Pode parecer difícil de acreditar, mas aconteceu. Em uma mesma família, mãe e filha ganharam três prêmios Nobel. E isso, em uma época em que a presença feminina nas ciências era raríssima. Marie Curie, a mãe, polonesa naturalizada francesa, uma das maiores cientistas de todos os tempos, foi a primeira mulher da história a ser agraciada com a honraria da academia real sueca.
Em 1903, levou o Nobel de Física e, oito anos depois, o de Química. E Irène Curie-Joliot, sua primogênita, recebeu o prêmio, em 1935, na categoria química, junto com o marido Frédéric Joliot. Ambas morreram vítimas de leucemia, em decorrência das experiências com radioatividade. Marie, aos 66 anos, em 1934. E Irène, aos 58, em 1956.
A caçula de Marie e o marido Pierre Curie, Ève Denise Curie Labouisse, não tinha pendor pelas ciências exatas. Escolheu a música, as letras e a diplomacia. Mas, como a mãe e a irmã, foi uma mulher à frente de seu tempo. É de sua autoria a premiada biografia Madame Curie, lançada em 1937 e até hoje fonte de informação sobre a cientista.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Ève teve papel fundamental no serviço de informação francês. Foi correspondente na África, na então União Soviética e na Ásia. Entrevistou e conviveu com algumas das figuras mais importantes do século 20 — o primeiro-ministro britânico Winston Churchill, a primeira-dama americana Eleanor Roosevelt, o xá iraniano Reza Pahlevi, o líder chinês Chiang Kai-shek e o pacifista indiano Mahatma Gandhi. E testemunhou o o nascimento do século 21. Morreu em 2007, aos 103 anos.
A história das três chega ao Brasil no livro Marie Curie e suas filhas — livres, geniais, pioneiras, inspiradoras, poderosas, da francesa Claudine Monteil. A narrativa entrelaça a ciência e a vida pessoal de cada uma delas. A leitura é fluida, como em um romance, mas com a precisão de dados históricos e técnicos de uma obra de não-ficção.
Através das experiências das Curie — uma vai sucedendo a outra no centro da narração — o livro toca em temas como a luta pela igualdade de gênero, a importância da educação e o papel da ciência na sociedade. Com elas, acompanhamos a evolução dos direitos das mulheres.
As dificuldades enfrentadas por Marie e Irène vão do esforço em obter financiamento para pesquisas às críticas sexistas e xenófobas. Nada, porém, que enfraquecesse a obstinação das duas como cientistas. Com elas, acompanhamos a evolução dos direitos das mulheres.
Tão fascinante quanto a vida das três foi a relação entre elas, marcada por um amor profundo e uma admiração mútua.
Marie nasceu e cresceu na Polônia como Maria Sklodowska. Estudou precariamente, em meio à pobreza e à saúde debilitada da mãe, que evitava o contato com os filhos com medo de infectá-los. Incentivada pelo pai e pelas irmãs a seguir com os estudos. Ela se formou em física a e química em Paris, onde se casou com o físico Pierre Curie. A partir daí, escreveu seu nome na história da ciência e da medicina.
Além de primeira mulher a ganhar um Nobel, foi a primeira pessoa a ser agraciada com o prêmio em duas categorias diferentes. Se seu legado como cientista é conhecido, pouco se conhece sobre Marie como mãe. E menos ainda sobre suas filhas.
Após a trágica e inesperada morte do marido, o grande amor de sua vida, em 1906, atropelado por uma carruagem, a cientista passou a criar sozinha as duas filhas pequenas. A mais velha tinha oito anos e a mais nova, estava prestes a completar dois.
Proporcionou a elas uma educação e experiências riquíssimas. Insatisfeita com a qualidade das escolas parisienses da época, Marie formou um grupo de acadêmicos ilustres para dar aulas às meninas em casa. Entre eles, estava o célebre matemático Henri Poincaré (1854-1912). Ela levou as filhas em viagens transatlânticas em busca de financiamento para sua pesquisas e o Instituto do Rádio, em Paris.
Há, o tempo todo, passagens tocantes nessas histórias, como aquela corrida na Primeira Guerra Mundial. Marie idealizou ambulâncias equipadas com aparelhos radiológicos, batizadas “pequenas Curies”. Foi para o front, operar as máquinas, levando junto as filhas adolescentes. Graças à iniciativa, os diagnósticos ganharam precisão e muitas vidas foram salvas.
Entre as matérias-primas para Claudine construir sua narrativa estavam cartas trocadas entre a mãe e as filhas e entre as irmãs.
Além da genialidade para a física e a química, Marie e Irène tinham personalidades complexas e voluntariosas, que as levaram, pela coragem, inteligência e engajamento, a ajudar na construção do conturbado século 20.
A escritora vem, ela também, de uma prestigiosa família de cientistas. Seu pai, Jean-Pierre Serre, matemático, recebeu a medalha Fields, e sua mãe, Josiane Serre, química, foi diretora da Escola Normal Superior de Moças, onde Marie e Irène deram aula.
Estudiosa e especialista na vida e na obra de Simone de Beauvoir, é autora de uma dezena de livros que foram publicados em várias línguas, dentre eles Os amantes dos tempos modernos: Oona e Charles Chaplin, de 2002.