Nos anos 1990, a Pousada do Sandi, em Paraty (RJ), fez das fitas VHS distribuídas pela Paris Filmes, então comandada por seu fundador, Alexandre Adamiu, cartão de visitas. Nas vinhetas que antecediam os filmes, lá estava ela sendo apresentada ao público em seu imponente casarão histórico recém-reformado, com sua coleção de quadros de artistas locais e sofisticação que a fez ter o título de primeira hospedagem de luxo na cidade histórica.
Trinta anos depois, a estratégia está prestes a ser retomada. Agora, valendo-se dos cinemas para comunicar uma nova fase do empreendimento. Sai de cena a pousada pitoresca para dar lugar ao Sandi Hotel, decidido a se reafirmar no mercado de luxo com experiências conectadas com a comunidade e cultura locais.
“Queremos virar um case único, internacional, de turismo de luxo no Brasil, onde o hóspede terá toda a experiência num só local, contribuindo com a economia local e resgatando as raízes de Paraty”, afirma Sandi Adamiu, da segunda geração a frente do negócio.
O rebranding, que consumiu investimentos de mais de R$ 12 milhões nos últimos dois anos, incluiu a reforma completa dos 28 quartos instalados no imóvel colonial que nos tempos do império serviu como Casa da Moeda, a compra de três novos imóveis no mesmo quarteirão com foco na expansão e a criação de uma operadora de turismo para customizar experiências para os hóspedes.
“Vimos na crise uma oportunidade para crescer”, explica Adamiu, que junto com a mãe, a arquiteta Sandra Foz, decidiu “abrir mão de algumas aplicações financeiras” para investir no braço hoteleiro da família sem ajuda externa.
“Encaramos o risco sem medo de empreender. Percebemos na pandemia que famílias muito mais ricas que nós estavam desesperadas para ter o que tínhamos”, diz Adamiu, referindo-se a um refúgio de alto padrão junto à natureza.
Não à toa, neste período, o complexo Bom Jardim, a cerca de 15 minutos de barco do Centro de Paraty, foi oficialmente incorporado à operação hoteleira. Recanto exclusivo da família Adamiu desde a década de 1960, a propriedade inclui uma villa com sete suítes e um loft suspenso sobre o mar em um terreno com de mais de 30 mil m2 de Mata Atlântica nativa comprado por influência do pai do navegador Amyr Klink, amigo do patriarca.
“Já alugávamos, especialmente o Loft, para algumas poucas pessoas, mas agora eles entraram no portfólio”, conta o empresário, cuja família ainda detém 50% de participação na Paris Filmes.
Fundada por seu avô, na década de 1960, a empresa fez suas bases na distribuição de filmes do estúdio francês Pathé e posteriormente em blockbuster como a saga “Crepúsculo” e “Jogos Vorazes”. Em 2014 passou a também envolver-se na produção de filmes nacionais, com sucessos como as comédias “Minha Mãe é uma Peça” e “Se Eu Fosse Você”, e a série infantil “Detetives do Prédio Azul”.
Em 2019, criou o braço cultural, focado na produção de peças teatrais e musicais, entre eles os espetáculos “Silvio Santos Vem Aí”, que teve de ser interrompido com a pandemia, e “Ney Matogrosso – Homem com H”, previsto para estrear em setembro.
Em maio, o CEO da Paris Filmes, Márcio Fraccaroli, anunciou o lançamento de 61 filmes brasileiros de julho de 2022 a dezembro de 2025. Atualmente, Sandi Adamiu ocupa o cargo de diretor de expansão do grupo, com responsabilidade pela captação e relação com o mercado para o financiamento de novos projetos cinematográficos.
A mais recente joia no projeto de expansão do Sandi Hotel veio mesmo nesta semana, com a abertura oficial da Villa das Bromélias. Instalada em um terreno anexo ao hotel com quase 150 m2 de área construída, no que Sandi chama de Quadrado Mágico – por já contar com uma gelateria, uma loja Koppenhagen, bar, restaurante e operadora de turismo, todos da família – , abrigará quatro suítes de diferentes tamanhos que poderão ser alugadas individualmente ou como uma casa privativa, com piscina exclusiva.
Com direito a banheira, mobiliário Fernando Jaeger, lençóis Trousseau e obras do fotógrafo Gabriel Wickbold, as novas instalações terão diárias de R$ 1 mil a R$ 2,5 mil. O que fará com que o tíquete médio do empreendimento passe de R$ 1 mil para R$ 1,5 mil. Valor que, antes da pandemia, era de R$ 600.
Completam o complexo com paisagismo de Gilberto Elkis, uma extensão do bar Apotecário, comandado pelo bartender Ale D’Agostino, um mix de galeria e loja de arte com painel de 4,4 m x 1,48 de altura encomendado ao artista plástico Aecio Sarti, e o primeiro ateliê de cerâmica do centro histórico.
