Mineiro de Caratinga e carioca de coração, Ruy Castro, 74 anos, é um dos biógrafos mais importantes da atualidade. Escreveu sobre os mais variados personagens: da vida de Carmen Miranda, cantora luso-brasileira que se americanizou, à do escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues. Em “A Estrela Solitária” narrou a saga do jogador de futebol Garrincha, livro que como os outros foi feito após muitas entrevistas e depois de “gastar a sola do sapato”, como gosta de dizer.
Seu primeiro grande sucesso foi logo na estreia, com “Chega de Saudade”, lançado em 1990, um compêndio sobre o surgimento da Bossa-Nova. Daí para a frente, não parou mais. Neste mês, o jornalista e escritor nos oferece um romance histórico, de não ficção, no qual apenas costura como narrador documentos de época.
Prepare-se para rir e muito, pois se trata de livro revelador e divertido para ler de uma sentada. Ao mesmo tempo em que nos mostra as fofocas da corte e a maneira como os americanos viam o Brasil em 1875, a obra nos deixa a par das conspirações republicanas.
Em “Os Perigos do Imperador - Um romance do Segundo Reinado” (leia resenha), além de declarar seu apreço por D. Pedro II, um político culto e avesso à bajulações como poucos, o autor aproveita para reabilitar o poeta maranhense Sousândrade, a quem chama de “Camões de hospício”.
Atualmente, Castro é colunista da Folha de S. Paulo e, apenas durante o verão europeu, do jornal português Expresso. Aqui, uma entrevista com ele para o NeoFeed, feita por e-mail, forma de comunicação que aprecia, já que não tem Whatsapp ou qualquer outra rede social.
Pelo que você diz na introdução, esse é um romance de não ficção. Você poderia explicar o porquê da escolha desse gênero novo?
Porque não sou um romancista nato. Não tenho imaginação para criar tramas. Em ficção, só consigo trabalhar com personagens que existiram de verdade e cuja vida eu possa pesquisar, como faço nas biografias. A diferença é que, nestas, não admito nenhum vestígio de ficção. Já na ficção tudo é possível, inclusive tratá-la como real.
Além de toda a pesquisa feita para a elaboração de “Os Perigos do Imperador”, há algo de acaso nele, como a descoberta quase aleatória dos manuscritos na Feira de Antiguidades da Praça XV, no Rio. Que significado o acaso desempenhou na vida de um escritor tão prolífico?
Todo escritor precisa do acaso, que alguns chamam de sorte. Como dizia o Nelson Rodrigues: “Sem sorte não se chupa nem um picolé. Você pode engasgar com o palito”.
Ao confrontar tantas fontes você transmite a ideia da tão falada parcialidade da imprensa, da diferença entre o que se fala e o que está por trás. Foi uma escolha proposital para dar uma visão mais ampla?
De certa forma, sim. Mas acho que minhas próprias opiniões sobre alguns personagens estão bem claras. Embora o personagem de D. Pedro II seja atacado por vários outros no livro, fica claro que sou grande admirador dele.
A publicação do livro no Bicentenário da Independência foi algo definido previamente ou ele já estava em andamento?
Não teve nada a ver. “Os Perigos do Imperador”, com a trama já definida, título escolhido e prazo acertado com a editora, começou há 10 anos. Só que, no caminho, fui tendo outras ideias e interrompendo o trabalho. Finalmente, no meio da quarentena pela pandemia, resolvi criar vergonha e terminá-lo.
Se é que é possível pensar o Brasil à luz do tempo, como você diria que estamos hoje, 200 anos depois?
Piores do que nunca. O Bicentenário, inclusive, é um testemunho da nossa incompetência. Aqueles que atribuem os nossos males à colonização portuguesa se esquecem de que somos independentes há 200 anos. Já não devíamos ter aprendido a cuidar de nós mesmos?
O livro reafirma seu compromisso com o humor. Para você é algo vital?
O humor não é algo que eu planeje ou busque. Apenas acontece, talvez porque faça parte de mim. Donde, sim, talvez seja vital. Parafraseando o poeta, finjo não levar a vida muito a sério.
Com frequência você escreve sobre os perigos do abuso de álcool e outras drogas. De que forma o consumo excessivo teve um papel nefasto em sua vida?
Não o chamaria de um consumo “excessivo”, mas letal. Duas garrafas e tanto de vodca por dia, durante alguns anos, podem matar. Os médicos me deram dois anos de vida se eu não parasse. Isso foi em janeiro de 1988. Deixei-me internar numa clínica, passei por tudo que se passa nesse processo, e que não é mole, e saí do outro lado, vivo, feliz e cheio de ideias. Para continuar daquele jeito, era só tentar não beber. E, hoje, 34 anos, seis meses e alguns dias depois, continuo tentando – até agora, com sucesso.
Qual será seu próximo livro?
Uma espécie de manual sobre como escrever biografias. Vai-se chamar “A Vida por Escrito”. Sai no fim do ano. Se tivermos fim do ano.