PARIS - Quem ainda não identifica a conexão entre moda e cultura provavelmente vai mudar de ideia ao ver a exposição de peças de alta-costura da grife italiana Dolce & Gabbana, apresentada atualmente no museu do Grand Palais, em Paris.
Recentemente reaberto após anos de obras, o museu francês recebe a exposição até 31 de março. Antes, ela havia sido exibida em Milão, onde atraiu mais de 200 mil visitantes.
A mostra é uma ode à cultura italiana, fonte de inspiração dos dois costureiros, e mistura história da arte, arquitetura, ópera, cinema e tradições regionais.
É uma ocasião única para ver de perto as peças secretas e exclusivas de suas coleções de alta-costura, alta-alfaiataria masculina e alta-joalheria, apresentadas em lugares emblemáticos da Itália, como o Vale dos Templos em Agrigento, na Sicília, ou a praça São Marco, em Veneza, para um grupo restrito de clientes milionários, algumas celebridades e poucos jornalistas.
Cada modelo parece uma obra de arte e resulta do trabalho excepcional de artesãos, com bordados, pedrarias, rendas e pinturas, o famoso “fatto a mano” (feito à mão) italiano. Não é à toa que o nome da mostra é “Do coração à mão”. Ela reúne mais de 200 roupas e 300 acessórios e objetos da grife de luxo fundada por Domenico Dolce e Stefano Gabbana em 1985. A alta-costura, com peças únicas que podem custar até centenas de milhares de euros, foi lançada em 2012.
A cenografia da exposição permite viajar pela Itália e também no tempo, da Antiguidade greco-romana ao barroco, passando pelo Renascimento. Uma das salas tem como pano de fundo a arquitetura do palácio Farnese, em Roma, e seus célebres afrescos, projetados nas paredes.
Ali, é possível ter uma aula de história da arte ao ver roupas com estampas feitas com bordados que reproduzem telas de grandes pintores italianos, como Rafael, Botticelli, Tiziano, Leonardo da Vinci e Piero della Francesca.
“Essa exposição glorifica o que a mão humana pode realizar como milagre e beleza”, diz Florence Müller, curadora da mostra, ao NeoFeed. O visitante percorre as dez salas da exposição como se estivesse em um teatro, com mudança radical de cenários. Tudo regado à ópera como música ambiente em várias partes do percurso.
Uma das salas reproduz as tradições da Sicília, terra natal de Domenico Dolce, e exibe vestidos ultracoloridos e acessórios com plumas. O espaço foi criado por artesãos da ilha com cores exuberantes do teto ao chão e ilustra a influência das cerâmicas sicilianas nas criações da grife, além da tradição regional das carroças utilizadas em procissões e cerimônias.
Homenagem à cultura italiana
“A grande fonte de inspiração de Dolce & Gabbana é a Itália. Eles tornaram a alta-costura da marca um grande giro pela Itália. Isso lembra as viagens que faziam os aristocratas europeus no início do século 18 para descobrir as obras-primas da arte italiana”, afirma a curadora, acrescentando que o duo de estilistas reúne todas as facetas da Itália geograficamente, mas também socialmente. Domenico é originário de um pequeno vilarejo do sul e Stefano Gabbana é de Milão, pulmão econômico do país.
A viagem pela Itália continua em um espaço que evoca um templo siciliano considerado uma obra-prima da arte grega e por uma sala toda dourada com túnicas e outras peças que lembram os mosaicos bizantinos, decorada pela única empresa capaz de reproduzir os mosaicos folheados a ouro da Basílica de São Marco, em Veneza. Ali há um manto que necessitou sete meses de trabalho realizado por cinco pessoas para cada elemento diferente dos bordados.
“As roupas da Dolce & Gabbana são uma homenagem à cultura italiana. Eles valorizam a Itália em suas criações e isso se estende a vários temas, da História a costumes, incluindo a religião”, afirma a empresária Luciana Daud, proprietária da butique paulistana Claudete e Deca, que visitou a exposição. A marca tem o emblema do “coração sagrado” que é bordado em roupas ou esculpido em metal ou pérolas em bolsas.
Há também um espaço todo branco sobre arte barroca, com vestidos, entre eles um de noiva, que parecem esculturas, inspirados em estuques de igrejas de Palermo, e decorados com relevos e figuras de anjos.
O gemólogo Rafael Medina, que trabalha na Cartier, em Paris, diz ter ficado impressionado com a cenografia da exposição, que combina a decoração dos ambientes com os modelos exibidos e a música ambiente, e também com a sofisticação dos bordados das roupas, que atestam a qualidade do trabalho artesanal.
Outra referência importante para a Dolce & Gabbana é o cinema. Uma sala é dedicada ao filme “O Guepardo”, de Luchino Visconti, com Burt Lancaster, Claudia Cardinale e Alain Delon. O espaço, com estilo contemporâneo, foi inspirado na galeria de espelhos do Palácio Gangi em Palermo, onde foi filmada a famosa cena do baile do longa.
A exposição, que inclui ainda mais de uma centena de móveis e antiguidades, recria ainda o ateliê de costura da grife em Milão, onde é possível, dependendo dos horários, ver costureiras em plena ação.
A Dolce & Gabbana é umas das raras grifes de moda internacionais a continuar nas mãos de seus fundadores. O duo de estilistas detém 80% do capital e o restante pertence à família de Domenico Dolce. Recentemente, a empresa anunciou planos para entrar na Bolsa. A marca vem ampliando sua rede de lojas, com projetos de expansão principalmente nos Estados Unidos.