A família de origem alemã que construiu um império das cervejas na Argentina com a cervejaria Quilmes, comprada pela AB InBev, em 2006, decidiu que seu brasão se tornaria sinônimo de qualidade nos vinhos.
Em 2021, os membros da 5ª e 6ª geração da família Bemberg deslocaram o consagrado enólogo Daniel Pi para tocar esse ambicioso projeto e se dedicar exclusivamente à vinícola boutique que leva o nome da família: a Bemberg Estate.
Daniel Pi é uma referência entre os enólogos da Argentina, principalmente pelas premiações e consistência alcançada nos vinhos da Bodega Trapiche, onde foi diretor de enologia por 29 anos. Ele já estava à frente do grupo vinícolas Peñaflor, adquirido pelo clã em 2010.
Na realidade, a função de Pi extrapolava a atuação em Trapiche, e o enólogo assinava todos os vinhos do Grupo Peñaflor, que integra a Trapiche e reúne vinícolas por toda a Argentina, casos de El Esteco, Finca Las Moras, Navarro Correas, Mascota Vineyards, Suter (espumantes) e San Telmo, totalizando 3.500 hectares de vinhedos.
No fim de junho, Pi esteve em São Paulo para apresentar oficialmente a Bemberg Estate no país, com a chegada dos vinhos da safra de 2014 trazidos pela Decanter. Durante a pandemia, o mercado até chegou a receber algumas garrafas de 2013, mas esgotaram rapidamente.
A sede da vinícola Bemberg ficou pronta em 2020, consumiu US$ 10 milhões e todas as diretrizes técnicas foram definidas por Pi. Entre as excentricidades, a vinícola não conta com tanques de inox, apenas barris de carvalho de diferentes tamanhos e tanques de cimento - estes últimos desenhados pelo próprio enólogo para ter um formato de tulipas, que permitem uma "melhor extração das cascas das uvas para os tintos".
A vinícola está localizada no distrito de Gualtallary, no vale do Uco, onde estão nascendo alguns dos mais premiados vinhos platinos (White Bonés e White Stones de Catena, El Enemigo Cabernet Franc, SuperUco e Zorzal Eggo Franco, por exemplo). Ali, a família Bemberg já contava com um vinhedo que foi ampliado pela compra do terreno vizinho, totalizando 65 hectares plantados.
“Utilizo apenas uma pequena parte dessas uvas. Dividimos os vinhedos em parcelas e escolho apenas fileiras de videiras, onde os solos são os mais adequados para cada variedade e não são frações quadradas do terreno. É praticamente uma seleção de videira à videira”, contou ele ao NeoFeed.
O que não é aproveitado pela Bemberg é direcionado para as outras vinícolas do Grupo Peñaflor. E o caminho inverso também ocorre. Daniel Pi tem acesso a qualquer uva das vinícolas do Grupo Peñaflor que considere de qualidade excepcional para incorporar na vinícola Bemberg.
Por isso, a linha hoje conta com vinhos dos vales de Pedernal, Calchaquí, Cafayate, além de outros vinhedos, em outras propriedades, dentro do vale de Uco. O foco é produzir o melhor e não há obrigação de lançar o mesmo vinho, da mesma parcela, em safras consecutivas.
Mesmo com início tão recente, os primeiros vinhos são da safra 2013 que chegaram ao mercado em 2019, o reconhecimento já vem sendo colhido com elevadas pontuações dos críticos internacionais (97 pontos nos vinhos La Linterna Chardonnay 2017 e La Linterna Malbec La Yesca 2015 no Decanter Wine Awards, e 97 pontos no La Linterna Malbec Chañar Punco 2017 por James Suckling).
Distante da acomodação, o enólogo antecipa uma novidade: em breve será feito um Bemberg californiano, provavelmente de Napa. “Um dos vinhedos da família está no distrito de Stags Leap, muito conceituado pela Cabernet Sauvignon. Vendíamos as uvas para a Mondavi e agora que o contrato de fornecimento se encerrou poderemos contar com essas uvas.”
O longo processo produtivo do vinho (média de cinco anos entre a colheita e o lançamento dos tintos) resulta da soma da visão do enólogo com o comitê formado pela família, uma vez que são vinhos potentes que pedem algum tempo de guarda para se “abrirem”.
“O patriarca Otto Bamberg teve cinco filhos e hoje são mais de 200 descendentes. Em Bemberg, o conselho de administração é formado por cinco membros, um de cada linhagem dos descendentes de Otto”, disse Pi, complementando que, a cada vez que servia os vinhos já engarrafados para o conselho, diziam que os vinhos ainda estavam muito jovens.
O consenso foi que aos cinco anos de vida é o momento ideal para lançar os tintos, quando os vinhos já se mostram e ainda têm capacidade de evoluir por décadas.
Trajetória premiada
O enólogo supervisionava o trabalho de todas as vinícolas do grupo e era o responsável por imprimir o estilo singular de cada uma delas. Hoje, o grupo Peñaflor é reconhecido por ser o maior exportador de vinhos engarrafados da Argentina, com cifras que superam US$ 180 milhões anualmente. É também o maior produtor de Malbec no mundo.
Além de premiações relevantes como o melhor enólogo da Argentina em 2017, atribuído pelo Master of Wine e comunicador britânico Tim Atkin, Daniel Pi também levou a Trapiche aos prêmios de Melhor Vinícola do Novo Mundo pela Wine Enthusiast em 2019 e está na lista das 50 marcas mais admiradas da indústria no mesmo ano da publicação Drinks International.
E os números também dão suporte ao trabalho de Pi. Desde 2002, quando assumiu Trapiche, a vinícola cresceu 50% em volumes de venda no mercado interno e multiplicou por oito o faturamento com as exportações, levando em contra apenas a vinícola Trapiche.
“Estou com 61 anos de idade e cheguei em um momento da vida que quero diminuir o ritmo de trabalho e dedicar aos projetos interessantes e meu projeto pessoal”, explica Pi, para retratar a convergência de seu momento profissional com o desafio que a família Bemberg, proprietária do Grupo Peñaflor, também já estava disposta a encarar.