A vida do empresário e artista gráfico Mauricio de Sousa, pai da Turma da Mônica, é tão extraordinária que não está no gibi, como diz a expressão popular. Ops, está sim, pois já rendeu várias revistinhas contando sua história e quatro livros autobiográficos publicados nos últimos 30 anos. E também daria um filme. Quer dizer, acaba de dar.
Na próxima quinta-feira, 23 de outubro, estreia nos cinemas de todo o país Mauricio de Sousa – O Filme, que retrata a infância do autor, na década de 1940, em Mogi das Cruzes, na região metropolitana de São Paulo, e sua ascensão até se tornar um dos desenhistas mais influentes do Brasil a partir dos anos 1960.
A produção do longa é da Focus Films e da Boa Ideia Entretenimento, com coprodução e distribuição da The Walt Disney Company Brasil e colaboração da MSP Estúdios. Será o principal evento de uma extensa programação para marcar o aniversário de 90 anos de Mauricio, em 27 de outubro.
Nesta semana, chega às livrarias o álbum Mauricio 90, em capa dura e capa cartão, no qual 90 artistas de todo o país criaram pequenas HQs em sua homenagem. “Pesquisei e, no Brasil, é a maior coletânea de autores para celebrar alguém”, afirma ao NeoFeed, orgulhoso, o editor Sidney Gusman, que levou nove meses para coordenar o projeto.
O ano terminará com Mauricio Repórter, HQ sobre seus primeiros passos na Folha de S.Paulo como repórter policial, em 1959, enquanto tentava publicar as primeiras tiras no jornal. Escrita por Flavio Teixeira, roteirista veterano da MSP, e desenhada por Mauro Souza (que não é filho do artista e assina com “z”), a obra integra o selo Graphic MSP.
O livro promete emoção, segundo Gusman. “O selo faz releituras dos personagens para o público jovem adulto. Mas pensei: se ele já apareceu tantas vezes nos gibis, por que não? Quis autores da própria MSP, e Flavio e Mauro têm longa e carinhosa história com ele. O resultado está belíssimo”.
Por limitações da idade e da saúde, a família decidiu que o artista não participaria publicamente das atividades, embora siga simbolicamente à frente do grupo.
Os números do negócio, levantados a pedido do NeoFeed, impressionam: mais de 1 bilhão de revistinhas vendidas da Turma da Mônica — Mônica, Cebolinha, Magali e Cascão — em quase seis décadas pelas principais editoras do país. Chico Bento, fora do núcleo principal, vendeu mais de 1 milhão de exemplares apenas no ano passado.
Nos últimos seis anos, a Mauricio de Sousa Estúdios investiu R$ 63 milhões em produções audiovisuais e movimentou R$ 200 milhões em projetos. A MSP é um dos maiores estúdios de quadrinhos do mundo, com 1,2 mil páginas mensais e quase 15 mil páginas por ano.
Desde os anos 1950, Mauricio criou mais de 400 personagens. No licenciamento, já são 4 mil produtos e 200 empresas parceiras. No audiovisual, a MSP realizou sete produções em 2024, entre filmes, animações e séries live-action.
Em 2018, eram apenas duas — Turma da Mônica e Mônica Toy —, número que saltou para 22 projetos em seis anos, com apoio de mais de 15 produtoras e empresas de mídia. A sede do grupo, no bairro da Lapa, na capital paulista, tem 3.162 metros quadrados.
Emoção de filho
Com direção de Pedro Vasconcelos, o filme mostra como Mauricio nadou contra a corrente em um mercado que praticamente não existia no Brasil, o de histórias em quadrinhos. Inspirado em Walt Disney, ele queria que jornais de todo o país publicassem suas tiras, quando o normal era importar material americano.
Filho do quadrinhista mais famoso do Brasil, Mauro Sousa encara agora um dos papéis mais simbólicos de sua carreira: interpretar o próprio pai nos cinemas. A escolha, segundo ele, surgiu naturalmente nas conversas com o diretor. “Depois de muitas trocas, ele me convenceu de que eu seria a pessoa ideal”, conta Mauro, em entrevista ao NeoFeed.
A semelhança física ajudou, mas o essencial foi a convivência e a intimidade com o universo de Mauricio. “Sou ator formado, mas o principal foi a proximidade que sempre tive com meu pai”, observa.
Do outro lado, o criador reagiu com entusiasmo. “Ele ficou muito feliz e confiante por eu ter aceitado esse desafio. Acho que, no fundo, já imaginava que isso pudesse acontecer”, diz Mauro, que também tem carreira no teatro e na música.
O ator não esconde o orgulho do resultado. “Meu pai sabia que eu conheço profundamente sua história, suas emoções e a essência do que ele viveu.”
Mauricio chegou a assistir a um dos primeiros cortes do longa, mas não à versão final. “Muita coisa mudou desde então, e estamos todos ansiosos para ver a reação dele ao assistir à própria história ganhando vida nas telas”, revela.
Para viver o papel, Mauro mergulhou em um processo intenso. “Busquei fazer tudo da forma mais fiel possível. Durante as gravações, conversava muito com meu pai, ligava para esclarecer certos momentos, ouvia relatos antigos, revivia lembranças de família.”
Mais do que reproduzir fatos, o objetivo era compreender sentimentos, destaca. “Quis entender como ele enfrentava medos, alegrias, incertezas. Foi uma preparação de muita escuta e imersão na história dele — que, de certa forma, também é a minha”, diz.
Reviver as dificuldades do início da carreira se tornou o momento mais delicado: “Foi bastante intenso, porque existia uma dimensão emocional muito forte. Ele passou por muitas dificuldades até ver seus sonhos ganharem forma, e representar isso, sendo filho, foi o maior desafio da minha carreira até hoje”.
A experiência também mudou a forma como Mauro enxerga o pai. “Conheci um lado dele que, embora tenha convivido a vida inteira, era inédito para mim. O filme mostra o otimismo e a persistência que ele sempre teve, apesar dos desafios”, lembra Mauro. “Essa forma de lidar com o mundo — e sempre com um sorriso enorme — explica muito do sucesso que ele conquistou.”