Redzepi promoveu os alimentos capturados na natureza, e assim nasceu todo um movimento em torno dos alimentos locais.

Guidara e Humm admitiram: para o Eleven Madison Park triunfar faltava ao empreendimento esse senso de inovação. No final daquela noite, eles escreveram, em um guardanapo: “Ser o número um do mundo”.

É com esse causo da fatídica noite do 50 Best que Guidara abre o livro Hospitalidade Irracional: o extraordinário poder de dar às pessoas mais do que elas esperam. Best-seller nos Estados Unidos, a obra ganha agora em janeiro sua primeira versão em português, pela editora Alta Books.

Para Guidara, a "irracionalidade" nem sempre é ruim (Foto: Divulgação)

No livro, Guidara conta como ele, o chef Humm e a equipe do Eleven Madison Park transformaram o restaurante em uma “fábrica” de memórias inesquecíveis para os clientes, levando o conceito de hospitalidade a patamares até então nunca vistos.

Quando ele assumiu a administração do Eleven Madison Park em 2006, o restaurante era, no máximo, uma boa brasserie nova-iorquina.

Em uma década de trabalho árduo, invenções e experimentações, o lugar não só foi eleito o Melhor Restaurante do Mundo no The World 's 50 Best Restaurants 2017 — pagando a promessa do guardanapo — como também ganhou 3 estrelas Michelin, mantidas até hoje.

Como isso foi possível? Oferecendo uma hospitalidade tão memorável que Guidara só consegue definir como “irracional”.

Champanhe esquecido no freezer

O restaurateur inicia o livro desafiando a ideia de que a irracionalidade é sempre prejudicial. Ele propõe que, ao adotar a "hospitalidade irracional", as empresas podem oferecer aos clientes um serviço singular e personalizado, fazendo com que as pessoas se sintam verdadeiramente cuidadas.

Na prática, a “hospitalidade irracional” é superar as expectativas dos clientes, criando uma marca duradoura na lembrança deles, mesmo após o término da experiência. Guidara cita um caso descrito no livro Setting the Table, do empresário americano Danny Meyer.

Um casal estava comemorando o aniversário de casamento em um restaurante, quando no meio da refeição, lembra da garrafa de champanhe no freezer de casa. Eles chamaram o sommelier para perguntar se a embalagem poderia explodir antes de eles chegarem em casa. Muito provavelmente, sim.

O sommelier, então, pega a chave da casa do casal e pede para um funcionário ir até lá, para tirar a garrafa do freezer para que os comensais possam terminar a refeição sossegados.

Quando o casal chega em casa, eles não só encontram o champanhe guardado em segurança na geladeira como também uma lata de caviar, uma caixa de chocolates e um cartão de aniversário do estabelecimento.

Mais do que o cliente espera

“O desejo humano de ser bem tratado nunca sai de moda. Quando você cria uma cultura de hospitalidade em primeiro lugar, tudo o que envolve seu negócio melhora — encontrar e reter grandes talentos, transformar clientes em fãs ou aumentar a lucratividade”, pontua Guidara.

No salão esplendoroso do Eleven Madison Park, onde o menu degustação de dez tempos sai por US$ 365 (cerca de R$ 1780), Guidara e Humm perderam as contas de quantas vezes foram “irracionais” para entregar mais do que o cliente esperava.

Em certa ocasião, o restaurateur estava tirando os pratos de uma mesa quando ouviu um grupo de quatro amigos conversando sobre as aventuras culinárias que tiveram em Nova York.

Um deles reclamou que a única coisa que eles não tinham experimentado era o famoso cachorro-quente de rua da cidade. Guidara saiu correndo, comprou o sanduíche de US$ 2 e pediu para o chef empratar a “iguaria”.

Certa vez, o chef Humm fez do cachorro-quente uma iguaria (Foto: Reprodução)

Humm cortou o cachorro-quente em quatro pedaços, acrescentou um pouco de ketchup, mostarda, chucrute e outros temperos. Ao final do jantar, Guidara serviu o prato: o quarteto não poderia deixar Nova York com nenhum arrependimento culinário.

“Eles enlouqueceram” com aquele simples gesto, conta o restaurateur. “Posso dizer com segurança que ninguém jamais reagiu da mesma forma que aquela mesa”.

Praia de mentirinha

Outra vez, um casal foi ao Eleven Madison Park como prêmio de consolação pelo cancelamento do voo que o levaria para passar as férias na praia.

Em uma força-tarefa, o staff cobriu o chão de uma sala de jantar privativa com areia, instalou cadeiras de praia e encheu uma piscina rasa para que os clientes molhassem os pés, enquanto tomavam drinks tropicais, feitos exclusivamente para aquela ocasião.

Houve também o caso da família espanhola. Eles estavam almoçando no Eleven Madison Park quando começou a nevar, e o filho do casal ficou encantado. Quando o garçom soube que era a primeira vez que a criança via neve, o staff chamou um carro SUV para levar a família ao Central Park após o almoço. Assim, eles poderiam ver flocos de neve “fresquinhos”.

“Não fomos as primeiras pessoas a serem irracionais em nossa abordagem à hospitalidade, mas esse tipo de serviço exagerado sempre foi limitado a alguns poucos: celebridades, políticos, ricos e elite. Para nós, a hospitalidade irracional significava oferecer gestos atenciosos e de alto nível para cada um de nossos hóspedes”, escreve o autor.

Em 2019, Guidara vendeu sua metade do Eleven Madison Park ao chef Humm para fundar a Thank You, uma startup de consultoria em hospitalidade. Depois disso, Humm implementou mudanças significativas no restaurante, como a exclusão de todos os ingredientes de origem animal do cardápio.

Mas a "hospitalidade irracional" permanece até hoje.

Conta com Cognac

Um problema que foi superado graças à filosofia, por exemplo, foi decifrar o momento certo de levar a conta ao cliente.

De um lado, o comensal se irrita se a nota demora a chegar na mesa. Do outro, pode se sentir “expulso” caso o garçom traga a conta antes de ele querer ir embora.

É por isso que, no Eleven Madison Park, quando o último prato é servido, a conta chega acompanhada de uma garrafa de Cognac (variação do conhaque exclusiva da França) da marca Guillon Painturaud, cujo preço não sai por menos de US$ 40. O mimo, claro, é por conta da casa.

Capa do livro "Hospitalidade Irracional"

Serviço:

Hospitalidade Irracional: o extraordinário poder de dar às pessoas mais do que elas esperam

Will Guidara

Alta Books

256 páginas

Impresso: R$ 66,90