No auge da carreira, nos anos 50, Jerry Lee Lewis costumava chutar o banquinho do piano para trás, enquanto batia feito louco nas teclas. “Eu era endiabrado no palco, por ter tantos rivais. Elvis Presley sacudia para todos os lados, e Little Richard pulava no piano. Eu tinha de fazer alguma coisa”, conta o cantor, compositor e pianista no documentário “Jerry Lee Lewis: Trouble In Mind”.

Apresentado nesta 75ª edição do Festival de Cannes, em sessão especial, fora de competição, o filme repassa a vida do músico americano que foi um dos pioneiros do rock and roll. Aos 86 anos, ele é o único vivo entre os que abriram caminho para o gênero musical que mudou o mundo, virando um estilo de vida.

Quem faz a homenagem a Lewis, resgatando o legado do homem considerado um dos pianistas mais influentes do século 20, é o cineasta Ethan Coen. Ele é mais conhecido pela parceria com o irmão, Joel Coen, em obras de ficção como “Onde os Fracos Não Têm Vez”, vencedor do Oscar de melhor filme de 2008.

Para entender melhor quem é Lewis e qual a sua importância, o documentário faz uma compilação de entrevistas dadas pelo próprio artista (sempre bem-humorado) e por outros nomes da música. No caso do cantor, nada é muito recente.

Só vemos Lewis como octogenário em trechos de um concerto de música gospel ocorrido em janeiro de 2020, interpretando a canção “Amazing Grace”. Em 2019, Lewis sofreu um derrame, o que o impediu de se apresentar temporariamente. Mas ele reaprendeu tanto a cantar quanto a tocar piano, voltando a exibir as suas habilidades nesse show.

Os depoimentos do cantor mais jovem, em diferentes estágios de sua carreira, são costurados com trechos de performances mais antigas, lembrando como ele incendiava o palco, levando os fãs ao delírio.

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“Gravei as minhas músicas de maior sucesso em uma tacada só. Imaginem só o que eu poderia ter feito, se eles tivessem me deixado ensaiar primeiro”, conta, rindo, o responsável por hits como “Whole Lotta Shakin ‘Goin’ On” e “Great Balls of Fire”, lançados em 1957.

O seu modo distinto de tocar piano nessas canções é o que os especialistas consideram ter sido crucial para o nascimento do rock. Lewis desenvolveu um estilo próprio ao extrair um som estridente e obter um efeito mais dramático, além de tocar em pé.

A sonoridade que ele produzia era uma combinação de rhythm and blues, boogie-woogie, gospel e country. “O rock and roll é a melhor música que já existiu e que existirá, tenha ela raízes no gospel, no R&B ou na música negra”, diz Lewis, no documentário de 78 minutos, ainda sem data para estrear no Brasil.

Ethan Coen resgata a biografia de um dos músicos mais influentes da história

Apelidado de “The Killer” (O Matador), por conta de seus shows eletrizantes, Lewis começou a carreira no Memphis, no Tennessee, na gravadora Sun Records, a mesma que lançou Elvis Presley – o que acentuava ainda mais rivalidade entre os dois.

Lewis até tinha chance de conquistar o título de Rei do Rock, mas a coroa acabou na cabeça de Presley, à medida que a trajetória profissional do pianista foi abalada por escândalos – o que o documentário aborda.

O fato de Lewis ter se casado, na faixa dos 20 anos, com a sua prima de segundo grau, Myra Gale Brown, de 13 anos, incomodou os fãs e afetou a sua carreira. Assim que a notícia se espalhou, a turnê que o cantor fazia pelo Reino Unido foi cancelada, ainda no seu início. Ao todo, foram seis casamentos.

Outras controvérsias também ajudam a consolidar a fama de “bad boy” que Lewis ganhou. Como o disparo acidental em seu baixista Butch Owens, que sobreviveu apesar de ter sido atingido na barriga, em 1976. Em sua defesa, Lewis disse ter pensado que o revólver estava descarregado.

O cantor também foi preso por um desentendimento na entrada da mansão de Elvis Presley, em Graceland. Lewis, que alega ter sido convidado, apontou uma arma, a princípio de brincadeira, para os seguranças que não tinham sido avisados da visita e não queriam deixá-lo entrar. Lewis ainda teve muitos problemas em função do abuso de álcool e de drogas.

“É melhor não acreditar em tudo que ouvimos e lemos”, afirma o cantor, que foi interpretado por Dennis Quaid, na cinebiografia de 1989 intitulada “A Fera do Rock”. “Se tudo fosse verdade, eu ficaria muito tempo na cadeia. Sou um bom garoto”, completa ele, rindo.

Como o documentário aponta, Lewis foi o mais louco dos pioneiros do rock. “Ele não toca rock and roll. Ele é rock and roll”, disse Bruce Springsteen, referindo-se à lenda do gênero, que nunca deixava outros artistas abrirem ou encerrarem seus shows. Ele sempre era o único da noite. “Não há ninguém qualificado o suficiente para isso”, afirmou Lewis, soltando uma gargalhada.