BERLIM - Um dos maiores cineastas americanos vivos, Martin Scorsese está acostumado a ouvir as histórias de como seus filmes marcaram gerações de fãs e sobretudo de diretores.
Em suas aparições públicas, no entanto, é Scorsese quem insiste em listar os grandes nomes do cinema que, desde a sua infância, influenciaram a sua visão atrás das câmeras.
“Os primeiros filmes que vi da Índia, de Satyajit Ray, foram na televisão, dublados em inglês e com intervalos comerciais”, contou o cineasta, na recém-encerrada 74ª edição do Festival de Cinema de Berlim.
No evento alemão, que teve cobertura do NeoFeed, o diretor de 81 anos, com mais de 40 longas, na carreira, recebeu um Urso de Ouro honorário pela contribuição artística ao longo de uma trajetória profissional de seis décadas.
Com Ray, mais conhecido por A Canção da Estrada (1955), Scorsese diz ter aprendido a expandir seus horizontes, interessando-se por outras culturas.
“Ao ver os seus filmes, percebi que os seus personagens eram os que faziam pano de fundo nas produções inglesas, francesas ou americanas da época. E logo percebi que, embora eles vivessem em pequenas aldeias na Índia, não havia diferença entre nós", conta.
No geral, foi o cinema que abriu os olhos de Scorsese para o mundo. “Meus pais eram alfabetizados, mas não tinham livros em casa. Eu trouxe os primeiros livros, obras que estavam conectadas com os filmes que eu via, principalmente estrangeiros, incluindo muitos franceses e italianos”, lembra o diretor, hoje uma grife cinematográfica.
A visão mais ampla sobre os povos colonizados, uma influência de Ray, continua forte na filmografia de Scorsese. Um exemplo recente é Assassinos da Lua das Flores, drama sobre as maquinações contra uma família da tribo indígena Osage, que conquistou fortuna com a descoberta de depósitos de petróleo em suas terras.
Por serem “os indígenas mais ricos do mundo”, graças aos royalties recebidos com a exploração, eles são eliminados misteriosamente por pessoas próximas interessadas em seus bens.
Assassinos da Lua das Flores concorre, em 10 de março, a dez prêmios Oscar, em Los Angeles. As indicações incluem a de melhor filme, melhor diretor, melhor atriz (Lily Gladstone) e melhor ator coadjuvante (Robert De Niro).
Esta é a 10ª indicação de Scorsese pelo trabalho na direção, categoria em que ele venceu em 2007, com Os Infiltrados. O foco do filme é o duelo entre a máfia irlandesa e a polícia de Boston, na costa leste dos Estados Unidos.
“O que está na moda, costuma morrer rapidamente. Só um filme de mais valor continua poderoso, mesmo se visto muitos anos depois’’, defende Scorsese, admirador confesso de Akira Kurosawa, Pier Paolo Pasolini, Orson Welles, Federico Fellini, François Truffaut e Ingmar Bergman.
“Nos meus anos de formação, Ingmar Bergman, nos acostumou mal, com um filme novo a cada ano. Na época, seus filmes eram revolucionários”, conta Scorsese, lembrando que as obras do sueco o influenciam até hoje, no sentido de instigarem discussões espirituais e transcendentais. Sobretudo O Sétimo Selo (1957), em que um cavaleiro joga xadrez com a morte.
Mais lembrado por produções grandiosas, com muita atenção aos detalhes e movimentos de câmera meticulosamente calculados, Scorsese fez seu nome com dramas policiais épicos. Como Caminhos Perigosos (1973), Taxi Driver (1976), Os Bons Companheiros (1990), Cassino (1995) e Gangues de Nova York (2002) – títulos que deixam transparecer a sua fascinação pelo submundo e tipos marginais.
O filme que registra a revolta de um taxista emocionalmente instável pelas ruas de Nova York, vivido por Robert De Niro, evoca outra grande inspiração cinematográfica de Scorsese. O modo como a dupla de diretores Michael Powell e Emeric Pressburger filmou os close-ups do ator Robert Helpmann, com seus olhos penetrantes, em Os Contos de Hoffman (1951) foi “copiado” por Scorsese, como ele mesmo admite, na cena do protagonista Travis Bickle no táxi, olhando no espelho.
Já as cenas de luta de Touro Indomável (1980), sobre um boxeador de estilo violento, foram moldadas a partir do duelo de Coronel Blimp - Vida e Morte (1943), título também assinado por Powell e Pressburger.
“Quando tinha 10 ou 11 anos, eu assistia aos seus filmes na televisão, repetidamente”, recorda Scorsese. Na Berlinale, o cineasta apresentou o documentário Made in England: The Films of Powell and Pressburger.
Scorsese não só produziu como narrou a produção, prevista para chegar ao Brasil pela MUBI, mas ainda sem data de lançamento.
“Os filmes da dupla tiverem um efeito profundo na minha sensibilidade como diretor, em tudo o que já fiz", revela. "De tão enfeitiçado que fui pelo seu trabalho na minha infância, eles fazem parte da minha consciência cinematográfica.” E, agora, é Scorsese quem nos enfeitiça.