Não se engane com o título de “Air: A História Por Trás do Logo”. O filme com estreia agendada para 5 de abril não resgata a trajetória da Nike em si, ainda que a marca tenha desencadeado um fenômeno cultural com o lançamento do tênis Nike Air Jordan, em 1984.
O foco aqui cai sobre Sonny Vaccaro, o vendedor de tênis que transformou o marketing esportivo a partir da revolucionária associação de uma marca com um atleta. No caso, a Nike e o jogador de basquete Michael Jordan, considerado o maior de todos os tempos.
Dirigido por Ben Affleck e roteirizado por Alex Convery, o filme resgata como nasceu a parceria, revolucionando a cultura do tênis e servindo de base para tudo o que veio depois em termos de campanhas de atletas endossando produtos. Embora o crédito pelo marco no setor seja reivindicado por várias partes envolvidas no acordo, o mérito aqui vai para Vaccaro.
Interpretado nas telas por Matt Damon, ele é apontado como o cara que “convenceu” tanto a Nike quanto Jordan a assinarem o contrato e a abraçarem a proposta da criação de um calçado esportivo valorizando um único atleta. Naquele momento, o acordo com um time completo, com todos os jogadores usando o mesmo calçado, era mais comum.
Quem teve a ideia de contar essa história na ficção foi o roteirista Alex Convery. Até então só documentários tinham destacado os bastidores do acordo e da concepção do tênis, que se tornou instantaneamente um objeto do desejo. Como “One Man and His Shoes” (2020), do britânico Yemi Bamiro, e “Sole Man” (2015), que foi um dos episódios da série documental “30 for 30”, da ESPN.
“Durante a pandemia, ao assistir à minissérie documental ‘The Last Dance’, sobre a vida de Michael Jordan, fiquei intrigado com o segmento de dez minutos revisitando a assinatura do seu contrato com a Nike”, contou o roteirista Alex Convery em episódio recente do podcast “The Act Two”.
“Como Jordan ainda não era um jogador conhecido na época, comecei a me perguntar como aquilo poderia ter acontecido. E ainda fiquei surpreso ao perceber que ninguém tinha contado essa história antes”, completou Convery, durante a entrevista.
Houve, sim, um projeto que circulou por Los Angeles, no final de 2007, com foco na visão de Vaccaro, o primeiro a apostar que Jordan seria o futuro astro do basquete. A princípio, o material renderia uma série na HBO, intitulada “ABCD Camp”, com James Gandolfini encarnando o protagonista.
Gandolfini, que tinha acabado de se despedir de “Família Soprano” (1999-2007), grande sucesso da HBO, chegou a se encontrar com Vaccaro, iniciando a sua preparação. Mas o projeto, com David Aaron Cohen como roteirista do episódio-piloto, nunca saiu do papel.
Vaccaro, que hoje mora em Palm Springs, na Califórnia, foi procurado por Convery no final de 2021, depois que o roteiro de “Air” já estava praticamente pronto. “Como muito do que se vê no filme são as reuniões de Vaccaro, até a assinatura do acordo, queria que ele me ajudasse a preencher algumas lacunas”, disse Convery, no podcast “The Act Two”.
Como o roteirista ganhou a confiança de Vaccaro, o empresário (hoje aposentado, com 83 anos) aceitou participar do filme, como consultor. O fato de o roteiro dar a sua perspectiva para a a história foi o que o conquistou. “Pelos olhos de Jordan, teria sido uma cinebiografia sobre o atleta, o que não me interessaria”, afirmou Convery, na entrevista.
“Air” é ambientado em 1984, quando Vaccaro trabalhava para a Nike à procura de jogadores de basquete promissores que pudessem fechar acordos de tênis com a empresa. Como a Nike enfrentava dificuldades, havia uma possibilidade de o CEO Phil Knight (vivido por Ben Affleck) desativar a divisão de basquete, colocando o seu foco apenas no tênis de corrida.
Para não perder o emprego, Vaccaro sugeriu uma jogada de marketing mais ousada. “Ainda que a Nike quisesse distribuir o dinheiro que tinha entre vários jogadores de basquete, eu disse: Não! Dê tudo o que você tem a um único atleta. É preciso apostar alto”, contou Vaccaro, em depoimento na série documental “Sole Man’’, da ESPN.
Vaccaro também arriscou na escolha de Jordan para a campanha. Por um lado, era raro um garoto-propaganda negro na época. E, por outro, Jordan era só um jogador promissor que faria a sua estreia pela NBA nos próximos meses, com o Chicago Bulls. E o próprio Jordan não tinha interesse na Nike, preferindo a Adidas, o que levou Vaccaro a procurar até a mãe do jogador (Viola Davis), em busca de uma aliada.
O convite para emprestar o nome a uma linha de tênis era algo inusitado na época. “Nunca me esqueço do meu primeiro encontro com Jordan, em um restaurante em Santa Monica.
Quando falei que queríamos dar o nome dele a um sapato, ele perguntou, espantado: O quê?”, relembrou Vaccaro, rindo, em “Sole Man”.