Desde a sexta-feira, 3 de fevereiro, exatas duas semanas após o governo federal declarar emergência em saúde pública no território Yanomami, um amplo registro visual sobre o povo indígena preenche a tecnológica estrutura do centro cultural The Shed, em Nova York. Trata-se da mostra The Yanomami Struggle, com mais de 200 obras de Claudia Andujar, fotógrafa suíça naturalizada brasileira.
A exibição estreou em 2018 no Instituto Moreira Salles (IMS) de São Paulo e, em seguida, viajou para o IMS Rio, a Fondation Cartier (Paris), a Fundación Mapfre (Barcelona), o Barbican (Londres) e o Fotomuseum (Winterhur, Suíça) antes de desembarcar em solo norte-americano.
Chama a atenção o bom timing e a atualidade da itinerância, iniciada no ano em que o ex-presidente Jair Bolsonaro declarou que sua gestão não iria demarcar mais um centímetro de terra indígena (o que, de fato, ocorreu). México, Chile e Colômbia são as próximas escalas.
O material exposto começou a ser produzido na década de 1970. Subsidiada por uma bolsa da John Simon Guggenheim Memorial Foundation, Claudia mergulhou no cotidiano da comunidade Yanomami na região Catrimani, em Roraima.
A partir dessa experiência, na qual acompanhou o cotidiano na floresta, a vida nas malocas e os rituais xamânicos, ela se tornou uma ativista da proteção dos povos originários e se engajou na luta pela demarcação da Terra Indígena Yanomami – o que só aconteceria em 1992.
“Os anos de dedicação profunda fizeram com que Andujar transformasse o interesse jornalístico e antropológico em uma interpretação radicalmente original da cultura, feita com imagens”, afirma o curador Thyago Nogueira, coordenador de fotografia contemporânea do IMS. Naquela época, a profissional desenvolveu técnicas com flashes, lamparinas e filmes infravermelhos – o que explica as cores exacerbadas de algumas capturas.
Impressiona também a série de retratos, especialmente para quem, nas últimas semanas, foi confrontado com as cenas de horror vindas de Roraima. Sob o olhar de Claudia, destaca-se a beleza das figuras em preto e branco à frente de um fundo escuro, recurso que evidencia os traços e a expressão dos personagens.
A montagem nova-iorquina ganhou um adendo inédito: 80 obras dos artistas Yanomami contemporâneos André Taniki, Ehuana Yaira, Joseca Mokahesi, Orlando Nakɨ Uxima, Poraco Hɨko, Sheroanawe Hakihiiwe e Vital Warasi, além de material audiovisual assinado por Aida Harika, Edmar Tokorino, Morzaniel Ɨramari e Roseane Yariana.
Com esse aporte, a mostra incorpora à extensa documentação de Claudia um vislumbre sobre a produção local de artes visuais, atualizando os registros disponíveis sobre a cultura e a sociedade Yanomami.
“Creio que o mais importante é a oportunidade de apresentar outra face do nosso planeta às pessoas e permitir que se reconheçam em seres humanos que merecem viver sua vida como desejam, de acordo com seu entendimento próprio do mundo”, fala a artista.
Claudia, aliás, está anunciada na programação do evento aberto ao público previsto para sábado, 4 de fevereiro, ao lado do xamã Davi Kopenawa, seu amigo e porta-voz dos Yanomamis, e Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (que, ao lado do Instituto Socioambiental, apoia a mostra).
Mais dois encontros, ainda sem os convidados definidos, estão agendados para os dias 4 de março e 8 de abril, como parte da intenção de debater as questões que assolam os povos indígenas.
“Em um momento no qual a Amazônia se vê ameaçada por desenvolvimento desenfreado, desmatamento e garimpo ilegal, esta exposição apresenta uma narrativa multicamadas sobre violência e resistência. E usa a arte como plataforma para amplificar as vozes Yanomami, além de expor nossas responsabilidades na crise humanitária e ambiental que oprime sociedades indígenas mundo afora”, afirma Nogueira.