Na história do cinema, O Último Tango em Paris, de 1972, será sempre lembrado pelo escândalo que causou com a simulação de sodomia entre Marlon Brando e Maria Schneider, na “cena da manteiga”. E o fato de a atriz ter revelado o abuso, declarando que a sequência não fora consensual, só colocou mais lenha na fogueira.

Toda essa polêmica é reaquecida agora em Meu nome é Maria, uma cinebiografia que resgata sobretudo os bastidores da produção erótica rodada, pelo italiano Bernardo Bertolucci. Como já adianta o título do filme, com lançamento no dia 27 nos cinemas brasileiros, o escândalo é repassado exclusivamente pela ótica da atriz francesa.

Por mais que ninguém possa ter certeza do que aconteceu naquela filmagem, o roteiro traz o olhar feminino por ser baseado no livro Tu t’appelais Maria Schneider ("Você se chamava Maria Schneider"). A obra de não ficção foi publicada em 2018 pela jornalista Vanessa Schneider, do Le Monde, prima da atriz. O parentesco reforça que a intenção é honrar a trajetória de Maria, marcada para sempre pela cena infame com Brando.

O ponto de vista de Maria é uma espécie de reparação, já que a atriz acabou silenciada na época. Ela só tinha 19 anos e ainda estava em início de carreira, o que a deixava desacreditada diante de dois homens mais velhos e com mais bagagem no cinema, como Brando e Bertolucci. Eles tinham 48 anos e 31 anos, respectivamente, quando o filme foi realizado.

Dirigido pela francesa Jessica Palud, que curiosamente foi assistente de Bertolucci em Os Sonhadores (2003), Meu nome é Maria insiste que a forte cena da manteiga foi planejada sem o conhecimento da atriz. Ator e cineasta teriam decidido sozinhos, preferindo esconder dela o que aconteceria no chão daquele apartamento em Paris.

Até porque Bertolucci estava interessado em registrar a raiva, a humilhação e as lágrimas reais de Maria e não da sua personagem. Em entrevista concedida em 2013, o próprio Bertolucci (morto em 2018, aos 77 anos, de câncer no pulmão) confessou que a ideia era capturar “a reação de uma garota’’ naquela situação. E não a interpretação de uma atriz.

Antes de rodar, o que se vê na cinebiografia é o diretor (vivido por Giuseppe Maggio) avisando que a cena será intensa e pedindo que Maria (interpretada por Anamaria Vartolomei) “se deixe levar”. E quando Bertolucci grita “ação!” no set, não há muito o que a atriz, mantida com força no chão por Brando e aterrorizada com simulação de violência sexual, possa fazer.

Só depois dessa cena, dá para entender melhor o que levou Bertolucci a escalar uma atriz praticamente desconhecida para contracenar com Brando.

A cinebiografia é baseada no livro "Tu t’Appelais Maria Schneider", de Vanessa Schneider, prima da atriz (Foto: Divulgação)

Matt Dilon vive o ator Marlon Brando (Foto: Divulgação)

Cena de "O Último Tango em Paris", de 1972, quando Maria tinha 19 anos e Brando, 48 (Foto: themoviedb.org)

Vivido aqui por Matt Dillon, o ator já era um ícone de Hollywood, quando foi convidado para encarnar o viúvo americano que exorciza o sofrimento pelo suicídio da mulher na paixão carnal por uma jovem parisiense.

“Eles não me deram escolha’’, diz Maria, ao se referir à cena da manteiga, na cinebiografia. Mesmo que não tenha ocorrido penetração durante a filmagem (o que durante certo tempo fez parte da controvérsia), a atriz se revolta. Ela alega que tinha o direito de saber o que aconteceria.

Mas ninguém parece se importar. Até o agente, quem deveria cuidar do bem-estar da atriz, insiste para que ela ignore o episódio nas entrevistas e pare de choramingar pelos cantos. Do contrário, Maria não será mais chamada para qualquer trabalho, avisa ele. Ainda assim, a atriz tentou contar a sua história, ainda que ninguém quisesse ouvir a verdade.

De fato, O Último Tango em Paris repercutiu negativamente em toda a sua vida. No cinema, ela encontrou muitas dificuldades para ser levada a sério, recebendo convites para viver personagens que pareciam tirar a roupa por qualquer motivo.

Na vida pessoal, ainda foi alvo constante do piadinhas sobre "manteiga", além de ter sido motivo de “vergonha” para a família. E como não tinha preparo psicológico para enfrentar uma exposição tão danosa, Maria se deixou destruir, caindo nas drogas, como cocaína e heroína, o que culminou com várias internações em hospitais psiquiátricos.

Maria morreu em 2011, aos 58 anos, vítima de câncer, sem o reconhecimento que merecia pela sua coragem.

Ela foi uma das primeiras atrizes a denunciar o comportamento masculino tóxico e predatório no cinema. Vale lembrar que esse tipo de abuso só ganhou espaço na mídia com os movimentos feministas Me Too e Time’s Up, nascidos após a enxurrada de denúncias de assédio e abuso sexual contra Harvey Weinstein, a partir de 2017.

"Pelo que fizeram comigo, Bertolucci e Brando nunca pediram desculpas”, comenta Maria, no filme, como quem nunca conseguiu superar o trauma.