Era uma antiga fábrica de discos de vinil da Philips abandonada desde 2010, em Louviers, na Normandia. Mas a área então desolada e poeirenta ganhou muito mais glamour na última semana.

Nela foi erguido o mais recente ateliê da Hermès, de 6,2 mil m² e 500 mil tijolos produzidos na região, de onde saem preciosos itens de selaria e artigos icônicos da grife francesa, como a Constance e a Kelly, que custam respectivamente a partir de R$ 60 mil e R$ 70 mil no Brasil. Ao lado da Birkin ( a partir de R$ 80 mil), formam a trindade das bolsas mais cobiçadas no mercado de luxo.

As tradicionais filas de espera por elas se tornaram ainda mais longas. No último ano, a companhia viu as vendas de artigos de couro, que representam 43% dos negócios, crescerem 16%. De 2020 para cá, a Hermès tem acelerado a produção para minimizar os prazos de entrega, ainda que a manutenção da tal lista faça parte da própria aura de exclusividade destes modelos.

No novo ateliê da Hermès, 140 artesãos de couro são responsáveis pela produção de bolsas e artigos de montaria da grife de luxo francesa. A companhia vai dobrar a equipe assim que novos artesãos terminem sua formação na academia própria de marroquinaria.

Dos 12,4 mil funcionários da companhia na França, hoje 7 mil são artesãos. Na inauguração de Louviers, Axel Dumas, CEO da companhia, anunciou que com as novas aberturas de ateliês programadas para os próximos três anos espera aumentar a produção em 7% ao ano, para dar conta das encomendas.

Uma  bolsa Kelly, um dos focos do novo ateliê, consome cerca de 14 horas para ser montada, conta com “25 peças de ferragens visíveis e 20 invisíveis, e leva 130 passos para fazer um gancho de mola em sua alça de ombro. O minucioso processo é tão exigente quanto o de uma joia”, definem especialistas da casa de leilões Christie's.

Os valores destas it bags variam muito em função do couro e das ferragens utilizadas. A casa realizou vários leilões de peças de colecionadores da grife francesa no último ano, incluindo acervos de itens raros e personalizados.

Na temporada de primavera, uma mini Kelly 20 II alcançou um preço médio de US$ 32.760, um aumento de 6,5% em relação ao ano anterior. Versão mais sofisticada do modelo como em couro de crocodilo e ferragem de paládio, por exemplo, chegou a US$ 62.404, mais do que dobrando sua estimativa num evento em Paris.

Birkin 30 Togo, 2015 (18,9 mil euros); Mini Kelly 20 II, 2021 (63 mil euros); Constance 16, 2021 (US$ 14 mil) (créditos Christie's e Sotheby's)

A mais rara das Kellys, contudo, é a Himalaya, feita em couro de crocodilo perolado e com fecho em ouro branco e diamantes. Uma peça do ano de 2021 foi arrematada no ano passado por US$ 214 mil na Christie's. Na Sotheby's, a mesma versão no tamanho 25, alcançou o preço recorde de US$346,8 mil.

Em três anos, a Hermès já abriu dez ateliês, inaugura outros dois neste semestre além de Louviers e mais três entram em funcionamento até 2026. Só no ano passado foram investidos 192 milhões de euros nestas novas instalações.

São novos "forninhos" para dar conta do desejo represado por artigos de ultraluxo desde a pandemia, que não arrefeceu nem com a crise deflagada pela guerra da Ucrânia, muito menos com aumento de preços.

Este ano, a companhia anunciou o aumento de seus artigos entre 5% e 10% em todos os países, em função do custo dos insumos e de contratação de novos funcionários. Na última semana, a Hermès superou os 200 bilhões de euros em valor de mercado (218 bilhões de euros), uma valorização de 30%, turbinada, em especial, pelo apetite dos chineses por luxo pós-lockdown da Covid-19.

Kelly Himalaya, (2021) arrematada no ano passado por US$ 214 mil na Christie's

Há o entendimento no mercado da resiliência desta indústria, em geral a última a sofrer com desacelerações econômicas e a primeira a se recuperar, como está se vendo. Com isso, a Hermès ocupa o segundo lugar no ranking de luxo, atrás apenas do grupo LVMH avaliado em 420 bilhões de euros. E supera o resultado combinado, segundo levantamento da Bloomberg, de empresas como Airbus, Renault, Vivendi, Carrefour, Orange e Societé Generale.

O mercado de segunda mão

Sem poder atender a todos os pedidos das mais de 300 lojas pelo mundo em 45 países, sendo três butiques no Brasil, a companhia viu ainda um mercado paralelo prosperar nos sites de segunda mão, com muitos compradores investindo nestas peças como ativos.

No The Real Real, um dos maiores e-commerces de revenda de artigos de luxo, a Hermès ficou entre as dez marcas que viram a busca por suas bolsas crescer 41% de 2022 para 2021. E, em vários casos, mesmo usada, a peça supera o valor de uma nova. Em 2020, o The Real Real, em plena pandemia, vendeu o Birkin 25 a uma média de 210% de seu preço de varejo original.

E mesmo no ano passado um modelo Birkin 25 teria alcançado o maior valor revenda entre todas as bolsas do site, segundo seu report anual. No e-commerce britânico Lyst, por sua vez, a procura por bolsas Hermès cresceu 430% em 2022.

Os leilões também se tornaram um caminho para contornar a fila de espera, segundo a Christie’s. Além disso, o mercado secundário da Hermès “amadureceu do nicho de colecionadores para compradores do mundo todo”, avaliaram os especialistas da casa de leilões. Por isso, Dumas corre para inaugurar novos ateliês, tirar mais ícones dos "forninhos" e vendê-los em suas próprias lojas.