Paris - É difícil falar em alta-costura e não pensar imediatamente na França, onde ela foi criada e consagrada. Mas curiosamente foi um inglês, Charles Frederick Worth, quem criou esse conceito e transformou Paris na capital mundial da moda sob medida, famosa por seu requinte artesanal.
Seu ateliê no número 7 da rue de la Paix, fundado em 1858, lançou métodos de criação e de venda dos modelos que são até hoje utilizados na haute couture francesa. Essa história, pouco conhecida, é tema da exposição Worth — Inventer la haute couture ("Worth — Inventar a Alta-costura"), no museu Petit Palais, em Paris.
A grife se estendeu por quatro gerações e quase um século, sempre nas mãos da mesma família, algo raro. “Os filhos e netos de Charles Frederik deram continuidade ao seu legado”, conta Raphaelle Martin-Pigalle, uma das curadoras da mostra, ao NeoFeed. Houve uma verdadeira transmissão do know-how.”
Worth entrou para a história da moda em 1846, quando, aos 21 anos, deixou Londres, se instalou na capital francesa e começou a trabalhar como vendedor em uma renomada loja de tecidos da época, a Gagelin. Logo, porém, assumiu funções criativas.
Ele desenhava modelos para os cortes vendidos na loja e os croquis eram expostos na vitrine da Gagelin — o que aumentava as vendas. O inglês foi crescendo dentro do negócio até se tornar sócio em 1853. Cinco anos depois, fundou seu próprio ateliê, em parceria com um sócio sueco. Logo a Worth & Bobergh se tornou símbolo do refinamento francês.
Rapidamente, mulheres da aristocracia e da realeza passaram a usar seus modelos, seguidas anos depois por clientes da alta burguesia e do mundo artístico. Foi a marca que criou o vestido usado pela imperatriz Isabel da Áustria, mais conhecida como Sissi, em sua coroação, em 1867. Worth era ainda o estilista da imperatriz Eugênia, esposa de Napoleão III.
Em 1870, após o fim da parceria com Bobergh, a grife passou a se chamar Worth. A empresa empregava na época mais de mil pessoas — número bem alto se comparado aos da alta-costura nos dias de hoje. Instalada apenas no primeiro andar quando começou a funcionar, a Worth foi progressivamente ocupando o espaço todo de oito andares do prédio.
Entre ateliês de costura e de embalagens e as salas luxuosas destinadas à clientela, havia até um estúdio para fotografar as criações, uma maneira de comprovar a autoria e combater imitações.
As inovações
A exposição no Petit Palais traz 400 peças, entre vestuário, acessórios, fotografias, croquis, objetos de arte, documentos e pinturas. O evento conseguiu reunir 80 roupas raras, provenientes do acervo do Palais Galliera de Paris e de vários museus internacionais, além de coleções privadas — o trabalho artesanal impressiona.
A mostra refaz a história de Worth em um contexto histórico, cultural e social. O percurso segue uma cronologia que vai do Segundo Império francês, com Napoleão III — época de vigor econômico e industrial — ao período entre as duas guerras mundiais.
A exposição mostra como a grife, graças à visão internacional de seu fundador, se tornou um símbolo do luxo francês, contribuindo para consolidar a imagem de Paris como capital mundial da moda.
Logo na entrada, as paredes estão cobertas de grandes fotos em preto e branco que datam do final dos anos 1920 e mostram cenas cotidianas nos diferentes espaços do prédio: o costureiro e uma ajudante ajustando tecidos em uma modelo, clientes na loja e funcionários no refeitório.
Roupas para o dia, casacos e capas para ir à ópera, vestidos de baile ou para receber convidados em casa no final da tarde (os chamados tea- gowns, bem refinados) e até mesmo para festas à fantasia, os modelos de Worth primavam pela sofisticação dos tecidos, cortes estruturados e, sobretudo, por inserir uma visão artística que ia desde a escolha dos materiais até o caimento — algo inédito até então.
Antes de Worth, as modistas apenas executavam os desejos das clientes ou reproduziam modelos da corte. Com ele, a figura do costureiro foi equiparada à de um artista — um autor com estilo e estética próprias. Aliás, ele assinava suas “obras” em etiquetas manuscritas afixadas nas roupas. E, assim, o inglês transformou a moda em marca, ressalta a curadora.
Suas inovações mudaram a maneira como a moda era concebida, produzida e consumida. Worth foi o primeiro a fazer desfiles com manequins (geralmente funcionárias da empresa, entre vendedoras e costureiras), o que favorecia as vendas e a divulgação internacional.
É dele também o conceito de coleções sazonais, antecipando o sistema que hoje rege a indústria. “Ele criou modelos de acordo com a estação para limitar a falsificação de suas roupas”, diz Raphaelle. “A grife também foi pioneira na abertura de lojas no exterior, em cidades como Londres e Nova York.”
Depois dele
Depois da morte de seu fundador, em 1895, a Worth passou para as mãos de seus filhos Jean-Philippe e Gaston e continuou sua expansão. O primeiro criava os modelos e o segundo administrava os negócios.
No início do século 20, a grife começou a produzir peças peças mais para o dia a dia, mas sempre refinadas. “A família foi adaptando a produção às evoluções da sociedade e aos gostos da época. Cada geração trouxe seu olhar”, afirma a curadora.
“Uma das mais antigas casas de costura é, no entanto, uma das que melhor soube não apenas se adaptar ao gosto moderno, mas ainda ultrapassá-lo e inspirá-lo. Essa é a melhor definição de Worth”, lê-se na revista Vogue francesa, de abril de 1924, quando a marca já era comandada pelos netos do fundador, Jean-Charles e Jacques.
Como grande parte das grifes de alto luxo, em 1924, a Worth também se lançou na perfumaria. Com nomes marcantes como Je reviens ("Eu volto") e Sans adieu ("Sem adeus"), a grife se associou a artistas renomados como René Lalique, famoso por suas criações em vidro, para criar frascos com design.
Após quase um século de reinado na alta-costura francesa, a Worth fechou em 1956. Dois anos antes, herdeiros que não quiseram dar continuidade às atividades a venderam para a casa Paquin, outro nome consagrado da moda, que encerrou as atividades pouco tempo depois.
“Isso explica por que a Worth não é conhecida pelo público em geral”, diz Raphaelle. “Com o fim da Paquin, os arquivos da Worth praticamente desapareceram.” A exposição no Petit Palais resgata a história do inglês que inventou a alta-costura.