Durou pouco a epifania do trabalho remoto para sempre, como chegaram a alardear algumas empresas em 2020. Levantamento realizado pela Infojobs entre 2022 e 2023 apontou que quase 95% dos anúncios publicados no período diziam respeito a posições presenciais. Ato contínuo: a plataforma, que divulgou recentemente as tendências de RH para 2024, informa que 64,4% das pessoas sentem que a qualidade de vida piorou ao retornar para o ambiente físico.
O índice reflete insatisfações latentes, como a perda de flexibilidade e o tempo gasto em deslocamentos. Mas há outro fator digno de nota: a qualidade dos espaços. A opinião é dos arquitetos Fernando Forte, Lourenço Gimenes e Rodrigo Marcondes Ferraz, sócios do premiado escritório paulistano FGMF, vencedores de mais de 200 prêmios desde que foi criado, como a Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo e o prêmio Prix Versailles, com o edifício da Japan House.
“Quando as empresas adotaram o modelo híbrido, houve uma preocupação em adaptar os escritórios: trazer mais vegetação, prever lugares para as equipes terem mais trocas e convivência. Isolar-se em uma baia não fazia mais sentido, pois na prática é o mesmo que trabalhar de casa”, diz Marcondes Ferraz. “Agora estamos em outro momento, indo em direção a uma retomada 100% presencial. Mas isso não significa que os espaços serão de novo como eram antes da pandemia. Não dá para voltar atrás.”
Não se trata do triple A à moda antiga, como a maioria dos prédios em eixos já consolidados, como a Paulista, a Berrini e a Faria Lima, em São Paulo. Nem de sair construindo statements em forma de prédios corporativos, como fez a Apple em 2017 com sua sede no Vale do Silício (ultratecnológica, a proposta do starchitect Norman Foster remete claramente ao design dos produtos da companhia).
“Esse tipo de projeto teve um papel importante antes da pandemia: o de provar que o escritório pode, sim, ser ter uma linguagem diferente de uma simples torre de vidro, nas quais o ápice é ganhar um corner office”, afirma Forte, referindo-se às “salas-aquário” situadas nas quinas dos edifícios, cobiçadas por serem delimitadas e terem vista.
Segundo o arquiteto, muito mais desejado hoje é um local atraente, arejado, equipado, com verde e um ar mais informal, diversas opções de uso e ocupação da área e, principalmente, confortável. “Tanto é assim que as empresas registraram uma forte presença dos funcionários durante as últimas ondas de calor. As pessoas queriam estar no ar-condicionado, que não têm no home office”, diz Forte.
Corporativos-butique
Em São Paulo, esses corporativos-butique tendem a surgir em bairros ainda em transformação, como Pinheiros, Vila Madalena, Itaim, Vila Nova Conceição. “Pode até haver uma retomada dos imóveis que foram desocupados durante a pandemia. Mas isso vai acontecer nos melhores lugares da cidade, mais centrais, com serviços próximos, e com a melhor arquitetura”, afirma Ferraz.
“A tendência dos corporativos-butique não surgiu por causa da pandemia. Apenas foi acelerada por ela”, diz Franco Pasquali, CEO da 3Z Realty. A incorporadora investiu R$ 33 milhões, incluindo a compra do terreno, no Edifício Girassol, projeto do FGMF finalizado em 2021 na Vila Madalena e que ganhou alguns prêmios, como o IDA (International Design Awards), Dedalo Minosse e LOOP Design Awards.
“Antes mesmo de a obra terminar, em um dos períodos mais críticos da crise sanitária, fechamos o contrato de aluguel”, acrescenta Pasquali. Não por acaso, com a unidade brasileira da Media Monks, agência global holandesa de publicidade, tecnologia e marketing. “Empresas desse segmento costumam ser as primeiras a encampar prédios assim”, afirma Forte.
Para os investidores, a empreitada se mostrou um ótimo negócio. “Registramos uma rentabilidade anual de 13% sobre os custos”, revela Pasquali, que ainda contabiliza o ativo da valorização do imóvel, calculado em 35% até agora.
A 3Z Realty tem mais dois projetos com esse perfil em andamento com o FGMF. “Nossa lógica comercial é construir o prédio mais desejado da rua. Isso gera dois efeitos. A qualidade estética e de ocupação são argumentos para puxar os aluguéis para cima e, em uma crise, um prédio assim é o último a eventualmente ser desocupado”, diz Pasquali. “Os acionistas já querem saber quando os próximos ficarão prontos.”
Com outros oito projetos desse tipo na prancheta, o FGMF vem experimentando nesse campo desde 2009, quando começou a desenhar o Corujas, também na Vila Madalena, incorporado pela Idea!Zarvos e inaugurado em 2014.
“A lei de zoneamento da época induziu a um prédio mais horizontal, pois o limite de altura era 9 metros. Tudo o que propusemos ali, os espaços avarandados, os ambientes abertos, foram formas de extrair benefícios da legislação”, relembra Forte. “Isso se mostrou um grande trunfo, embora fosse na contramão do que estava sendo feito na Berrini e na Faria Lima. Deu tão certo que ficou com fila de espera para alugar.”
A mesma incorporadora finaliza atualmente uma versão verticalizada do Corujas, em Pinheiros, também tirando partido dos incentivos do Plano Diretor previstos para o lote, localizado em uma Zona Eixo de Transformação Urbana (ZEU).
“A lei permite construir quatro vezes a área do terreno. Além disso, há outros bônus caso o empreendimento tenha fachada ativa [lojas no térreo] e varandas”, enumera Forte. “Sempre interpretamos a legislação para usar a favor da arquitetura e também dos números. Temos que fazer dar certo, para mais. Para isso servem os estudos de viabilidade.” A conta tem fechado: o escritório calcula um VGV geral, somando os valores de 15 projetos com algum viés corporativo em andamento (incluindo os de uso misto), de R$ 4,66 bilhões.
Índices desse tipo e cases que performam bem, como o Corujas e o Girassol, mudam a percepção do mercado imobiliário, muito resistente a mudanças. “Antes, o raciocínio dos investidores eram projetos o mais quadrados possível, onde coubesse a maior quantidade de postos de trabalho. Varanda era vista como algo desnecessário e supérfluo. Porém, hoje, uma torre de vidro sem varandas está deixando de aproveitar um benefício de 5% da área permitida por andar, dependendo da localização. Multiplique isso por 20 andares, e o total de área desperdiçada é imenso”, argumenta Marcondes Ferraz.
Sim, a quantidade de metros quadrados construídos é importante na conta final. Mas a arquitetura vem ganhando terreno também. É como diz Pasquali, da 3Z Realty: “Ninguém considera o preço do quilo ao comprar um carro. Por que o valor de um imóvel deveria ser calculado apenas por metro quadrado?”