Em março, o curador José Augusto Ribeiro se desligou da Pinacoteca do Estado de São Paulo depois de 10 anos trabalhando na curadoria da instituição. Seu plano era ter tempo livre para terminar sua tese de doutorado. Poucos meses depois, porém, recebeu a proposta da galerista Marilia Razuk para assumir a direção da galeria que leva o seu nome. Esse convite não tem sido algo incomum no sistema de arte.

Importantes galerias de arte paulistanas, como Luisa Strina e Nara Roesler, e cariocas, a exemplo da Athena, anunciaram a contratação de curadores. Em setembro, a curadora Kiki Mazzucchelli assumiu a direção artística da galeria Luisa Strina, enquanto Fernanda Lopes, da Athena. Pioneira nesse movimento, Nara Roesler divulgou, em 2019, o curador venezuelano Luis Pérez-Oramas como seu diretor artístico.

Houve ainda o caso da galeria Galatea, fundada pelos galeristas Antonia Bergamin e Conrado Mesquita, e o ex-curador-chefe do Museu de Arte de São Paulo Tomás Toledo. A chegada desses profissionais ao mercado de arte aponta a profissionalização do modelo de negócio, que tem até hoje na maioria dos casos, a figura do galerista como central.

"A profissionalização da galeria possibilita o encaminhamento do negócio por si só independente da figura do seu proprietário", afirma Marilia Razuk, que fundou sua galeria há exatos trinta anos. "As figuras de curadores e diretores comerciais fazem com que a galeria, que já tem um perfil estabelecido, se perpetue."

A ideia de um negócio descentralizado da figura do galerista foi o que guiou a contratação da curadora Fernanda Lopes, pelos sócios e irmãos, Eduardo e Filipe Masini, que fundaram a galeria Athena, no Rio de Janeiro, em 2011. Lopes já havia curado algumas mostras coletivas na galeria, como "Parição", em 2015, que Filipe entende como um divisor de águas do negócio. "A partir dessa exposição, tomamos uma forma mais madura e com mais semelhança do que somos hoje", diz.

"A profissionalização da galeria possibilita o encaminhamento do negócio por si só independente da figura do seu proprietário", afirma Marilia Razuk

A galeria, segundo Masini, não é só um lugar comercial, mas também de discussão e de pensamento. "Para nós, era importante ter alguém que pudesse construir um programa coerente que transmitisse a voz da galeria", explica. "O galerista pode até assumir esse papel, mas não é seu trabalho desenvolver um pensamento intelectual sobre a arte. Precisamos ser humildes e entender que há profissionais que passaram anos estudando e podem fazer isso muito melhor."

Objetivo semelhante ao de Razuk que almeja, com presença do curador na direção artista, o estabelecimento da galeria em um lugar de formação de opinião e captação de tendências. "É uma maneira de contribuir para a formação de novos colecionadores e novos interessados em arte que não são necessariamente pessoas que vão comprar obras", ressalta.

Um modelo híbrido

O galerista André Millan, que está à frente da Galeria Millan há 36 anos, escolheu um modelo diferente de Razuk e Masini. Em vez de contratar um curador para ser diretor artístico, o galerista convidou a curadora e arquiteta Hena Lee para ser diretora geral da galeria e assumir a parte executiva, de modo que ele pudesse ficar à frente da direção artística convidando diversos curadores para organizar exposições em seu espaço – o que chamou de modelo híbrido.

André Milan escolheu um modelo híbrido com rodízio de curadores

"A cada exposição, ou quase todas, convidamos um curador diferente, fazendo um rodízio de profissionais. A meu ver, esse modelo deixa a programação da galeria mais democrática e mais oxigenada. Porque você tem visões mais amplas e diferentes sobre o trabalho de nossos artistas", explica. Atualmente, em cartaz na Millan, está a mostra "Abstração: A Realidade Mediada", com curadoria do crítico Rodrigo Naves.

