LONDRES — Como um dos museus de moda mais importantes do mundo, o Victoria & Albert (V&A) está acostumado a reverenciar as mentes mais criativas e influentes na arte de se vestir. O que até então nunca tinha acontecido, em mais de 170 anos de trajetória da instituição londrina, era uma modelo virar tema de exposição, ganhando uma retrospectiva própria para analisar o seu impacto na indústria fashion.

Dedicada à britânica Naomi Campbell, a recém-inaugurada Naomi: In Fashion chega para preencher essa lacuna, dando voz à supermodelo de 54 anos que fez história ao longo de quatro décadas de carreira. Mais de 100 itens, a maioria deles trajes de estilistas que ela representou nas passarelas, resgatam o trabalho da modelo negra de maior influência no mundo da moda.

Entre as barreiras que quebrou, Naomi foi a primeira negra a posar para a capa da revista Vogue de Paris, em agosto de 1988. “Naomi é uma modelo exemplar e uma pioneira no segmento, o fez dela o foco óbvio para a nossa exposição”, diz Sonnet Stanfill, a curadora da mostra que segue até abril de 2025 no V&A, em entrevista ao NeoFeed.

“Naomi é conhecida pelo jeito único de desfilar na passarela e pela magia que cria diante das câmeras, ao trabalhar com todas as principais maisons de moda, as grandes publicações e os maiores fotógrafos”, descreve. “Ao mesmo tempo, o seu ativismo pela igualdade de direitos e o seu apoio a designers emergentes transcendem os parâmetros tradicionais do papel de uma modelo.”

Para a mostra do V&A, que já destacou o trabalho de estilistas como Alexander McQueen, Cristóbal Balenciaga e Christian Dior, a própria Naomi emprestou a maioria das peças.

São roupas de alta costura e acessórios emblemáticos, como o bodysuit de leopardo assinado por Azzedine Alaïa, da coleção de outono/inverno de 1991, e os saltos de plataforma azuis que a derrubaram na passarela do desfile de Vivienne Westwood, em de 1993.

Toda a exposição, que ocupa dois andares do museu, foi concebida pelo V&A, com a contribuição de Naomi. Ela nasceu e cresceu em Lambeth, no sul de Londres, e foi descoberta por um agente da Elite Model, aos 15 anos, em Covent Garden, quando passeava com as colegas da escola.

Sua beleza rara, por misturar herança jamaicana e chinesa, já tinha sido registrada no videoclipe da faixa Is This Love, de Bob Marley, em 1978, quando ela tinha oito anos.

Naomi foi projetada muito rapidamente como modelo. Sua paixão por dança, que ela estudou dos 3 aos 16 anos, foi o que cativou os fotógrafos, que tinham facilidade para dirigi-la nas poses.

E, em pouquíssimo tempo, ela também começou a desfilar para grandes estilistas, como Gianni Versace, John Galliano, Karl Lagerfeld, Vivienne Westwood e Yves Saint Laurent, provando que dominava o trabalho tanto de modelo fotográfica quanto de passarela, o que ainda não era comum.

As "supermodelos"

Uma das primeiras profissionais conhecidas como “supermodel”, termo que surgiu nos anos 90 (ao lado de Christy Turlington, Cindy Crawdord e Linda Evangelista), Naomi foi a escolhida para estampar a capa da Time, em setembro de 1991.

Toda a exposição, que ocupa dois andares do museu, foi concebida pelo V&A, com a contribuição de Naomi (Crédito: press.office@vam.ac)

Em agosto de 1988, Naomi fez história, como a primeira modelo negra a aparecer na capa da "Vogue" de Paris (Crédito: Reprodução Instagram @naomicampbell-thebest)

Fazem parte da exposição os saltos de plataforma azuis que derrubaram Naomi na passarela do desfile de Vivienne Westwood, em de 1993 Crédito: Reprodução Instagram @naomicampbell-thebest)

Nelson Mandela (foto ao fundo) influenciou Naomi a usar seu prestígio em defesa de de causas sociais (Crédito: press.office@vam.ac)

Ao lado de ao lado de Christy Turlington, Cindy Crawdord e Linda Evangelista, Naomi formava o time das "supermodelos"

Desde aquela edição da revista, que explorava o fenômeno das supermodelos, ela se tornou uma celebridade e uma das mulheres mais reconhecidas mundialmente.

Naomi sempre aproveitou a visibilidade para lutar pela igualdade de oportunidades e de pagamento para modelos negras, uma faceta que a mostra aborda. Não há uma seção específica sobre o ativismo de Naomi, mas se trata de um fio condutor que percorre toda a exposição.

“Parte disso foi a influência de Nelson Mandela, que inspirou Naomi a usar a sua plataforma para defender mudanças sociais”, conta a curadora, lembrando que a modelo conheceu o então presidente da África do Sul, em 1994, fazendo dele o seu “avô honorário”.

“Ela continua a apoiar o trabalho de muitos designers do continente africano e de países fora dos centros de moda europeus”, afirma Sonnet, referindo-se a estilistas como Kenneth Ize, Ian Audifferen e Nikki Nkwo Onwuka, entre outros.

"Eu não sou um ser humano perfeito"

Além de ceder peças para o V&A, Naomi deu entrevistas ao museu, de onde foram tiradas as suas citações que informam toda a exposição. “Como ela tem uma memória incrível, as suas lembranças, com os detalhes de lugares e pessoas, acrescentam nuances e dão contexto à narrativa. E foi a própria Naomi quem escolheu um grupo de imagens particularmente significativas”, comenta a curadora.

A retrospectiva inclui o vestido cinza longo assinado por Dolce & Gabbana, usado em 2007, e as fotografias feitas na ocasião.

Naomi vestiu a peça enquanto prestava serviços comunitários em Nova York, por ter agredido uma funcionária, atirando o celular na mesma.

No último dia da pena, a modelo mostrou bom humor, usando uma roupa de alta costura, nada adequada para o trabalho, o que teve ampla cobertura da mídia.

Esse registro ilustra um lado menos nobre de Naomi, também conhecida por seu temperamento difícil, o que ela atribui, em parte, à pressão do trabalho e escrutínio da mídia: “Não sou um ser humano perfeito. Tenho de aprender com meus erros. E muitos dos que cometi foram publicamente”.