Pablo Álvarez, CEO e um dos herdeiros do grupo Tempos Vega Sicilia, que reúne um portfólio de vinhos icônicos e disputados no mundo todo, viaja 100 dias por ano. “As pessoas me perguntam por que viajar tanto se está tudo vendido? Exatamente por isso. Está tudo vendido porque viajo tanto”, disse ao NeoFeed.
Na última semana, ele esteve em São Paulo, onde não vinha desde 2019, para participar de degustações, encontros privados com colecionadores e jantares promovidos para especialistas e consumidores pela Mistral, que recuperou este ano a exclusividade de importação e distribuição dos rótulos do grupo.
Dos 40 anos que a bodega Veja Sicilia, em Ribeira del Douro, está nas mãos da família Álvarez, 38 estão sob a responsabilidade de Pablo. O advogado de formação, que assumiu a tradição de uma vinícola fundada 1864 e a projetou internacionalmente como a mais emblemática da Espanha, diz que “gostava, mas não entendia nada de vinho.”
Nestas décadas, contudo, montou a companhia Tempos Vega Sicilia com mais quatro vinícolas Alión (Ribeira del Douro), Pintia (Toro), Macan (Rioja, joint venture com Benjamin de Rothschild) e Oremus (Hungria), somando 635 hectares de vinhas com cultivo manual.
Pablo rompeu as fronteiras da Espanha, onde a “demanda é três vezes maior que a oferta”, exportando 70% da produção para 150 países com alocações rígidas para cada mercado. O Brasil recebeu em torno de 20 mil garrafas este ano, o equivalente à remessa da China, o que coloca o país entre os “10 principais mercado da marca”. Para se ter uma ideia, os Estados Unidos ocupam o topo do ranking com 100 mil garrafas por ano.
As cotas são controladas porque “o que limita a produção é a qualidade”, explica. Por tradição da bodega, por exemplo, na Espanha 80% dos clientes são pessoas físicas - cerca de três mil cotistas, que ficam com 30% das garrafas destinadas ao país. Cada privilegiado tem acesso a até quatro caixa por ano para consumo próprio, um direito que passa de geração em geração. Caso alguém abra mão, há “cerca 1,5 mil pessoas na fila de espera.”
“Diz a lenda que nem o rei da Espanha pode ter mais que o estabelecido desde o século 19”, brinca Otávio Lilla, sócio da importadora Mistral.
A capacidade de produção do grupo é de 5 milhões de garrafas. Mas a obstinação por qualidade a limitou a 1,2 milhão de garrafas este ano (100 mil a mais do que no ano passado, contudo).
Para equacionar custos, margens e demanda, a companhia reajusta seus vinhos todos os anos entre 5% a 15%. “Este ano ficamos em até 10%, a depender do volume de cada rótulo.”
Seu cálculo é que invista € 5 milhões por ano na manutenção, aprimoramento das técnicas de cultivo e melhoria genética das cepas. O faturamento este ano deve chegar a € 65 milhões, diz ele, contra € 62 milhões do ano passado. Só os rótulos da Bodega Vega Sicilia (Único, Único Reserva Especial e Valbuena) representam metade do resultado.
O projeto mais recente do grupo é em Rias Baixas, na Galícia, onde Pablo pretende elaborar o “melhor Albariño que possa ser feito na Espanha”. Trata-se do primeiro vinho branco do grupo naquele país, o Deiva, uma “inovação” numa companhia que se notabilizou por construir tintos potentes e elegantes.
“Em dois meses começamos a construir a bodega. Devemos elaborar o primeiro vinho em 2025, que vai chegar ao mercado ao final de 2026. Os brancos não levam tanto tempo de guarda.” A dificuldade, diz Álvarez, é ter uma propriedade de área contínua, porque há mais de 16 mil pequenos produtores na região. "Até agora só temos metade da área que precisamos e seguimos comprando."
Tempo, termo que deu nome ao grupo, é um dos mantras da empresa que não usa uma videira antes de completar 11 anos, que elabora vinhos embarricados por anos e que podem ser consumidos, em alguns casos, quase um século depois.
A companhia tem sua própria tanoaria para fazer os barris nas tostas definidas e testadas, como numa afinação de uma orquestra. Suas rolhas também são mais longas, feitas pela corticeira Amorim, em Portugal, para permitir que seus vinhos envelheçam íntegros.
O Vega Sicilia Único (2009, R$ 6.627,29, na Mistral), por exemplo, o mais tradicional e “consistente” deles, passa mais de dez anos em amadurecimento em barrica de diferentes idades antes de chegar ao mercado.
Este vinho pode ser produzido entre 40 mil a 120 mil garrafas por ano. “E se a qualidade das uvas não permitir, não fazemos.” Este ano lançaram cerca de 90 mil garrafas da safra de 2013.
A seca que impactou a Espanha este ano, a ponto de afetar 80% da produção de azeite de oliva, não teve consequência nas regiões em que produzem seus vinhos. “O clima está sempre mudando e o manejo das vinhas para conseguir sempre as melhores cepas nunca para.”
O processo de sucessão em andamento na Vega Sicilia
Quando pensa no futuro da companhia, Pablo diz que “o melhor está por vir, porque sempre podemos incrementar a qualidade.” Para ele, melhorar significa investir em inovação, conhecer mais a vinhas com a ajuda dos pesquisadores das universidades.
“Cada cepa é um ser vivo e se desenvolve diferente em cada área. É um mundo apaixonante, mas impossível de se conhecer em sua totalidade.”
Oficialmente, ao completar 70 anos, em 2025, Pablo Álvarez deve deixar o dia a dia da empresa. “Defendo que nós, como as cepas, quando velhos não damos mais nosso melhor” diz. “Sou uma pessoa aproveitável porque conheço todo mundo, tenho prestígio pelo que fizemos com a companhia, mas sobretudo para manter a filosofia do negócio porque pode haver tentações do volume.”
A família - que vive uma disputa pelos outros negócios criados pelo pai David Álvarez (1927-2015) que incluem o grupo Eulen avaliado em € 1,4 bilhão - se prepara para um projeto sucessório na Tempos, em que um especialista vai ajudar a escolher o melhor representante para a continuidade dos negócios.
“Os negócios familiares exigem decisões que nunca um diretor externo tomaria, como assumir fazer 50 mil garrafas a menos de Único, sabendo que isso significa milhares de euros a menos.”
Pablo continua sonhando, contudo, em expandir as fronteiras do grupo. “Estamos sempre estudando a Borgonha, mas com propriedades a € 50 milhões, só loucos investem. É como comprar um Picasso.” Avalia então regiões mais distantes, como a Califórnia.
“Seria muito interessante ter algo mais perto do Pacífico.” Mas nunca, avisa, “para fazer nada menos que um vinho premium”.