Em sua seleção de curadores para organizar as exposições em 2023, o galerista incluiu profissionais estrangeiros – entre eles o espanhol Gabriel Pérez-Barreiro, o italiano Cristiano Raimondi e o francês Jérôme Sans. "O intercâmbio de curadores ajuda a nossa galeria a abrir portas no exterior. Tanto para nossos artistas participarem de exposições em outros países quanto para serem representados por galerias internacionais", diz.

Em abril, o artista Paulo Pasta, que faz parte do time da Millan, passou a ser representado também pela galeria David Nolan, em Nova York.

Espaços culturais

Os três galeristas entendem que seus espaços devem contribuir com a vida cultural das cidades onde estão estabelecidos. A presença dos curadores reforçaria esse papel. "Esse é o momento de oferecer ao público que nos visita uma visão mais apurada de tudo que mostramos nestes anos. Porque a maneira de trabalhar mudou muito. Queremos colocar a galeria num plano mais institucional", explica Marilia Razuk.

O desejo das galerias em se apresentarem como espaços culturais, de acordo com Filipe Masini, é um reflexo da falta de investimento nas políticas culturais brasileiras. De acordo com dados do Portal da Transparência, em 2018, a quantia reservada para área da cultura era de R$ 2,10 bilhões. Em 2022, o montante caiu para R$ 1,67 bilhão.

Masini, da Athena: "Quantas instituições públicas têm orçamento para remunerar bem seus colaboradores?"

"As galerias concentram boa parte do dinheiro que circula no mercado de arte visuais", analisa Masini. "Quantas instituições públicas têm de fato um orçamento legal para remunerar bem seus colaboradores? Você conta nos dedos de uma mão. A gente fica muito lisonjeado por ter profissionais importantes e competentes na galeria. É inegável, porém, que é um reflexo do cenário cultural do país."

Novos locais de trabalho

Esta é a primeira experiência de José Augusto Ribeiro em um estabelecimento comercial – além da Pinacoteca, o curador passou pelo Centro Cultural São Paulo (CCSP) e pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP).

"O que eu tenho como instrumento de trabalho é o meu conhecimento como crítico, historiador e teórico de arte. A minha colaboração está mais voltada à indicação de artistas, montagem de exposições e programação", avalia Ribeiro. "Os resultados comerciais dependem cada vez de uma programação e de uma política de apresentação e de representação de artistas."

José Augusto Ribeiro se desligou da Pinacoteca do Estado de São Paulo e agora dirige a galeria Marília Razuk

O curador entende esse movimento das galerias como uma demanda do mercado. "O circuito de arte vem mudando muito. Veja a importância que as feiras estão assumindo – algumas estão propondo até temas para as galerias", diz referindo-se à segunda edição da SP-ARTE "Rotas Brasileiras".

"Atribui-se às feiras o status de uma grande exposição." Só neste ano, a cidade de São Paulo recebeu quatro feiras de arte. As galerias, para se diferenciarem, investiram em cenografia para seus estandes e pequenas mostras coletivas e individuais com assinatura de curadores.

A curadora Fernanda Lopes também teve passagens por instituições brasileiras importantes, como CCSP (Centro Cultural São Paulo) e Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-Rio), em setembro, antes de assumir a direção artística da galeria carioca Athena. Entre as suas atribuições, destaca o acompanhamento mais próximo dos artistas.

"É pensar em como trabalhar essas carreiras para além da galeria. Indicar inscrições em editais que estão abertos para bolsas e residências. Tentar fazer pontes para apresentar os trabalhos deles em outros espaços", explica. "A ideia de representar um artista vem se tornando mais complexa por uma demanda dos próprios artistas, do mercado e dos colecionadores."

A presença de curadores nas galerias seja como colaborador temporário ou fixo parece ser um caminho sem volta. "O que a gente está vendo é uma profissionalização das galerias. Quem não se profissionalizar não vai sobreviver. A chegada desses profissionais a esses espaços faz parte desse movimento", conclui o galerista André Millan.