O maior craque do futebol mundial de todos os tempos, que morreu na tarde desta quinta-feira, 29 de dezembro, viveu para ver com serenidade seu nome virar lenda e encarar as muitas tentativas de colocá-lo no mesmo nível de jogadores extraordinários cujos legados desmoronaram à sombra dos números impressionantes de suas façanhas e das imagens irrefutáveis de suas jogadas geniais
Sempre exigiram de Pelé a perfeição. Algo que o ser humano jamais atingiu. Exceto ele. Só que dentro de campo. Fora de lá, foi alguém que se esforçou para ser algo que ele mesmo tinha dado vida como patamar de excelência esportiva. Decepcionou aqueles que lhe cobravam algo assim, sem jamais perder a elegância. Fazia questão de dizer que lá dentro, no campo, era Pelé. Do lado de cá, o “cidadão” Edson Arantes do Nascimento. Um era intocável. O outro, humano.
Ninguém mereceu mais o título de atleta do século que ele, que ganhou três Copas do Mundo (1958, 1962 e 1970), é o maior artilheiro da história do futebol, com 1.282 gols (segundo o o site FutDados, a partir dos acervos do Santos Futebol Clube e da Revista Placar), e o maior jogador de todos os tempos, com dezenas de campeonatos pelo Santos, New York Cosmos, seleção brasileira e alguns combinados. Edson recebeu críticas por não se engajar na luta contra o racismo, por não se jogar na militância política e pelo polêmico não reconhecimento de uma filha.
Exigiam, enfim, que Pelé jogasse tão bem na vida quanto tinha de habilidade com a bola. Só que os carrinhos e as rasteiras são diferentes, assim como as cotoveladas, o dedo olho, o chute na canela, a entrada por trás. Quase nunca um cartão amarelo ou vermelho resolveria esses conflitos. Sua ingenuidade para os negócios, por exemplo, colocou-o diversas vezes no noticiário como vítima de golpistas que o deixaram literalmente falido. Fãs vieram socorrê-lo e se tornou cada vez mais o rei do futebol, entronado como deve ser uma majestade, que governa por meio da conciliação.
Pelé jamais alimentou polêmicas, embora tenha se aventurado pela política, quando aceitou o convite do Presidente Fernando Henrique Cardoso para ser ministro dos esportes, em 1995. Deixou uma contribuição importante, mesmo em uma gestão breve, voltada à modernização do futebol e a garantia dos direitos trabalhistas dos atletas profissionais. Conseguiu sancionar a Lei Pelé, que determinou a extinção da figura do passe nos contratos dos jogadores de futebol em três anos, mesmo sob intensa pressão dos cartolas, clubes e da CBF.
Também fugiu de discussões todas as vezes que surgiam quando alguém extraordinário pretendia destroná-lo de o Rei do Futebol e o atacava em busca de polêmica. Às vezes, a própria imprensa forçava esse tipo de polêmica. Pelé sempre sorria porque sabia que o tempo é quem dá as cartas. Vieram quantos? Dezenas. Zico, Maradona, Zidani, Messi, Romário, Cristiano Ronaldo, Neymar, Mbappe.
As discussões nesse sentido cessaram quando o mundo pôde assistir o documentário Pelé Eterno, de 2004, de Annibal Massaini Neto, que exibe 400 gols, 3 mil fotografias, 210 narrações de gols, 150 depoimentos de amigos, jogadores, ex-companheiros, celebridades, 70 acervos pesquisados, dezenas de imagens inéditas recuperadas e 1.500 manchetes de época no mundo inteiro e recriação digital de gols desaparecidos.
Ao invés de causar dúvidas, o longa-metragem conseguiu provar que a lenda criada ao redor de Pelé era bem menor do que mostravam as imagens de seus dribles e gols. Nesse sentido, ele se tornou um caso raro de alguém que vira lenda quando ainda está vivo. E vê seu nome se tornar uma palavrinha mágica que abre até hoje portas pelo mundo para qualquer brasileiro. Basta dizer “Brasil, Pelé”.
Até mesmo no meio de uma guerra. Em qualquer lugar, nos cinco continentes, corre a lenda do craque que fazia coisas inacreditáveis com a bola. Como driblar o time inteiro duas vezes antes de marcar o gols. Por que não?
No meio das crianças, nos lugares mais pobres do mundo, Pelé está onipresente. Basta ter uma bola de borracha ou de meia e a criança vai dizer: Vou virar jogador de futebol e quero ser como Pelé. Nunca dizem melhor que Pelé, pois sabem que ninguém supera as lendas. E as lendas são eternas como Pelé foi em boa parte dos seus 82 anos de vida. E será para sempre. Eterno como só ele conseguiu.
Morreu nesta quinta-feira, 29 de dezembro, aos 82 anos, no hospital Albert Einstein, em São Paulo. Ele estava internado desde 29 de novembro, para cuidados paliativos, em decorrência de um câncer de cólon e infecção respiratória.