“Descobrimos que um dos melhores ceramistas da região trabalhava como garçom no hotel. Agora ele está contratado como artesão e dará oficinas exclusivas aos hóspedes”, diz Sandi. Durante a pandemia, mesmo no período em que houve paralização total das atividades, nenhum dos 80 funcionários foi dispensado. “Ao contrário, acabamos admitindo mais gente por conta das obras”, afirma Sandi.
Com ocupação na casa dos 65% antes da crise sanitária, a família aproveitou os meses de lockdown para renovar as estruturas. Sem o perigo de incomodar hóspedes, todo o piso de madeira nobre pode ser refeito, além dos projetos luminotécnico e de decoração. A cozinha, então vazia, pode finalmente ser readequada às exigências do novo padrão de excelência, que agora inclui peças de cerâmica Hermès e Noritake no serviço.
Para ajudar a sofisticar a experiência do cliente, a consultora de hospitalidade de Melissa Fernandes, que esteve à frente do hotel Unique e Unique Garden (SP) por quase 20 anos, também foi contratada.
“Foi o momento certo. Quando voltamos a reabrir foi uma euforia. A taxa de ocupação passou para 80% por vários meses. Com o fim das restrições, caiu para 72%, 73%. Ainda assim seguimos com a demanda mais alta do que antes. Com a volta dos festivais (de música, literatura, gastronomia e fotografia) o movimento aquece ainda mais, com reservas antecipadas”, explica o empresário.
De acordo com a Associação dos Hotéis do Rio de Janeiro (ABIH-RJ), nos primeiros meses de 2022, os hotéis e pousadas de Paraty tiveram 90% de ocupação. Índice idêntico ao registrado no mesmo período, em 2020. O pico veio em abril, durante o Carnaval, quando a ocupação bateu a casa dos 92%.
No Complexo Bom Jardim, localizado no Saco do Bom Jardim, na Baía de Paraty, a situação é ainda melhor, impulsionada pela alta no turismo de isolamento. Acessível apenas por barco, o loft com três suítes, criado antes mesmo da pandemia onde antes existia uma casa de barcos já está com reservas garantidas até novembro.
Com diárias de R$ 10 mil, ele abriga até seis adultos e uma criança e conta com serviço de arrumadeira, marinheiro e cozinheiro, sauna, academia de ginástica e equipamentos para atividades aquáticas na praia privativa de 300 m.
Para conseguir a casa principal é preciso um pouco mais de sorte. Ainda sob uso da família, ela é disponibilizada no máximo por 10 dias a cada mês, por R$ 20 mil por dia, para até 14 pessoas. Com sete quartos distribuídos em uma construção de 1.500 m2, ela também passou por renovação recente comandada pelo arquiteto Marcos Tomanik, que incluiu a criação de uma cozinha gourmet com equipamentos Viking.
“Lá o que vale é a percepção da experiência. Não é um negócio para ganhar dinheiro, mas neutralizar os custos e gerar valor para a operação hoteleira como um todo”, diz Sandi. Ambas as casas do complexo podem ser alugadas diretamente pelo site do hotel ou pela agência de turismo Matueté, especializada em experiências exclusivas para clientes ultra premium. A entrada no portfólio da agência Teresa Perez também está sendo negociada.
Novos ingredientes
Outra frente que começa a render frutos é a fazenda marinha, implementada há quatro anos no Pouso da Cajaíba em conjunto com uma família local caiçara e o laboratório da Universidade Federal de Santa Catarina. A iniciativa, que consumiu investimento total de cerca de R$ 700 mil, teve sua primeira colheita de vieras há um ano em meio e agora começa a produzir ostras e marisco.
“É um trabalho lindo de resgate da cultura caiçara e do acesso ao alimento fresco para criar uma experiência única para nossos hóspedes”, conta o empresário, que acaba absorvendo de 50% da produção. O restante é vendido a restaurantes parceiros da região, como o Gastromar, da chef Gisela Schmitt.
A visita à fazenda é feita com exclusividade pela Néctar Turismo, operadora recém-criada para atender os hóspedes do grupo. O passeio em lanchas privativas, com direito a explicação sobre as lanternas (gaiolas submersas), colheita de vieiras e degustação in loco, e pausas e outros pontos da baía sai a partir de R$ 3.500. Juntamente com as demais operações acessórias à hotelaria, a Néctar responde por 40% do faturamento do grupo.
Os dois outros imóveis recém-adquiridos no Quadrado Mágico ainda têm futuro incerto. Por enquanto, um foi ocupado parcialmente como estacionamento e escritório “com projeto orgânico, tipo Google” e o outro, usado como área de descompressão para os funcionários, dará apoio a projetos culturais da cidade.
Caso da Orquestra Sinfônica Municipal de Paraty, que conta com 60 jovens aprendizes e músicos da região, e de cuja associação Sandi é presidente. “Aprendi com a minha família que não existe luxo sem arte. Apoiar a cultura e os artistas locais está no nosso DNA”, pontua.