Às vésperas do 50º aniversário da morte de Leila Diniz (1945-1972), documentário resgata quem foi a mulher que deu rosto e voz à liberação feminina no Brasil. Até hoje seu nome é quase sinônimo de emancipação da mulher, por assumir a postura transgressora de ser dona do próprio corpo nos anos 60.

“Já que Ninguém me Tira para Dançar”, de Ana Maria Magalhães, refaz a trajetória do furacão carioca que desafiou os costumes e quebrou tabus na sociedade conservadora. O documentário será uma das atrações do serviço de streaming de cinema brasileiro Itaú Cultural Play, nos dias 15 e 16 de janeiro.

A estrela de “Todas as Mulheres do Mundo” (1967), uma crônica da vida amorosa da burguesia carioca, não se tornou um ícone cultural e comportamental apenas pelos filmes que fez. Por ser muito direta e desbocada, longe da imagem da mulher submissa, ela logo se transformou em figura midiática.

Sem medo de ser julgada, Leila falava abertamente de amor livre, de sexo e de prazer feminino. E, ao recusar o papel de esposa e mãe imposto à mulher, ela escandalizava a ala moralista em plena ditadura militar.

Leila ainda foi a primeira a mostrar, orgulhosa, a barriga de grávida (de oito meses) nas praias cariocas. No momento em que as gestantes escondiam o barrigão com uma “cortininha” à beira-mar, ela lançou moda, ao usar um biquíni.

“Naquela época, em que as feministas precisavam rasgar o sutiã, algo agressivo, apesar de necessário, Leila vinha com o que era mais feminino”, conta a atriz Marieta Severo, uma das entrevistadas para o documentário.

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Leila frequentemente estampava capas de revistas como “O Cruzeiro”, “Fatos e Fotos” e “Manchete”, por ter a coragem de fazer o que queria e dizer o que pensava. E o que mais impressionava era ela falar palavrões, como só os homens faziam até então, sem perder a meiguice, uma de suas marcas.

“A liberdade sexual nesse país é muito limitada, o que me entristece muito”, afirma Leila, em trecho de arquivo de áudio no filme. “Para mim, seria bacana trepar todo dia. Não me importaria se fosse uma vez, duas ou três vezes por dia”, continua ela.

Para “O Pasquim”, em 1969, ela deu uma entrevista que fez história – “Sou livre e daí?” já anunciava o título. Frases como “Você pode amar muito uma pessoa e ir para a cama com outra” e “Eu não vou comparar os meus homens porque é sacanagem” chocaram a sociedade da época.

Pouco depois de uma entrevista com Leila Diniz em "O Pasquim", a ditadura implantou a censura prévia à imprensa, medida que ficou conhecida como Decreto Leila Diniz

Como a entrevista trazia muitos palavrões, eles foram substituídos por asteriscos no texto, causando ainda mais polêmica. Pouco depois dessa publicação, a ditadura implantou a censura prévia à imprensa, medida que ficou conhecida como Decreto Leila Diniz.

Leila também pagou por sua espontaneidade e por estar à frente de seu tempo. Passou a ser perseguida pela ditadura e constantemente atacada pela ala conservadora, algo que a fragilizou e a deixou sem trabalho, sobretudo na TV. Para atuar na Globo, onde fez novelas como “Eu Compro Esta Mulher” (1966) e “O Sheik de Agadir” (1966), ela nunca mais foi chamada.

Depois do episódio controverso em “O Pasquim”, Leila conseguiu emprego como vedete, no Teatro de Revista, onde manteve o seu atrevimento até o acidente que a matou, aos 27 anos. Foi um desastre aéreo ocorrido em 14 de junho de 1972, quando Leila voltava de um festival de cinema na Austrália.

“Já que Ninguém me Tira para Dançar” é estruturado principalmente com fotografias, recortes de revistas e cenas de filmes de Leila. Testemunhos de amigos, familiares, cineastas e jornalistas feitos à diretora Ana Maria, que foi sua amiga, ajudam a entender o impacto que ela teve na revolução feminina.

“Leila era uma mistura de Marilyn Monroe e Dercy Gonçalves. De Marilyn ela tinha o lado feminino e frágil. E de Dercy, a maneira irreverente”, conta Luiz Carlos Lacerda, que a dirigiu no filme “Mãos Vazias”, de 1971.

Leila Diniz foi uma da emancipação da mulher

“Ela contribuiu muito para a emancipação da mulher. Tinha a liberdade para ver as coisas com clareza, sem distinguir o que era coisa de homem ou coisa de mulher. Se ela queria fazer uma coisa, simplesmente fazia”, afirma o diretor Nelson Pereira dos Santos (1928-2018), em depoimento póstumo no filme.

O documentário começou a ser rodado nos anos 80, mas acabou engavetado por falta de recursos. A produção só foi retomada em 2015, quando o material prévio precisou ser restaurado, e Ana Maria adicionou novos testemunhos e uma narração, que a própria diretora faz.

“Leila, hoje você teria milhões de seguidores”, afirma a cineasta, fazendo uma ponte com o mundo atual e o “boom” das redes sociais. Um dos objetivos da diretora aqui é apresentar o ícone libertário às mulheres mais jovens, que possivelmente não sabem quem ela foi. Até porque a nova geração, conhecendo ou não Leila, segue os passos deixados por esse furacão, no sentido de vivenciar a plenitude feminina.