O post no X trata logo de avisar: “Isto não é a Theranos 2.0”. Não é, mas parece. Muito. Como a healthtech fundada por Elizabeth Holmes, em 2003, a Haemanthus promete revolucionar a medicina diagnóstica, com “uma abordagem radicalmente inovadora para os exames laboratoriais”.
Déjà vu? Espere até conhecer o nome do fundador da nova startup… Billy Evans, marido da notória golpista do Vale do Silício — condenada a 11 anos de prisão por fraude eletrônica e conspiração, desde maio de 2023, ela cumpre pena na cadeia federal feminina de Camp Bryan, no Texas.
Aos 33 anos, formado em economia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), Billy está em busca de financiadores para a empresa, lançada há cerca de um ano e meio, na cidade texana de Austin. Ele já teria levantado US$ 18 milhões, junto a parentes e amigos. E, algumas semanas atrás, começou a campanha para a arrecadação de mais de US$ 15 milhões.
De acordo com os documentos apresentados a potenciais investidores, aos quais o jornal The New York Times teve acesso, a Haemanthus pretende arrecadar, ao longo dos próximos três anos, entre US$ 50 milhões e US$ 70 milhões.
Na publicação no X, em resposta à reportagem do periódico nova-iorquino, a healthtech de Austin faz questão de reforçar a sua independência tanto em relação a Elizabeth quanto ao sistema desenvolvido pela Theranos.
“A Theranos tentou miniaturizar os testes existentes. Nossa abordagem é fundamentalmente diferente. Usamos luz para ler a história molecular completa em fluidos biológicos, identificando padrões que os testes atuais não conseguem detectar”, lê-se na postagem. “Não é uma melhoria. É um paradigma diferente.”
A equipe da startup de Billy teria criado uma máquina de laser capaz de escanear e analisar a nível molecular fluidos corporais, como sangue, saliva e urina. Em poucos segundos, por intermédio de ferramentas de inteligência artificial, seria possível quantificar e qualificar “milhares” de biomarcadores e, assim, detectar uma vasta gama de doenças — de infecções mais corriqueiras a câncer.
Ao fim e ao cabo, é o que prometia a Theranos: a realização de duas centenas de exames diferentes com apenas algumas gotas de sangue, obtidas por uma simples picada no dedo. Aliás, o equipamento da Haemanthus é de aparência muito semelhante ao criado por Elizabeth e batizado de Edison.
Em um primeiro momento, a startup texana está mirando o mercado veterinário. Quando a tecnologia estiver bem consolidada, a ideia é partir para os exames em humanos, conforme as informações levantadas pelo NYT.
Nos registros públicos do Texas, o único investidor identificado é Matthew E. Parkhurst, sócio de um bar de tapas no centro de Austin. O capitalista de risco James Breyer, um dos primeiros a apostar no Facebook, foi convidado a participar da Haemanthus, mas não topou — “por muitos dos mesmos motivos pelos quais recusamos a Theranos duas vezes”.
"Flor de sangue"
Por decisão da Justiça, Elizabeth está proibida de assumir qualquer cargo executivo em uma companhia de capital aberto por dez anos.
Não há, no entanto, nenhuma restrição quanto à sua participação em empresas fechadas, o que leva muita gente a acreditar que, informalmente, ela está por trás da Haemanthus, ajudando Billy na construção do novo negócio — ele que fez carreira na Luminar, empresa americana de carros autônomos.
À notícia da busca de investimentos pela nova empresa, a internet reagiu com ceticismo e escárnio. “Por que a síndrome do impostor não afeta esse pessoal?!” ou “Como isso pode ser verdade?” foram algumas das manifestações apenas no Instagram. Há muito mais.
Para o pesquisador Tyler Schultz, ex-funcionário da Theranos e um dos denunciantes da healthtech, não há dúvidas de que a Haemanthus tem o dedo de Elizabeth. Em artigo na plataforma STAT, dedicada a notícias de saúde, medicina e ciência, ele diz: “Eu sempre soube que Elizabeth Holmes teria um segundo ato. Mas estou chocado que comece enquanto ela ainda está atrás das grades”.
Até o nome da startup lhe soa familiar. Em vez de combinar as raízes gregas de therapeía e diagnosis, como fez com a Theranos, desta vez são haema e anthos — palavras gregas que significam "sangue" e "flor", anota Schultz.
"Me apaixonei"
Elizabeth e Billy se conheceram em 2017, por intermédio de um amigo em comum, quando ela já estava mergulhada em uma saraivada de denúncias de fraude. No ano seguinte, seis dias antes de a Theranos fechar, os dois apareceram em público pela primeira vez juntos — no badalado festival Burning Man, realizado anualmente no deserto de Black Rock, em Nevada.
O relacionamento avançou rapidamente, apesar dos problemas legais de Elizabeth e da objeção da família de Billy — ele é herdeiro da rede de hotéis Evans, fundada por seus avós em 1953, em San Diego, atualmente dona de três propriedades na costa oeste americana.
"O resto do mundo deixou de existir", escreveu ele, em carta ao juiz responsável pela sentença de Elizabeth, em setembro de 2022, obtida pela revista People. "Fiquei cativado por sua admiração infantil e autenticidade. Ela ouvia com mais atenção do que qualquer pessoa que eu já tivesse conhecido. Conversamos por horas, perdi a noção do tempo e, mesmo sem saber... me apaixonei."
Logo eles foram morar juntos, em um apartamento em São Francisco, e o anel de sinete com a insígnia do MIT, que, desde a formatura em 2015, não saía do dedo mindinho dele, foi pendurado em um colar ao redor do pescoço dela.
No início do namoro, o casal ainda adotou o husky siberiano Balto — ela teria escolhido a raça, fascinada pela informação de que o genoma dos huskies remonta a um lobo ancestral, relata a plataforma The Cut.
Elizabeth e Billy teriam se casado em uma cerimônia secreta em 2019, na cidade de San Jose, na Califórnia, conforme o jornal inglês Daily Mail — a união de papel passado, porém, nunca aconteceu. O fato é que, em julho de 2021, poucos meses antes de sua condenação, ela deu à luz William. E, dois anos depois, em fevereiro de 2023, nasceu a menina Invicta.
Os advogados de Elizabeth tentaram adiar o encarceramento, alegando que a recém-nascida não poderia ser afastada da mãe. A estratégia, porém, não funcionou. E, para ficar perto da mulher, Billy se mudou com as crianças para Austin, onde vivem no sofisticado bairro de South Lamar.
Da casa deles à cadeia, onde ela cumpre pena, leva-se cerca de uma hora e 45 minutos.
E, duas vezes por semana, os três visitam Elizabeth. Em fevereiro de 2024, por exemplo, Billy, William e Invicta comemoraram o aniversário de 40 anos da detenta federal 24965-111, com um piquenique nos jardins da penitenciária. Juntaram-se a eles Noel e Christian Holmes IV, pais de Elizabeth, informa o jornal The New York Post.
Em sua primeira entrevista depois de presa, cerca de três meses atrás, Elizabeth conta à revista People que, mesmo presa, segue trabalhando em “pesquisas e invenções”, comprometida em tornar a saúde acessível a todos. Como escreve um usuário do Instagram: “Alguém aí sentiu um frio na espinha?”