Medellín — Esparramada entre as montanhas do Vale de Aburrá, no noroeste da Colômbia, nas décadas de 1980 e 1990, Medellín era dominada pelo terror. Epicentro global do narcotráfico, sob o domínio de Pablo Escobar (1949-1993), a cidade foi submetida a uma rotina de extrema violência. A disputa entre cartéis, os confrontos das gangues com as forças do governo colombiano e os conflitos entre grupos paramilitares mataram milhares de pessoas.
Quem chega a Medellín hoje mal consegue acreditar em seu passado de sangue. A “Cidade da Eterna Primavera”, onde há mais de 500 anos se cultivam diversas espécies de flores, se transformou em destino da nova gastronomia sul-americana — um movimento que, para muita gente, se assemelha ao vivido por Buenos Aires no começo dos anos 2000.
No ranking da Time Out de 2025, Medellín ficou em terceiro lugar entre as melhores cidades do mundo para comer e passou a figurar em listas estendidas de seleções internacionais, como a 50Best. Com o lugar cada vez mais tranquilo e sedutor, vieram os turistas internacionais e, com eles, novos restaurantes, hotéis, bares e parques, entre outras atrações.
A "virada" de Medellín não aconteceu da noite para o dia. Em 2013, o município foi eleito "o mais inovador do mundo" pelo instituto americano Urban Land, destacando a originalidade local na criação de espaços e transportes públicos. Hoje, para enfrentar os desafios de um terreno montanhoso densamente povoado, teleféricos e até escadas rolantes fazem parte do transporte urbano, conectando altitudes diferentes.
Comuna 13, antes considerado um dos bairros mais violentos do planeta, converteu-se em uma das principais atrações turísticas da cidade, polo de preservação cultural e valorização artística. No Parque Explora, onde antes funcionava um lixão, surgiu um enorme museu interativo de ciência e tecnologia, com entrada gratuita para moradores de baixa renda.
O antigo Edifício Mónaco, refúgio de Escobar, foi demolido e deu lugar a um monumento às vítimas da violência urbana. A arquitetura gótica do Palácio de Cultura Rafael Uribe agora abriga biblioteca, galeria, auditório e um café. A Plaza Botero, bem no centro da cidade, reúne ao ar livre, em um espaço 100% público, 23 esculturas originais de Fernando Botero — o filho mais ilustre de Medellín.
A Via Provenza, agora exclusiva para pedestres, ganhou da Time Out o título de uma das mais "cool" do mundo. Com diversos restaurantes, bares, barracas e nightclubs, ficou tão famosa que deu nome à música homônima de Karol G, outra celebridade nascida na cidade.
O novo boom gastronômico, grande catalisador turístico, começou a ser gestado há quase uma década. Após o plano pacificador de 2016, a cidade se beneficiou de programas que incentivavam a substituição de plantações de coca pelo plantio de alimentos nativos e cursos de formação culinária no campo.
De lá para cá, novos negócios continuam surgindo na cidade, resgatando o orgulho da relação entre cozinha e território — a maioria deles no bairro de El Poblado. Muitas das iniciativas passaram a desempenhar um papel social importante com comunidades e cooperativas regionais.
Carmen Ángel, hoje à frente do Grupo Carmen, que inclui o bar e restaurante homônimo (além de X.O., Moshi e Don Diablo), foi uma das pioneiras a surfar essa onda. "Todo prato que servimos tem um gostinho de Colômbia", diz ao NeoFeed. Hoje, referência na gastronomia da cidade, Carmen trabalha em seus menus a biodiversidade colombiana e atua fortemente junto a cooperativas femininas.
"Cocina de entorno"
O chef Jhon Zárate, do Sambombi, destaca em sua carta ingredientes regionais, comprados diretamente de pequenos agricultores, além de muitas das plantas que decoram o local. São receitas simples, mas cheias de sabor, servidas em um ambiente descontraído — sem frescuras.
Também em El Poblado, o pequeno Krudo Viches y Vinilos foca na maturação de pescados que chegam todas as manhãs diretamente das cooperativas de pescadores de Chocó, no Pacífico colombiano.
A pesca de água doce vem de El Retiro, a apenas 20 minutos de carro de Medellín. Para harmonizar, vale apostar em um dos drinks à base de viche, o destilado artesanal colombiano feito da cana de açúcar e profundamente ligado às comunidades afrocolombianas.
Um dos endereços mais concorridos do bairro é o Casa Barranco, instalado em uma construção antiga, restaurada com madeira reflorestada e adornada com peças cheias de história — incluindo uma canoa de seis metros de Cartagena.
Seu menu nasceu da memória familiar do chef peruano Adolfo Cavalie, um dos grandes expoentes da nova gastronomia de Medellín. O caderninho de receitas herdado da avó se converteu em uma carta que rende homenagem à tradição criola — os sabores da infância do cozinheiro, incluindo ceviches, causas e anticuchos.
Radicado na Colômbia há quase uma década, Adolfo é também o responsável pelo maior destaque gastronômico da atualidade em Medellín: o bar e restaurante TEST Kitchen Lab, uma espécie de laboratório criativo de pesquisa e inovação.
Ali, ingredientes 100% colombianos são convertidos em alta gastronomia, sempre garantindo que cidade, costa e campo dialoguem em um menu que viaja pela herança culinária do país — tudo pautado pela filosofia do desperdício zero e da "cocina de entorno".
"Pesquisamos cuidadosamente cada ingrediente, da Amazônia à costa do Pacífico ou às montanhas andinas, antes de criarmos um prato ou coquetel", conta Adolfo ao NeoFeed.
Acompanhado da mixologista Daniela Alvarado (que desenvolve um cardápio primoroso de coquetéis autorais para harmonizar com os pratos da casa, incluindo até o mambe, pó de folha de coca torrada, entre os ingredientes) e do líder de pesquisa do TEST, o engenheiro químico Juan Miguel Elejalde, o chef está em constante estado de experimentação.
Viaja, investiga, documenta e leva ao restaurante produtos de diferentes regiões do país, criando também um elo direto (e mais sustentável) com pequenos produtores. Neste semestre, começaram a produzir até seu próprio chocolate, mesclado também com ingredientes da Amazônia colombiana, como cupuaçu e tucupi.
No topo do prédio mais alto
Surgiram também muitas novas opções de hospedagem, como a Casa Uribe, uma vila de luxo no coração de El Poblado.
A propriedade é um dos investimentos em hospitalidade do ex-chef Juán Pablo Mayorga — nome por trás também de alguns novos bares e restaurantes de Medellín, além do projeto Wake, que abrirá as portas na cidade em 2026 para abrigar distintos negócios do setor.
A boa fase gastronômica de Medellín estimulou também a chegada de novos (e bons) bares, como o Mala Audio Bar, na onda dos bares de audição, com amplo menu de drinks sazonais para serem degustados entre uma playlist e outra.
Já o Mamba Negra, no topo de um dos edifícios mais altos de Medellín, ganhou fama primeiro pelas vistas espetaculares; agora, acaba de lançar, em um ambiente interno, o Mamba Negra Lab, liderado pelo bartender Juan David Zapata.
Simulando o ambiente de um laboratório químico e se valendo de barmen performáticos, serve, com efeitos de luz, fumaça e som (incluindo músicas compostas pela Filarmônica de Medellín especialmente para o bar), um menu degustação de oito drinks autorais para um grupo de apenas dez clientes por noite.
A carta propõe um itinerário por diferentes territórios colombianos através de coquetéis que, elaborados com fermentados e destilados locais, tentam mimetizar os sabores dos principais frutos e minerais de cada um deles. Uma baita viagem.