Imagine conhecer o mundo sem sair de casa. Não, não, ninguém está falando em navegar pela internet. É conhecer in loco, as cores, sons e sabores das mais diversas culturas. E navegar, de verdade, em todos os oceanos, por todos os continentes.

Nos cruzeiros residenciais, navios ultrassofisticados se transformam em lar e turistas, em residentes. Ter o sudeste asiático, as ilhas gregas, a Costa Amalfitana ou a Antártida como quintal é, porém, privilégio para poucos. Além de ultrarricos, os condôminos do mar são donos de seu próprio tempo – isso, sim, o verdadeiro luxo.

Graças ao aperfeiçoamento das ferramentas tecnológicas e às novas forma de trabalho impostas pela Covid, o perfil dos eternos viajantes está em processo de transição. Hoje em dia, os aposentados endinheirados dividem o convés dos megaiates com empresários e empreendedores – aquela turma que tem o nowhere office como opção.

Os nômades digitais somam atualmente cerca de 35 milhões de pessoas, ao redor do planeta, informa o Relatório Global de Tendências Migratórias 2022, da consultoria Fragomen. Com isso, a demanda por cruzeiros residenciais aumenta.

Nos próximos três anos, uma dezena de empresas planeja lançar seus transatlânticos ao mar. Um dos mais aguardados, por causa de seus preços, digamos, mais em conta, é o MV Narrative, da americana Storylines.

Com 226 metros de comprimento e capacidade para até mil moradores, a embarcação deve zarpar do porto croata de Split, no primeiro trimestre de 2025. São 547 residências, de um a quatro quartos. De estúdios de 21 metros quadrados a coberturas de dois andares, com jardim, todos mobiliados, os preços para venda, variam de US$ 625 mil a US$ 8 milhões.

Banheiros " de verdade" nas residência do MV Narrative

Sem contar as “taxas condominiais”, para cobrir os gastos com alimentação e manutenção, de US$ 65 mil a US$ 200 mil, por ano. As unidades mais baratas, nos registros da Storylines, estão praticamente esgotadas. E, as mais caras caminham para o sold out.

O luxo sustentável

O MV Narrative dispõe de 20 restaurantes e bares, cervejaria artesanal, academia de ginástica, mercado, biblioteca, hospital, spa, áreas de recreação, piscinas, coworking, escola para as crianças, veterinários (sim, os animais de estimação são permitidos) e até uma marina, com plataforma de lançamento de embarcações para a prática de esportes náuticos, como lanchas, jet-skis e caiaques.

Anunciado como “o primeiro cruzeiro residencial do mundo a operar segundo os preceitos do luxo sustentável”, o navio da Storylines funciona à base de gás natural.

O iate dispõe ainda de microfazendas verticais, cujos cultivos seguem os princípios da hidroponia, aquele sistema agrícola que dispensa o uso de terra. Os moradores do MV Narrative terão acesso a tomates, pimentões, pepinos, abóboras, berinjelas e morangos frescos, colhidos em alto mar.

O vinho será armazenado em barris de madeira certificada, o que evita o uso das embalagens de papel, plástico e vidro. Como conta Alister Punton, cofundador e CEO da Storylines, em entrevista ao jornal inglês Daily Mail, a empresa pretende estabelecer parcerias com produtores e centros de reciclagem locais.

A sala de estar dos "apartamentos" do MV Narrative

Ao custo de construção calculado em US$ 1,5 bilhão, o MV Narrative está programado para circunavegar a Terra, a cada três anos. Os planos são manter o navio atracado em cada porto, por três a cinco dias. Muito diferente daquela correria do desembarca-embarca dos cruzeiros convencionais.

Roteiros exclusivos

Aliás, que ninguém espere da vida a bordo uma eterna celebração. Os moradores do transatlântico The World se arrepiam só de ouvir falar em festas como “a noite do branco” ou “o jantar com o capitão”, típicos das viagens convencionais.

Operado pela empresa americana Row Management e construído na Noruega, o The World zanza pelos sete mares há 21 anos. É o único navio-residência em operação atualmente. Com capacidade para cerca de 300 passageiros, os preços dos apartamentos variam de US$ 2 milhões a quase US$ 20 milhões. Os valores de manutenção não são revelados.

Em seus primeiros 16 anos, a embarcação visitou 900 portos e destinos diferentes, em 140 países. Os roteiros são decididos anualmente junto com os clientes VIP e, em geral, incluem lugares poucos conhecidos, nada óbvios.

The World, o mais antigo residencial em operação: sem festas

Em 2024, por exemplo, depois da expedição à Antártida, a caminho da costa oriental da África, o The World atracará no Arquipélago Tristão da Cunha, no Atlântico Sul. Patrimônio mundial da Unesco, com uma população de 251 pessoas, é o território habitado mais remoto do mundo.

Este ano, por exemplo, a jornada começou em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, e está prevista para terminar no continente gelado. Na manhã de sexta-feira passada, o The World estava atracado em Propriano, na Córsega.

Em 28 de janeiro de 2017, com 63 residentes a bordo, conquistou o recorde mundial de viagem de navio mais ao sul, com a chegada à Baía das Baleias, no mar de Ross, no continente gelado. Atualmente, 140 famílias vivem no The World. A metade delas vinda da América do Norte, seguida por europeus, asiáticos, australianos e sul-africanos.

Apartamentos de US$ 36 milhões

Nenhum cruzeiro residencial se compara em suntuosidade ao Utopia. Com capacidade para 900 passageiros e 600 tripulantes, as 199 moradias variam de 130 metros a 613 metros quadrados e custam entre US$ 4 milhões e US$ 36 milhões, com taxas de manutenção anuais em torno de 4,5% do valor da propriedade.

Em construção na Coréia do Sul, o transatlântico deve ficar pronto no final do segundo trimestre de 2023. Os custos de US$ 1,1 bilhão foram bancados pela empresa de private equity Frontier Group, sediada nos Estados Unidos.

Planta da cobertura do navio Utopia

Assim como a maioria dos condomínios flutuantes, o Utopia está programado para ancorar em determinadas cidades, em datas especiais, de modo a que seus moradores possam acompanhar alguns dos eventos mais exclusivos do mundo, como o torneio de tênis em Wimbledon, a corrida de fórmula-1 de Mônaco e o festival de cinema de Cannes.

Quem pode se dar a esse luxo? Quem pode explorar o mundo, sem ter de arrastar malas de um lado para outro? Quem pode, depois de visitar um lugar exótico, voltar para o conforto de sua própria cama? Os ultrarricos, senhores de seu tempo.