Até que ponto o poder de um governante é moldado por sua personalidade? E pelas circunstâncias? O que permite a um líder comandar uma nação quase sem restrições?
Alguns impactaram a cena global, como o austríaco Adolf Hitler, o russo Joseph Stalin e o italiano Benito Mussolini. Outros, como o iugoslavo Josip Broz Tito e o espanhol Francisco Franco, restritos ao cenário nacional, impuseram à população de seus países tempos de violência e privações.
Por outro lado, há os que são lembrados de forma mais positiva — não, claro, sem críticas. É o caso do inglês Winston Churchill, do francês Charles De Gaulle e da britânica Margareth Thatcher.
Recém-chegado às livrarias brasileiras, o livro Carisma e poder — Líderes que moldaram a Europa moderna, de Ian Kershaw, propõe uma reflexão sobre o papel de doze dirigentes da história europeia recente. De sete nacionalidades, metade deles é composta por ditadores. A outra metade, por democratas, dos mais diversos graus.
Aos 81 anos, o britânico Kershaw é um dos principais historiadores da contemporaneidade. Especialista em Alemanha nazista, é autor da biografia definitiva de Hitler, lançada em 2010.
Ao citar o escritor russo Liev Tolstói, ele lembra que a reflexão filosófica sobre o peso da vontade individual de um governante no desenrolar dos acontecimentos que mudaram o mundo é objeto de estudo desde o século 19, quando a história foi alçada à disciplina profissional.
Desde então, embora tenha sido frequentemente evocada, raras as vezes essa investigação foi confrontada direta e empiricamente. E é isso que ele se propõe a fazer em Carisma e poder. O historiador equaciona personalidade individual e contexto político para compreender a formação e a atuação dos dirigentes.
Para o autor, o caráter conspirou com a oportunidade para criar “déspotas devastadores e únicos, enquanto outros países encontraram melhores caminhos, mais estáveis e democráticos”.
Nesse sentido, o século passado marcou a história das civilizações com duas guerras mundiais, novas ideologias totalitárias como o nazismo, o fascismo e o bolchevismo e a criação da bomba atômica.
Tanto os ditadores como os democratas revelaram habilidades excepcionais para explorar o poder, em períodos de crise, escreve Kershaw.
Lenin, em 1917; Mussolini, em 1922; e Hitler, em 1933, assumiram o comando quando a Rússia, a Itália e a Alemanha, respectivamente, enfrentavam um de seus momentos mais dramáticos. Cada país com suas particularidades, mas os três em situação de colapso social, econômico e político.
A tensão também forjou os líderes democratas, que surgiram como salvadores da pátria em tempos extremamente difíceis, como inglês Churchill, o francês De Gaulle, o alemão Konrad Adenauer e o russo Mikhail Gorbachev.
Carisma e poder leva à constatação: todos os tiranos nasceram em tempos incertos, como os que vivemos em 2024, com a ascensão do populismo de extrema-direita.
Carismáticos, com ambições desmedidas de poder, tornaram-se líderes, aclamados pelas massas e sustentados por seguidores dispostos a matar ou morrer por eles.
O autor lembra a máxima de Karl Marx, de 1852: “Os homens fazem a sua própria história, mas não como lhes agrada, nas condições da sua própria escolha, mas sim sob aquelas diretamente encontradas, dadas e herdadas”.
Kershaw mostra também como as crises podem ser inventadas com propósitos ambiciosos de grandes mudanças políticas e sociais, como aconteceu na então União Soviética em 1927, quando o jornal Pravda publicou notícias falsas sobre uma provável invasão britânica do país.
Com o pânico instalado, Stalin derrotou seus rivais e impôs sua versão do plano quinquenal.
Por outro lado, aumentou os receios do bolchevismo que permitiram a Mussolini e Franco reunirem católicos assustados em apoio à sua causa fascista. Nos detalhes do caráter dos líderes, são estudados seu estilo de trabalho e relações com as estruturas governantes que os apoiavam.
A britânica Margaret Thatcher, por exemplo, teria prosperado como estadista “com argumentos abrasivos e disputas combativas”, enquanto confiou nos seus “hábitos workaholic” e “poderes interrogativos forenses” como uma advogada treinada para “levar o seu caso contra colegas de gabinete que estavam menos bem preparados ou mais submissos ao seu caráter”.
Não faltam detalhes também sobre os erros que os próprios líderes cometeram e acabaram por lhes tirar do poder. O historiador, nesse ponto, analisa até onde os equívocos podem ser explicados por suas teimosias, antolhos ideológicos e arrogância — características comuns a tantos governantes, especialmente os ditadores.
No último capítulo, Kershaw resume os fatores que definiram o exercício do poder por todos os líderes retratados no livro: crises, poder concentrado e amplo apoio popular criam oportunidades de liderança.
Como resume o também historiador britânico Dominic Sandbrook, talvez a lição contemporânea de Carisma e poder seja mostrar que as sociedades são provavelmente mais felizes e saudáveis quando seus líderes são menos importantes.